(onde se tenta fazer uma boa acção e se fica irreconhecível)
Como
já aqui disse, decidi aproveitar a reviravolta que aconteceu na minha vida para
realizar sonhos e desvarios. Ora há muito tempo que acalentava o desvario de
doar o meu cabelo à Think Pink, uma espécie de liga contra o cancro aqui do
burgo. O mínimo era 20 centímetros. Depois de muito pensar, achei que com um
bocadinho de esforço conseguiria chegar aos 30 centímetros. É certo que o meu
cabelo cresce depressa, mas tenho a sensação de que demorou séculos. Nos
últimos seis meses comecei a ficar mesmo farta, confesso. Já não aguentava ter
o cabelo tão comprido, que exigia imensos cuidados para o manter o mais
saudável possível. De modo que aproveitei a onda de mudança e fui ao
cabeleireiro. Descobri na Net um salão aderente não muito longe de Vielsalm. O
corte era gratuito e o envio ficava por conta deles.
Sábado
de manhã, lá fomos. O meu amor quis estar presente para dar apoio moral e a
coisa pequena veio atrás, sempre pronta para novas aventuras. O filho crescido
ficou amuado em casa, pois desde o início manifestou-se veementemente contra (e
acreditem que isto é um eufemismo). Demorámos bastante tempo a encontrar o
cabeleireiro. O GPS bem repetia que tínhamos chegado, mas nós não víamos nada. Excepto
campos e vacas a perder de vista. Até que decidimos estacionar em frente a um
curral e explorar a zona. O estranho cabeleireiro ficava num anexo da quinta.
Entre o curral e a casa, para ser mais precisa. A cabeleireira veio a correr
abrir a porta, à hora marcada. Trazia uma criança adormecida nos braços e
queixou-se que era a mulher dos sete ofícios. Olhando para trás, percebo que
era a minha deixa para fugir. Infelizmente, pensei que ser cabeleireira (e
proprietária de um cabeleireiro-anexo) seria um desses ofícios.
Três
rabos-de-cavalo de 30 centímetros foram diligentemente medidos e cortados. O
restante cabelo ficou ligeiramente acima dos ombros. Perfeito! Era exactamente o
que eu queria. Estranhei a cabeleireira não lavar o cabelo e começar às
tesouradas por ali afora. Ainda tentei dizer que gostaria de pagar o corte,
apesar de saber que fazia parte da campanha “Coup d’éclat” da Think Pink. A senhora contrapôs e continuou a
cortar. Zás, zás, zás! Quando dei por mim, tinha o cabelo cortado a viés. À esquerda,
acima do ombro… à direita, pelo queixo. A medo, perguntei: “Mas não está tudo
torto?”. Respondeu-me que era propositado. Era um corte “destruturado”. Olhando
para trás, percebo que era a minha segunda deixa para fugir. Mas limitei-me a engolir
em seco e explicar que gostava de estrutura na minha vida, a começar pelo
cabelo. A cabeleireira cortou o lado mais comprido, como é óbvio. E, de uma
assentada só, conseguiu igualar o horror. Saí de lá com menos 40 centímetros de
cabelo. Tristíssima. O Belga dizia que adorava. O filho pequeno também. Só tive
uma opinião honesta quando o Diogo me viu entrar em casa: estava horrorosa.
Passei
o resto do fim-de-semana a perguntar ao homem se não achava que o corte estava
todo torto, mas ele garantia que não. Estava linda. Ficava-me a matar. Muito
mais jovem. Dava-me um ar traquina. Enfim… Acabei por desistir. Na
segunda-feira, decidi-me finalmente a pintar o cabelo. Estava a precisar, mas preferi
esperar pelo corte para ter menos trabalho. A embalagem de sempre, a cor de
sempre. Se houve coisa que acabei por aprender com o cabeleireiro-vidente foi a
manter-me fiel a estes dois parâmetros. Fiz a aplicação como sempre. O fim de
15 minutos, passei por um espelho. Estranhei a cor estar tão escura. Corri para
o espelho da casa de banho para confirmar. E, a seguir, corri para o caixote do
lixo: “Garnier Nutrisse Castanho médio”. Corri para o duche… o mal já estava
feito. Não sei o que raio se passou, tendo em conta que a embalagem tinha sido
comprada há pouco tempo e estava fechada. Uma vez seco o cabelo, deparei-me com
a Beatriz Costa. Excepto a franja. E o corte certinho.
