terça-feira, 27 de outubro de 2015

A cenoura e a anti-cenoura

(ou as maravilhas da adolescência)


 

O ensino obrigatório na Bélgica divide-se em ciclos de seis anos: ensino primário e secundário. A avaliação é contínua. Não há dois testes por período, como em Portugal, mas pequenos “controlos” o ano inteiro. Ou seja, a matéria dada é de imediato controlada/avaliada. Todas as semanas, fazem pequenas avaliações. Mal o aluno tenha negativa é enviado para a “remédiation”, onde um professor da disciplina revê a matéria. (Breve parêntesis para dizer que o Diogo foi à remédiation de Inglês com 13 valores, nota muito inferior ao habitual.) Em Dezembro e em Junho, fazem exames internos que duram, no mínimo, duas horas (no secundário podem durar quatro). A cada dois anos, os exames são nacionais. E isto desde o primeiro ano, com apenas seis anos. É naturalíssimo, não há cá pais stressados, nem meninos a vomitar com nervos. Na primária, fazem os exames de manhã e, à tarde, preparam o seguinte. No secundário, têm duas semanas de pausa lectiva para estudar antes da época de exames. No colégio do Diogo, os primeiros anos têm direito a coaching escolar gratuito. Fazem sessões de estudo individual e acompanhado, bem como diversas actividades para descomprimir. Nos últimos anos, é suposto serem autónomos.

O resultado deste sistema de avaliação é que as crianças criam hábitos de estudo cedo. Não há outra solução. O Vasco nunca traz muitos trabalhos de casa, mas tem de estudar todos os dias para preparar os testes e o ditado da semana. Nem sequer é preciso dizer nada, é a primeira coisa que faz quando chega (depois de enfardar o segundo lanche da tarde). Durante a época de exames, é impressionante a quantidade de horas que este miúdo é capaz de ficar concentrado a estudar sozinho. E, o mais importante, em oito anos de vida adquiriu um enorme prazer em aprender. A sua curiosidade insaciável sempre foi estimulada pela escola belga, onde teve a sorte de iniciar o percurso escolar.

Com o filho crescido, as coisas são diferentes. O Diogo também é um miúdo inteligente e que gosta de aprender. Mais, adora a escola onde anda. Sente-se bem lá, gosta do ambiente, do espaço... Este ano chegou a lá ir, no início de Setembro, dar uma espreitadela para matar saudades. Adora os colegas e a generalidade dos professores. Excepto Matemática, gosta de todas as disciplinas. Passado o choque de o termos obrigado a escolher Ciências 5, até disse que adorava as aulas práticas, no laboratório. O único problema é que o Diogo entrou neste regime escolar depois de cinco longooos anos de ensino português, onde se habituou à lei do menor esforço. Ao conhecimento colado a cuspo na véspera dos testes, sem quaisquer hábitos ou método de estudo.

Quando o Diogo chegou à Bélgica, no final do 5º ano, regressou à escola primária. Trabalhou muito para aprender a língua e conseguir fazer os exames nacionais de acesso ao ensino secundário. Mas, fundamentalmente, a nível dos programas escolares, a dificuldade não era grande para um miúdo esperto como ele.

No ano seguinte, enquanto os colegas se estavam a habituar a um novo sistema bastante mais exigente, com professores e disciplinas diferentes, nada daquilo era novidade para o Diogo. Nos dois primeiros anos do secundário teve sempre boas notas apesar de pouco estudar. Sobreviveu à custa de alguns conhecimentos mais avançados que trazia de Portugal. Da excelente cultura geral e da lendária memória de elefante. Sobreviveu com uma certa sobranceria, diga-se de passagem.

Mas, no 3º ano, as coisas mudam radicalmente. Na Bélgica, o sistema separa o trigo do joio muito cedo. Demasiado cedo, a meu ver. Os alunos com piores resultados são encaminhados para o ensino técnico logo no 3º ano. Se a coisa continuar a correr mal, são depois encaminhados para o ensino profissional. Não há abandono escolar, mas o ensino vai-se adaptando às “capacidades” do aluno. No final do 6º ano, há quem siga para a universidade, para o ensino tecnológico ou para o mundo do trabalho, já com um diploma profissionalizante. É de referir que o acesso a certo tipo de profissões está vedado a quem não possuir estes diplomas específicos.

O Diogo está no ensino designado por “geral”. Numa rede de colégios privados inserida no ensino católico, o mais exigente. Aliás, tal como o Vasco. A nossa escolha não se deveu ao acaso. Nem à fé cristã ou ao espírito elitista. Muito menos à proximidade geográfica, bem pelo contrário… mudámo-nos para esta terra exactamente por causa das escolas. E estamos longe de sermos os únicos. Num país onde a estratificação (segregação?) começa tão cedo, há que oferecer-lhes a melhor educação possível.

