(apesar
de hoje ser o nosso dia)
Conhecemo-nos
por mero acaso, nada de muito romântico. Porque um algoritmo aleatório decidiu
trocar-nos as voltas. Porque eu decidi gozar com ele. Porque ele me achou
piada. E assim começou uma equivocada troca de e-mails. Num atropelo
comunicativo cada vez maior. Mas eu só o deixei entrar na minha vida – na nossa
vida – porque ele estava de partida. E assumidamente não gostava de crianças.
Estes dois factores combinados garantiam a nossa segurança: a dos rapazes e a
do meu coração. Uma mãe não tem grande espaço de manobra para o romantismo.
Talvez por isso tenha perdido tanto tempo na Internet a confirmar o que me contava.
Ainda ele não me tinha dito o seu nome completo, já eu tinha desencantado os
artigos científicos que tinha publicado nos últimos anos. Por seu lado, ele
também pensou que tinha uma confortável margem de segurança para avançar: eu
tinha filhos, nunca poderia segui-lo na sua aventura. Mas podíamos ser amigos.
Ambos precisávamos desesperadamente de um amigo. E, assim, ficámos o
Principezinho e a Raposa. Até hoje.
Quando
finalmente nos encontrámos pela primeira vez, foi romântico. Porque eu tinha
ido a Liège e mandei-lhe uma mensagem a dizer que seria engraçado se nos
cruzássemos sem saber. Passado umas horas, ele respondeu-me a dizer que tinha
passado a tarde à chuva, à minha procura pelas ruas do centro. E eu, que já
estava em casa com os rapazes, achei aquilo tão bonito que o convidei para
jantar. Um simples jantar a quatro, como não podia deixar de ser. Mas foi um
jantar romântico. Passámos o serão a passear pelos bosques de Malempré. Nas
Ardenas não chovia, nevava. E a madrugada a conversar na minha sala de paredes
azuis, ainda tão vazia de móveis. Ainda tão vazia de tudo, porque a nossa nova
vida estava apenas a começar. No dia seguinte, voltámos a encontrar-nos
para jantar. Os quatro, pois claro. Ele trouxe clementinas. Desta vez,
perdemo-nos noite dentro, no meio da floresta cheia de neve. Agora, olhando para
trás, penso que nos perdemos também em sentido figurado. Porque nos
encontrámos. Nenhum de nós teria tido a coragem de se apaixonar se não nos
tivéssemos perdido, algures, pelo caminho. Perdemos certamente o nosso espaço
de segurança.
Apaixonarmo-nos
é sempre um acto de romantismo. Com mais ou menos coragem. Com mais ou menos
loucura. Mas, depois, há que dar o salto de fé. E a verdade é que nenhum de nós
estava disposto a isso. Nenhum de nós estava preparado para isso. Eu ainda
estava num processo de redescoberta, a tentar perceber o que queria fazer,
nesta minha segunda existência. Ele estava prestes a lançar-se na aventura da
sua vida, um périplo solitário de dois anos meticulosamente preparado, com
muitos milhares de quilómetros a pé. Os meses foram passando. E ele foi
ficando. Cada vez mais envolvido na nossa vida. Na nossa casa. Na casinha de
pedra de Malempré, que começava a tomar forma. A data da suposta partida
passou, sem que nenhum de nós ousasse falar no assunto abertamente. Mas eu
percebi que ele tinha desistido do sonho por nós. Para ficar connosco. Este foi
o salto de fé do meu amor.
Entretanto,
entrou em pânico. Estávamos em meados de Julho. Um dia, depois de um
fim-de-semana perfeito, anunciou-me que se ia embora. Dali a quinze dias. Ia-se
embora, não para cumprir o seu sonho. Ia trabalhar para Itália, sem data de
regresso. Ficaria a pouco mais de uma hora de avião de distância, mas viria
visitar-nos todos os meses. E sempre que precisássemos. Demorou muito tempo a partir, porque não se conseguia ir embora. Nessa altura, pensei
que seria a ocasião ideal para acabarmos. Não acredito em histórias de amor à
distância. E admito que também estava um bocadinho em pânico. Depois, pensei
melhor. Lembrei-me de uma amiga, que dizia: “o que é nosso, a nós há-de vir”. E
decidi abrir mão calmamente. Este foi o meu salto de fé.
Nunca
me senti verdadeiramente triste. Ou abandonada. Ou sozinha. O meu amor não
deixou. Fiquei contente por voltar a viver só com os rapazes. Por recuperar
a minha existência, que aquela relação tinha virado por completo do avesso.
Consegui dar um passo atrás e ver as coisas sob outra perspectiva. Durante
meses a fio, o meu amor cumpriu religiosamente a sua palavra. Veio ver-nos
inúmeras vezes à Bélgica. E a Lisboa, e a Londres e a Frankfurt. Nas datas
importantes e nas que ele inventava. Sempre que era preciso. Quando o Vasco
partiu o pé, materializou-se em Malempré passados dias. Por incrível que
pareça, continuava a fazer parte da nossa vida mesmo à distância. Da vida dos rapazes também. A nossa
relação amadureceu muito com esta separação. Voltámos à troca de e-mails
inicial, que tanto prazer nos dava.