Terça-feira
de manhã, mal deixei o Vasco na escola, entrei no primeiro cabeleireiro que
encontrei aberto. O meu aspecto era tão desolador que a cabeleireira aceitou
receber-me naquela tarde, no meio dos outros clientes. Aqui, normalmente, só
com 15 dias de antecedência. Avisou que ia tentar (frisou bem T-E-N-T-A-R)
salvar a situação. Decidi confiar. O meu desespero era tão grande, que teria
confiado no diabo. Apesar de tudo, fartei-me de repetir que não era uma fútil,
nem nada que se parecesse. Mas que pura e simplesmente não me reconhecia. É
estranho passarmos por um espelho/montra/vidro e vermos uma pessoa que não
reconhecemos. Eu estava nesse estado. Para ser sincera, já tinha amaldiçoado um
cento de vezes a ideia da doação de cabelo. Nem nunca vivi de perto uma situação
dessas, não sei o que me terá passado pela cabeça (literalmente). Como dizia o
meu filho mais velho, as senhoras com cancro ficam muito bem de lenço na
cabeça. Em certas zonas neste país, grande parte da população feminina anda de
cabeça coberta. Raios partam o meu espírito voluntarioso e empático.
Entrei
no cabeleireiro às 14h30 certinhas. Saí de lá, já passavam das 17h. Duas
cabeleireiras andaram à minha volta a tentar perceber o que se poderia fazer.
Chegaram à conclusão de que tinha de me livrar daquele cabelo preto e acertar o
corte. “Acertar o corte, não! Fazer um corte como deve ser…”, explicou uma
delas. Tive muita dificuldade em fazê-las acreditar que não tinha sido eu a
cortar os 30 centímetros de cabelo com a tesoura da cozinha. Não tenho a
certeza absoluta de que tenham acreditado. No entanto, confirmaram o mistério
da cor trocada. Parece que já não era a primeira vez que lhes entrava uma alma
de cabelo escuro pelo salão adentro com as mesmíssimas queixas.
Começaram
por me descolorir o cabelo. De permeio, queimaram-me os neurónios e o couro
cabeludo. E serviram-me um café. Fiquei com a cabeça amarela. Amarela cor-de-pintainho.
Depois, estive séculos com uma máscara que era suposto reparar os efeitos
nefastos da descoloração. Mas continuava amarela, embora me doessem menos os
neurónios e o couro cabeludo. Bebi mais um café. Entre elas, decidiram a cor
que me iria “iluminar”. Aparentemente, é preciso estarmos “iluminadas” depois
dos 40. Apesar de garantirem que eu estava muito longe de parecer ter 40 anos.
Seja como for, parece que o facto de “iluminar” o rosto me faria esquecer o
corte de cabelo. Ou a ausência de cabelo. Era ponto assente que aquilo teria de
levar um jeito valente (as cabeleireiras usavam muitos “petit” para aligeirar a
coisa, à falta dos nossos “inhos”). Fiquei, então, loira. Acho que estou loira.
Filho crescido acha que estou loira. Os belgas (incluindo o filho pequeno, que
se diz meio-belga) acham que louro é outra coisa qualquer mais clara. Para a
generalidade do mundo (belga), tenho o cabelo castanho clarinho. Seja.
A
seguir, veio o corte. Estava a ver que as cabeleireiras me iam tirar uma
fotografia com o cabelo ensopado e penteado. Definitivamente mais curto de um
lado do que do outro. Com as pontas assimétricas. E em escadinha atrás. Foram
chamar outra cabeleireira para apreciar o trabalho. Até a esteticista veio lá
das catacumbas ver aquele espectáculo. Para além de todas as clientes
presentes. Findo o demorado conciliábulo, decidiram que a única coisa a fazer
era cortar tudo por igual, exactamente do mesmo comprimento da mecha mais curta.
Ou seja, por cima do queixo. Ao verem-me de lágrimas nos olhos, nem ousaram propor
escadeados, degradés, franjas, nem
merdas do estilo. Para pior, já basta assim, como diz a canção. Fiquei com o cabelo
curto, mas direitinho. Fiquei loira e “iluminada”. Decididamente, não gosto do
resultado final. Mas sei que passei uma tarde com várias pessoas à minha volta
a tentar desfazer o erro da “talhante”, como apelidaram a primeira colega. Não
ousei dizer que o salão-anexo ficava situado entre o curral e a casa. No final,
propuseram-me um chá. E sei que aligeiraram bastante a factura, porque afinal eu
“tinha apenas tentado fazer uma boa acção”.
