segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Este não é um post romântico

(apesar de hoje ser o nosso dia)



Conhecemo-nos por mero acaso, nada de muito romântico. Porque um algoritmo aleatório decidiu trocar-nos as voltas. Porque eu decidi gozar com ele. Porque ele me achou piada. E assim começou uma equivocada troca de e-mails. Num atropelo comunicativo cada vez maior. Mas eu só o deixei entrar na minha vida – na nossa vida – porque ele estava de partida. E assumidamente não gostava de crianças. Estes dois factores combinados garantiam a nossa segurança: a dos rapazes e a do meu coração. Uma mãe não tem grande espaço de manobra para o romantismo. Talvez por isso tenha perdido tanto tempo na Internet a confirmar o que me contava. Ainda ele não me tinha dito o seu nome completo, já eu tinha desencantado os artigos científicos que tinha publicado nos últimos anos. Por seu lado, ele também pensou que tinha uma confortável margem de segurança para avançar: eu tinha filhos, nunca poderia segui-lo na sua aventura. Mas podíamos ser amigos. Ambos precisávamos desesperadamente de um amigo. E, assim, ficámos o Principezinho e a Raposa. Até hoje.
Quando finalmente nos encontrámos pela primeira vez, foi romântico. Porque eu tinha ido a Liège e mandei-lhe uma mensagem a dizer que seria engraçado se nos cruzássemos sem saber. Passado umas horas, ele respondeu-me a dizer que tinha passado a tarde à chuva, à minha procura pelas ruas do centro. E eu, que já estava em casa com os rapazes, achei aquilo tão bonito que o convidei para jantar. Um simples jantar a quatro, como não podia deixar de ser. Mas foi um jantar romântico. Passámos o serão a passear pelos bosques de Malempré. Nas Ardenas não chovia, nevava. E a madrugada a conversar na minha sala de paredes azuis, ainda tão vazia de móveis. Ainda tão vazia de tudo, porque a nossa nova vida estava apenas a começar. No dia seguinte, voltámos a encontrar-nos para jantar. Os quatro, pois claro. Ele trouxe clementinas. Desta vez, perdemo-nos noite dentro, no meio da floresta cheia de neve. Agora, olhando para trás, penso que nos perdemos também em sentido figurado. Porque nos encontrámos. Nenhum de nós teria tido a coragem de se apaixonar se não nos tivéssemos perdido, algures, pelo caminho. Perdemos certamente o nosso espaço de segurança.
Apaixonarmo-nos é sempre um acto de romantismo. Com mais ou menos coragem. Com mais ou menos loucura. Mas, depois, há que dar o salto de fé. E a verdade é que nenhum de nós estava disposto a isso. Nenhum de nós estava preparado para isso. Eu ainda estava num processo de redescoberta, a tentar perceber o que queria fazer, nesta minha segunda existência. Ele estava prestes a lançar-se na aventura da sua vida, um périplo solitário de dois anos meticulosamente preparado, com muitos milhares de quilómetros a pé. Os meses foram passando. E ele foi ficando. Cada vez mais envolvido na nossa vida. Na nossa casa. Na casinha de pedra de Malempré, que começava a tomar forma. A data da suposta partida passou, sem que nenhum de nós ousasse falar no assunto abertamente. Mas eu percebi que ele tinha desistido do sonho por nós. Para ficar connosco. Este foi o salto de fé do meu amor.
Entretanto, entrou em pânico. Estávamos em meados de Julho. Um dia, depois de um fim-de-semana perfeito, anunciou-me que se ia embora. Dali a quinze dias. Ia-se embora, não para cumprir o seu sonho. Ia trabalhar para Itália, sem data de regresso. Ficaria a pouco mais de uma hora de avião de distância, mas viria visitar-nos todos os meses. E sempre que precisássemos.  Demorou muito tempo a partir, porque não se conseguia ir embora. Nessa altura, pensei que seria a ocasião ideal para acabarmos. Não acredito em histórias de amor à distância. E admito que também estava um bocadinho em pânico. Depois, pensei melhor. Lembrei-me de uma amiga, que dizia: “o que é nosso, a nós há-de vir”. E decidi abrir mão calmamente. Este foi o meu salto de fé.
Nunca me senti verdadeiramente triste. Ou abandonada. Ou sozinha. O meu amor não deixou. Fiquei contente por voltar a viver só com os rapazes. Por recuperar a minha existência, que aquela relação tinha virado por completo do avesso. Consegui dar um passo atrás e ver as coisas sob outra perspectiva. Durante meses a fio, o meu amor cumpriu religiosamente a sua palavra. Veio ver-nos inúmeras vezes à Bélgica. E a Lisboa, e a Londres e a Frankfurt. Nas datas importantes e nas que ele inventava. Sempre que era preciso. Quando o Vasco partiu o pé, materializou-se em Malempré passados dias. Por incrível que pareça, continuava a fazer parte da nossa vida mesmo à distância. Da vida dos rapazes também. A nossa relação amadureceu muito com esta separação. Voltámos à troca de e-mails inicial, que tanto prazer nos dava.
Na Primavera, o meu mundo desabou. O meu filho Diogo voltou das férias da Páscoa completamente mudado, com a cabeça feita, a dizer que queria voltar para Portugal. Descobri que tinha uma estirpe cancerígena do vírus do papiloma humano. A minha tendinite deixou-me completamente paralisada. Pela primeira vez, pedi ajuda ao meu amor. Senti que o equilíbrio que tinha custado tanto a conquistar, estava prestes a desabar. Senti-me resvalar. E o meu amor fez as malas e voltou para junto de nós. Não por uns dias, como eu pedi. Não por umas semanas, não por uns meses. Voltou definitivamente.
Em Junho de 2014, fomos viver todos juntos para a nova casa, em Vielsalm. Enquanto família. Foi o nosso salto de fé a dois. Acho que demorámos a chegar aqui. Mas, às vezes, as coisas precisam de tempo para amadurecer. Tal como as pessoas. Nós precisámos de tempo. Precisámos de distanciamento. Precisámos de saudades. E de algumas certezas. Quando conjugamos o verbo amar sabemos exactamente o que encerra: dois mundos, duas línguas, quatro pessoas, quatro passados, sonhos abandonados pelo caminho, novos projectos imaginados, o esboço de uma vida em conjunto. Um presente construído dia após dia, sem idealizar muito o futuro. Excepto o dos filhos. Não somos uma família perfeita. Somos a família que sabemos ser. Que nos esforçamos por ser. Onde o espaço e o tempo de cada um são respeitados. Onde a personalidade de cada um é incentivada. Somos os quatro muito diferentes, mas valorizamos essa diferença. Somos singulares, mas fazemos sentido em conjunto. Somos melhores pessoas juntos.
A partir do momento em que aceitamos sem medos o petit grain de folie de cada um de nós, a vida em comum só podia correr bem. Claro que temos as nossas zangas, os nossos desentendimentos. Amar alguém no dia-a-dia não é propriamente romântico. Convenhamos, a vida familiar tem pouco romantismo. É constituída por um empilhamento de obrigações que têm mesmo de ser cumpridas. Contudo, é completamente diferente fazê-lo ao lado de alguém que me trata como sua igual. Que não ajuda, faz. E que sabe fazer melhor do que eu, na grande maioria das vezes. Que não é órfão de mãe viva, portanto quer apenas uma companheira. Que sabe assumir uma paternidade que não desejou, nem é sua. Excepto na realidade dos afectos quotidianos. Que sabe manter-se meu amigo, sem deixar de me desafiar intelectualmente. Ou de outras maneiras. Porque tem sempre algo novo para me ensinar. Que me acha bonita como eu sou, sem artifícios. Que me respeita enquanto profissional e faz tudo para eu não falhar um prazo. Que se esforça por encontrar momentos a dois. E a três. E a quatro. Sempre com o mesmo sorriso. O meu amor não tem uma gargalhada fácil. Mas quando ri é tão engraçado que nós desatamos todos a rir. O meu amor faz-me rir todos os dias e isso faz cosquinhas na barriga. Porque me faz feliz.