Na
Primavera, o meu mundo desabou. O meu filho Diogo voltou das férias da Páscoa
completamente mudado, com a cabeça feita, a dizer que queria voltar para
Portugal. Descobri que tinha uma estirpe cancerígena do vírus do papiloma
humano. A minha tendinite deixou-me completamente paralisada. Pela primeira
vez, pedi ajuda ao meu amor. Senti que o equilíbrio que tinha custado tanto a
conquistar, estava prestes a desabar. Senti-me resvalar. E o meu amor fez as
malas e voltou para junto de nós. Não por uns dias, como eu pedi. Não por umas
semanas, não por uns meses. Voltou definitivamente.
Em
Junho de 2014, fomos viver todos juntos para a nova casa, em Vielsalm. Enquanto
família. Foi o nosso salto de fé a dois. Acho que demorámos a chegar aqui. Mas,
às vezes, as coisas precisam de tempo para amadurecer. Tal como as pessoas. Nós
precisámos de tempo. Precisámos de distanciamento. Precisámos de saudades. E de
algumas certezas. Quando conjugamos o verbo amar sabemos exactamente o que encerra:
dois mundos, duas línguas, quatro pessoas, quatro passados, sonhos abandonados
pelo caminho, novos projectos imaginados, o esboço de uma vida em conjunto. Um presente
construído dia após dia, sem idealizar muito o futuro. Excepto o dos filhos. Não
somos uma família perfeita. Somos a família que sabemos ser. Que nos esforçamos
por ser. Onde o espaço e o tempo de cada um são respeitados. Onde a
personalidade de cada um é incentivada. Somos os quatro muito diferentes, mas
valorizamos essa diferença. Somos singulares, mas fazemos sentido em conjunto.
Somos melhores pessoas juntos.
A
partir do momento em que aceitamos sem medos o petit grain de folie de cada um de nós, a vida em comum só podia
correr bem. Claro que temos as nossas zangas, os nossos desentendimentos. Amar
alguém no dia-a-dia não é propriamente romântico. Convenhamos, a vida familiar
tem pouco romantismo. É constituída por um empilhamento de obrigações que têm
mesmo de ser cumpridas. Contudo, é completamente diferente fazê-lo ao lado de
alguém que me trata como sua igual. Que não ajuda, faz. E que sabe fazer melhor
do que eu, na grande maioria das vezes. Que não é órfão de mãe viva, portanto quer
apenas uma companheira. Que sabe assumir uma paternidade que não desejou, nem é
sua. Excepto na realidade dos afectos quotidianos. Que sabe manter-se meu amigo,
sem deixar de me desafiar intelectualmente. Ou de outras maneiras. Porque tem
sempre algo novo para me ensinar. Que me acha bonita como eu sou, sem
artifícios. Que me respeita enquanto profissional e faz tudo para eu não falhar
um prazo. Que se esforça por encontrar momentos a dois. E a três. E a quatro. Sempre
com o mesmo sorriso. O meu amor não tem uma gargalhada fácil. Mas quando ri é
tão engraçado que nós desatamos todos a rir. O meu amor faz-me rir todos os
dias e isso faz cosquinhas na barriga. Porque me faz feliz.
Esta manhã foi igual a tantas outras. O Vasco e eu estávamos de saída, atrasados. Mas voltei atrás porque me tinha esquecido de pôr o sumo de laranja na mesa que deixei preparada para o meu amor. Encontrei-o à porta, com o meu kispo na mão. Ajudou-me a vesti-lo e ajeitou-me o gorro. Pôs-me a mochila do computador às costas. Deu-me um beijo. Com um sorriso, empurrei-o, dizendo-lhe que tinha o café a arrefecer na mesa. E isto, não sendo nada de importante, é tudo. É o que nos faz estar juntos há três anos. Creio que não há receitas para fazer durar o amor. Para nos mantermos apaixonados pela mesma pessoa ano após ano, numa vida familiar onde a rotina exigente é pouco romântica. O nosso segredo é cuidarmos um do outro. Não tenho a certeza, mas afinal talvez isto seja um bocadinho romântico. Parabéns a nós, pelos nossos três anos feitos hoje. Logo nós, que não era suposto termos ficado nem sequer três meses juntos...
Parabéns por este passo que podia ter sido um salto para o "escuro do papão" mas que se tornou num caminho com momentos de luz, de lusco fusco e alguma penumbra, como o dia normal de quem não se deixa ficar deitado à espera que os ponteiros do relógio avancem...Quem a lê pensa que já viveu mais que uma vida, parece não condizer com o seu aspecto de menina/mãe! Long life para essa história, gosto dela...Beijinhos, Rita!
ResponderEliminarObrigada, Mariana! Beijinho grande.
EliminarOh, que história tão bonita!
ResponderEliminarUm beijo aos dois, que são uns sortudos!
O amor é liiiiindo, pá!!
<3
Ah, ah, ah! É mesmo, Ana... o amor é lindo! :)
EliminarOh l'amour :)
ResponderEliminarTrop mignon, "prima"! ;)
EliminarFiquei emocionada. A sério. E sabes, acredito mesmo que tudo tem o seu tempo certo para ser vivido. E quando tem de ser, assim será. Tb. acredito que o que é nosso, a nós vem ter. Que a vossa história de amor se prolongue todos os dias, harmoniosamente e continuem a cuidar do vosso amor. Um beijinho de Parabéns :)
ResponderEliminarA questão é que, às vezes, há coisas certas que aparecem na nossa vida nos momentos mais errados. O importante é saber dar a volta ao texto. :)
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