Passaram-se
uns dias. Filho crescido continua a ser defensor do uso do lenço, nos casos de
cancro. Detesta ver-me assim e é de uma honestidade desarmante. Mas olha para
mim com um ternurento ar de condescendência. Filho pequeno anda encantado. Já
me pediu para ficar assim “para sempre”. O Belga não poupa os elogios, mas acho
que é só para evitar que corte os pulsos ou parta os poucos espelhos que há
nesta casa. Quanto a mim, continuo sem me reconhecer, quando me cruzo com a
loira de cabelo curto. Eu sei que o cabelo cresce (e o meu cresce depressa). E
sei que isto é tão fútil e desprezível, face ao que certas pessoas sofrem. Mas,
pronto, estou zangada comigo mesma. Aproveitei para informar o pessoal da casa
que, na próxima vez que me apetecer fazer um disparate destes, têm a obrigação
de me impedir.
Disclosure: Entretanto, desafiei-os para o
seguinte desvario. Infelizmente, nenhum deles pôs um travão a tempo. Tornámo-nos
todos voluntários num refúgio para animais abandonados. E já passámos umas
horas a passear cães. Ah… e apadrinhamos a Jasmine.
Oh, de certeza que te fica lindamente! Tens cara de gaiata e tens!
ResponderEliminarMas para não pensares que não sou solidária para com a tua escassez capilar digo-te que quando cortei o cabelo por baixo da orelha, num bob moderníssimo, corria o mês de outubro do ano de nosso senhor de 2015, gostei do resultado durante cinco minutos. Ao sexto minuto arrependi-me amargamente! E mais não foi para doar. O teu pelo menos vai ter um destino bonito!
Agora mostra mas é uma foto!
:)
Nem pensar, nunca na vida! Estava a organizar uma sessão fotográfica mãe-filhos para celebrar os números redondinhos (40, 15 e 10), mas já desisti da ideia. Tão cedo não me apanham à frente de uma objectiva!
EliminarSim, ficou a faltar a foto. E se ajuda, eu sou daquelas pessoas que não tem essa coisa com os cabelos. Vou de dois em dois meses praticamente rapar o cabelo e para mim é a melhor sensação do mundo. Já faltou mais para usar a máquina que os meus filhos usam. E da última vez que fui não só cortei curtíssimo como não pintei e fiquei com os brancos todos à vista. Foi uma decisão muito ponderada e com alguma oposição cá em casa, mas na linha de usar cada vez menos química no corpo. Em conclusão, eu sou sempre pelos cortes curtos. E a maior parte das vezes acho que ficam bem. De certeza que é o teu caso.
ResponderEliminarAi... que inveja dessa liberdade, Helena! Quem me dera ter a tua coragem para usar o cabelo curtinho e com brancos. Acho lindíssimo! Eu também detesto a questão dos químicos, mas tenho medo da reacção alérgica que a Henna possa provocar e não conheço outras soluções. Tenho andado a pensar em dar esse passo um dia, até porque acho bonito. Mas, pronto, falta-me a coragem!
EliminarSim, queremos foto! Na minha modesta opinião, quando pensar em fazer alterações capilares, sugiro que se faça uma reunião familiar para lembrar à Rita o que se já não correu muito bem para evitar novos percalços, tipo lembrete do telemóvel...
ResponderEliminarO problema é que os homens da casa gozam comigo e dizem que, faça eu o que fizer, isto corre sempre tudo mal! :p
EliminarNão sabia que aceitavam doação de cabelo pintado, sempre ouvi que só aceitavam cabelo natural. Como só corto uma vez por ano, vou pensar nisso para a próxima. E vai crescer num instante :)
ResponderEliminarAqui aceitam, liguei para lá para confirmar. Cabelo natural, branco e pintado. Segundo me explicaram, às vezes há necessidade de completar uma peruca com mais cabelo. O essencial é que esteja saudável. Se só cortas uma vez por ano, facilmente consegues os 20 centímetros necessários.
EliminarEu sei que cresce depressa, mas caramba... estou horrorosa! :( Mas o filho pequeno voltou a apaixonar-se por mim, tem as suas vantagens.