(porque a coisa pequena está quase a fazer 10 anos
e eu tenho andado em profunda reflexão)
Muitas
pessoas me dizem que o Vasco parece filho do meu amor, apesar de ser a minha
cópia-conforme. Inclusivamente, a minha mãe. Nos locais públicos, as pessoas
nem hesitam: são pai e filho. Não lhes vejo grandes parecenças físicas, mas sei
que têm os mesmos trejeitos. A posição do corpo, os gestos, as expressões. Sem
dúvida alguma, o mesmo tipo de engrenagem mental. O sentido de humor. Os
centros de interesse. A verdade é que o Vasco passou quase metade da sua curta existência
ao lado do meu amor. As semelhanças que ambos desenvolveram advêm da
convivência diária, que conseguiu ultrapassar em muito a genética. Nem eu, nem
o Diogo temos com o meu amor esta ligação tão próxima. Em que um completa o
outro. Em que um puxa pelo outro. São capazes de passar tempos infinitos
juntos, num mundo só deles, a que nenhum de nós tem acesso. O Vasco não é
exactamente um miúdo como os outros, mas o meu amor também não é um adulto como
os outros. O facto destes dois se terem encontrado foi uma feliz coincidência
da vida, porque acho que ambos saíram consideravelmente enriquecidos. O Diogo
diz que, de nós os três, o Vasco é o preferido do meu amor. E di-lo sem ciúme,
com uma imensa ternura. É uma mera constatação. Eu também fico enternecida por
assistir a este estranho amor, que nunca precisou de laços de sangue, nem de
etiquetas.
Em
nossa casa não se usa a palavra padrasto. Nem (pai)drasto. Nem pai do coração.
Nem nenhuma dessas expressões modernas delicodoces que, a meu ver, pressupõem
sempre uma teatralidade imposta. Os afectos não precisam de estatuto para se
manifestarem. Os adultos da tribo são a mãe e o Pascal. As crianças da tribo
são o Diogo e o Vasco. Simplesmente. Nunca ouvi o meu amor referir-se aos
rapazes como “enteados”. Ou “os meus
enteados”, com um possessivo bem marcado Mas, acreditem, quando ele pronuncia o
nome deles fá-lo sempre com uma entoação única na voz. Isso basta-me. Sinto-me
infinitamente grata por ter este homem na minha vida. Na nossa vida. Agora que
o Vasco está prestes a completar duas mãos cheias de anos, vejo o alcance que
esta relação única teve na formação da sua personalidade. Nem todas as pessoas
têm a sorte de encontrar quem promova e elogie a sua estranheza. Quem as ame
desinteressadamente. Quem as apoie incondicionalmente. Quem dê a vida pela sua,
sem hesitar. Porque acredita que merece o mundo. O meu filho Vasco teve a
sorte de encontrar um amigo deste calibre. Independentemente do que nos
acontecer a nós, enquanto casal, não tenho qualquer dúvida de que este binómio
se manterá pela vida fora.
[
Este Verão, a tribo foi andar de kayak com o pai do meu amor. Quilómetros
infinitos, rio abaixo. Às tantas, ouço a coisa pequena suspirar. Apontou para
pai e filho, que seguiam à nossa frente no mesmo kayak. Dois homens iguais, com
uma simetria irrepreensível de movimentos. Num silêncio que não precisava de
palavras. E diz o Vasco: “Gosto tanto de os ver juntos, mãe. Sinto um
calorzinho bom no coração!”. Este miúdo tem uma sensibilidade que nunca cessa de me espantar.
Pensei que é exactamente o que eu sinto, quando vejo o meu amor e o meu filho
pequeno juntos. Um calorzinho bom no coração. ]
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