Deste modo, percebe-se que o nível de exigência no 3º ano aumente exponencialmente. É preciso estudar a sério para se ter boas notas, já não se consegue viver à sombra de conhecimentos passados. Ora o Diogo não estava minimamente preparado para dar este salto, porque infelizmente a formatação que recebeu em Portugal é difícil de apagar. E as notas começaram a descer nestes primeiros dois meses de aulas, obviamente. Nada que nos surpreendesse, já estávamos à espera disto há algum tempo. Mas o Diogo continua estupefacto, sem reacção. Incomodado por já não ter as excelentes notas a que estava habituado, mas ainda não completamente convencido de que terá mesmo de mudar de atitude face ao estudo daqui para a frente.

Começámos por ter grandes conversas com o Diogo que – adolescência oblige – não tiveram qualquer efeito. Depois, decidimos meter mãos à obra e ajudá-lo a estudar. Mas eu não tenho paciência. Só de ver aquela mochila, tenho ataques de nervos. Apetece-me gritar. O meu amor é mais calmo, mais eficaz… e bastante mais torcionário. Decidiu controlar-lhe os cadernos e a matéria dada, como faria a um miúdo mais pequeno. O Journal de classe. Obriga-o a recopiar textos ilegíveis e a organizar folhas perdidas. Fez-lhe um ficheiro Excel que tem de ir actualizando com as notas. Dá-lhe explicações quase diárias de Matemática e Ciências, para desespero do Diogo. Eu vou começar a dar-lhe explicações de inglês, para ver se regressamos às médias habituais. Até agora, ainda não houve resultados. Excepto as crises de resmunguice juvenis (que eu, aliás, compreendo perfeitamente… se a minha mãe me tivesse arranjado um padrasto destes, o mais certo era ter fugido de casa). O Diogo não se tornou mais humilde, nem mais aberto à aprendizagem. Ainda não aceitou que, a partir de agora, terá de começar a ser mais organizado e a criar uma rotina de estudo quotidiana.
 
Percebi que isto precisava de medidas drásticas e decidi adoptar a conhecida teoria da cenoura. Comprei bilhetes para a antestreia mundial do novo Star Wars, exclusiva na Bélgica, França e Holanda. Imprimi os bilhetes e disse-lhe que os pregasse no quadro de cortiça por cima da secretária. Quando lhe der a preguiça e a motivação falhar, só tem de olhar para ali. Caso as notas não comecem a subir, pode oferecer as entradas a um amigo qualquer, porque eu não o levo. É que não levo mesmo, por mais que ele esperneie. O meu amor riu-se muito, quando lhe falei da minha teoria da cenoura. Achou que era mais um voto de confiança, mas enfim… E decidiu combiná-la com outra teoria educativa, acabada de sair da forja: a teoria da anti-cenoura. Num novo quadro, rabiscou um horário de estudo carregadíssimo. Uma coisa horrorosa. Comentei que me parecia um bocadinho excessivo… para não dizer claramente insuportável. Respondeu-me que era de propósito. A teoria da cenoura puxa à frente, a teoria da anti-cenoura empurra atrás. Uma dá motivação, a outra aversão. O objectivo, segundo o meu amor, é fazer com que o Diogo deseje que aquela tortura acabe o mais depressa possível. “Ele há-de começar a estudar a sério… quanto mais não seja, para se conseguir ver livre de mim!”, explicou-me. Hum... acho que comigo não teria resultado, mas eu nunca tive o brio escolar dos meus filhos.

Ambas as teorias juntas, passe o pleonasmo, entraram na fase dos testes preliminares. Daqui por umas semanas, comunico os resultados. Talvez até faça aqui um sorteio, quem sabe? Será o primeiro giveaway do Amigo Imaginário, onde se oferecem três bilhetes para a antestreia mundial de Star Wars – The Force Awakens. Só terão de vir a Liège no dia 16 de Dezembro, claro. E trazerem-nos um cházinho para os nervos.

4 comentários:

  1. Enquanto funcionar a cenoura e a anti-cenoura, a coisa vai muito bem. O pior são os miúdos que são amorfos, tanto lhes faz. Não me importava de ir a Liège mas tenho a certeza que o Diogo vai dar bom uso aos bilhetes :)

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  2. Miúdos amorfos é que não, Gralha! Não há paciência! Quer dizer, se o mais pequeno fosse só um 'cadinho amorfo... ;)

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  3. Adorei! Eu devia ler o teu blog mais vezes! :) Gostava muito de estar com os meus sobrinhos em Liège para a antestreia do Star Wars, mas já vou estar em Portugal com o meu irmão e os meus outros sobrinhos. Beijinho muito grande para todos!

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  4. Deves pensar que não me lembrei logo de ti, quando fui ver o dia da antestreia... mas já me tinhas dito que não ias estar em Frankfurt. :( Lá terei eu que gramar aquela seca... sim, que o Pascal já se pôs ao fresco!
    Até daqui por 15 dias!!! <3

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