Esta manhã foi igual a tantas outras. O Vasco e eu estávamos de saída, atrasados. Mas voltei atrás porque me tinha esquecido de pôr o sumo de laranja na mesa que deixei preparada para o meu amor. Encontrei-o à porta, com o meu kispo na mão. Ajudou-me a vesti-lo e ajeitou-me o gorro. Pôs-me a mochila do computador às costas. Deu-me um beijo. Com um sorriso, empurrei-o, dizendo-lhe que tinha o café a arrefecer na mesa. E isto, não sendo nada de importante, é tudo. É o que nos faz estar juntos há três anos. Creio que não há receitas para fazer durar o amor. Para nos mantermos apaixonados pela mesma pessoa ano após ano, numa vida familiar onde a rotina exigente é pouco romântica. O nosso segredo é cuidarmos um do outro. Não tenho a certeza, mas afinal talvez isto seja um bocadinho romântico. Parabéns a nós, pelos nossos três anos feitos hoje. Logo nós, que não era suposto termos ficado nem sequer três meses juntos...

8 comentários:

  1. Parabéns por este passo que podia ter sido um salto para o "escuro do papão" mas que se tornou num caminho com momentos de luz, de lusco fusco e alguma penumbra, como o dia normal de quem não se deixa ficar deitado à espera que os ponteiros do relógio avancem...Quem a lê pensa que já viveu mais que uma vida, parece não condizer com o seu aspecto de menina/mãe! Long life para essa história, gosto dela...Beijinhos, Rita!

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  2. Oh, que história tão bonita!
    Um beijo aos dois, que são uns sortudos!
    O amor é liiiiindo, pá!!
    <3

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  3. Fiquei emocionada. A sério. E sabes, acredito mesmo que tudo tem o seu tempo certo para ser vivido. E quando tem de ser, assim será. Tb. acredito que o que é nosso, a nós vem ter. Que a vossa história de amor se prolongue todos os dias, harmoniosamente e continuem a cuidar do vosso amor. Um beijinho de Parabéns :)

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    1. A questão é que, às vezes, há coisas certas que aparecem na nossa vida nos momentos mais errados. O importante é saber dar a volta ao texto. :)

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