(onde
se mostra que a autonomia tem um objectivo final)
Não
há dúvida de que, neste país, o despreendimento em relação aos filhos é muito
maior do que em Portugal. Certas coisas fazem-me imensa confusão, tenho de admitir.
A maior parte das escolas secundárias estatais podem ser frequentadas em regime
de externato ou de internato, sem que o preço aumente significativamente. Os
internatos estatais são bastante solicitados no caso de escolas profissionais
ou técnicas com cursos muito específicos, que estão situadas exclusivamente nas
grandes cidades. Além disso, há colégios internos privados de renome um pouco
por todo o lado. Quando dei aulas de Inglês na Athénée de Spa tinha vários
alunos que estavam internos, porque viviam longe ou porque tinham “problemas em
casa”. A mim, nunca me pareceram especialmente problemáticos, apenas carentes...
Apesar de ter crescido cheia de inveja das personagens da Enid Blyton, que
andavam naqueles colégios internos ingleses fantásticos, percebi que a
realidade é bem mais desoladora. Fiquei estarrecida quando uma das minhas
alunas de Espanhol, que é casada com um flamengo, pôs a filha num internato na
Flandres mal terminou a primária no colégio de Saint-Joseph, onde anda o Vasco.
Em termos linguísticos, acho a solução deste casal bilingue excelente. Em
termos parentais, acho-a desastrosa.
Os
miúdos belgas são incentivados a criar asas relativamente cedo. Quando entram
para o secundário, no 7º ano, há uma clivagem nítida. Aos 12 anos têm um
bilhete de identidade com um chip que contém todas as suas informações pessoais, que são
obrigados a ter sempre com eles. Por volta dessa idade, abrem também uma conta
bancária (com uma conta-poupança automática anexada) e podem utilizar o cartão
multibanco. Recebem o primeiro telemóvel. Já ficam sozinhos em casa, quando
chegam da escola. Tudo isto tem uma razão de ser óbvia. No secundário, a maior
parte dos miúdos vai para escolas mais longe de casa e torna-se autónoma, no
que às deslocações de transportes públicos diz respeito. O mesmo se passa em
relação às diferentes actividades. Raros são os miúdos que andam a reboque dos
pais… ou melhor, raros são os pais que andam a reboque dos filhos. A
independência, a autonomia e o desenrascanço são palavras de ordem na sociedade
belga. É no seguimento desta lógica educativa que os jovens são incentivados a
trabalhar a partir dos 15 anos – como já expliquei aqui – e a juntar dinheiro
para as suas despesas pessoais.
Embora
não tenha este desapego todo em relação aos meus filhos, esforço-me por seguir
os hábitos deste país. E estou continuamente a pôr-me em questão, tentando ver
onde posso melhorar. Parece-me que o Diogo já tem muita liberdade, para os seus
14 anos. É um miúdo desenrascado e autónomo, a quem nunca precisei de cortar as
vazas. Infelizmente, não posso dizer o mesmo do Vasco… A coisa pequena ainda é
tratada com um mimo e desvelo pouco comuns por estas bandas. Mas penso que isso
está relacionado com o facto de ser uma criança que ainda vive muito no seu
mundo, que é um bocadinho desligada da realidade terrena. Por “realidade
terrena” refiro-me, por exemplo, a atravessar passadeiras com os olhos postos
na estrada e não num livro. Ou não dar conversa a qualquer estranho que se meta
com ele. O meu amor pede-me insistentemente que comece a “treinar” o Vasco para
andar sozinho, visto a coisa estar longe de começar a desenrolar-se
naturalmente. Já combinámos que, assim que o tempo melhorar, vamos mandá-lo fazer
recados à rua e escondemo-nos os três em pontos estratégicos ao longo do
percurso a vigiar. Nem quero imaginar… O Vasco é tantas vezes salvo in extremis que já tive de lhe coser o
capuz do Kispo, porque as molas estavam lassas.
Apesar
do meu lado maternal arreigadamente mediterrâneo, sou a favor de uma outra
tradição belga, que impressiona muitos pais portugueses: os filhos saírem de
casa quando vão para a universidade… e nunca mais voltarem. Quer dizer, nos primeiros
tempos, ainda voltam no fim-de-semana e nas férias. Mas, se tudo correr bem,
nunca mais assentam arraiais em casa dos pais. É evidente que esta tradição não
é especificamente belga, embora seja antagonicamente portuguesa. Aos 18 anos, é
comum os jovens alugarem um kot perto
da universidade, mesmo que os pais não morem muito longe. Aliás, as bolsas de
estudo para o ensino superior consideram automaticamente que um aluno é externo
– logo, que habita num kot – caso a
morada de família se situe a mais de 20 km da universidade. Os kots só podem mesmo ser alugados por
estudantes, individualmente ou em grupo. São uns mini-apartamentos independentes
com quarto, kitchenette e casa de banho, que custam entre 250 e 400 euros por
mês (despesas incluídas). No final dos estudos, os jovens recebem uma bolsa de
transição para se conseguirem sustentar até arranjarem o primeiro emprego,
evitando que voltem para casa. Se me faz confusão pensar que o meu filho mais
velho está a quatro anos de levantar voo para fora do ninho? Não, nenhuma. Ele já
começou a sonhar com isso há algum tempo. Felizmente, a universidade de Liège é
a mais prestigiada no país para os estudos que o Diogo quer seguir inicialmente.
Depois, será Bruxelas. Deste modo, pode ir progressivamente alargando o voo. Pelo
menos, foi o que lhe disseram no Salão do Estudante, onde o meu amor o levou no
outro dia. Pode parecer prematuro abordar estes assuntos tão precocemente, mas
creio que faz tudo parte da mesma dinâmica consistente de autonomização. Como se sabe, a independência não se dá, conquista-se. E isso leva o seu tempo.
Tanta coisa que devia ser espalhada pelo sul da Europa...a terra dos jovens filhos até acima dos 30! Ainda que me faça também um pouquinho de impressão essa escolha dos colégios internos,: era uma ameaça que fazia à minha filha quando se portava mal, ameaçava-a com a ida para o Ramalhão em Sintra! E o que ela chorava...
ResponderEliminarCoitadinha, ninguém merece! Embora os miúdos aqui até gostem, sabe-se lá porquê.
EliminarEu cá já avisei os meus que só os sustento até aos 25 anos. Depois, é fazerem-se à vida!