(onde se confessa que, tendo o privilégio de assistir em primeira mão
a Rogue One, se aproveitou para dormitar)
Sou
a “melhor mãe do mundo” muitas vezes. Não é preciso fazer grande coisa para
atingir tão elevado estatuto, devo admitir. As criaturas são fáceis de
contentar. Uma ida ao cinema. Uma tablete de chocolate ou um pacote de
pastilhas. Um amigo que fica para dormir. Deixá-los alugar mais um jogo, na
caravana quinzenal da mediateca. OK…
para ser completamente honesta, sou a “melhor mãe do mundo” sempre que descem
para jantar. Seja lasanha ou carbonara de tofu. Pizza. Frango com esparguete.
Principalmente, feijoada. Acho que alguém devia contar este segredo às jovens
mães: basta saber cozinhar, tudo o resto há-de vir por arrasto. Tanto livro de
pedagogia da treta e, no fundo, o graal encontra-se no corredor dos livros de
culinária. Porque nenhum filho há-de dizer, emocionado: “Ah, que maravilha de
filosofia pedagógica!”. Mas todos os domingos dizem que fiz o “melhor bolo de
sempre”. Em semanas como esta, em que à quarta-feira já desapareceu tudo, sei
que têm razão. E sei que, um dia mais tarde, não se lembrarão que tirei o
telemóvel ao grande, quando bateu no pequeno ainda antes das 7h da manhã. Nem
de todas as jigajogas que faço para conseguir levá-los a tantas actividades. Não
se lembrarão das noites que passo a trabalhar para poder chegar a todo o lado,
financeiramente falando. E das vezes que me torturo, sem saber se terei tomado
a atitude mais correcta. O que eles se lembrarão, daqui a muitos anos, é que a
nossa casa cheirava a bolo acabado de fazer. Que os amigos tinham sempre um
lugar à mesa, mesmo que não estivéssemos a contar com eles. Que vivíamos a 2500
km de Portugal, mas todos os meses comíamos bacalhau com natas. Proust tinha
razão, não há memória mais forte do que a comida da infância.
No
caso dos meus filhos, há uma coisa que anda ali lado a lado com a comida. E com
a música, diga-se de passagem. Algo que eles próprios estão a construir como
memória conjunta da irmandade. Como património familiar edificante. Já não se
trata de um simples gosto pessoal partilhado ou de uma mera obsessão. Porque é
uma parte integrante da vida dos nossos rapazes. Falo, obviamente, do universo
Star Wars. Nesta casa há filmes, desenhos animados, livros. Há mochilas, roupa,
ténis, pantufas, meias e boxers. Há
brinquedos, naves, Legos, jogos. Há posters
e objectos decorativos vários. Há planetas suspensos no tecto. E muitos,
muitos, muitos sabres de luz. Nesta casa, há uma mãe que recebeu dezenas de SMS
– em dia de escola, durante o tempo de aulas – a alertar para o facto de as
bilheteiras já terem aberto. Uma mãe que ficou à coca, atrás de um computador –
em dia de trabalho, durante as horas supostamente laborais – para poder comprar
bilhetes para a estreia mundial do último filme do Star Wars. Na Bélgica e em
França, os filmes estreiam no cinema à quarta-feira. O que significa que somos
sempre os primeiros a ter o privilégio de assistir às premières do Star Wars.
Pagas a peso de ouro, com muitos meses de antecedência. Fiz isso com The Force Awakens. E voltei a fazer com Rogue One.
Nesta
casa, há uma mãe que faz 160 km, num dia de semana, em véspera de um exame importante
do filho crescido, a horas muito pouco próprias, para os levar à estreia do
novo filme. Éramos só nós e os maluquinhos de serviço, claro está. Vestidos a
rigor. De telemóvel em punho para fotografar. Que dão uma verdadeira fortuna
por uma embalagem de pipocas Star Wars. Que sentem nervoso miudinho. Que põem
os óculos ridículos com um ar muito circunspecto. Que se riem das mesmas coisas,
enquanto trocam olhares cúmplices no escuro. Que passam o intervalo a fazer comentários
muito assertivos e a tirar ilações importantíssimas. Que, no final, correm para
os grupos de outros maluquinhos do Facebook para tecerem considerações em primeira
mão. Que dissecam o filme ao mais ínfimo pormenor, durante o trajecto do
regresso.
Nesta
casa, há uma mãe algo esgotada. E bastante adoentada. Que ainda conseguiu dormitar,
no meio do festival de tiros e lutas. Uma mãe que ia distribuindo tabefes ao
calhas no escuro, quando a conversa entusiasmada dos seus pequenos fãs atingia
um volume pouco educado. Uma mãe que não queria nada ter a despesa de uma noite
meia louca, num mês tão complicado. E que ainda tinha muito trabalho à sua
espera, quando chegasse a desoras. Mas esta mãe, ontem, não foi “a melhor mãe
do mundo”. Embora eles o tenham dito inúmeras vezes, no meio dos agradecimentos efusivos. Foi a mãe fixe, à qual foi permitido fazer parte deste momento
emocionante da irmandade. Há momentos de epifania, em que tudo faz sentido e em
que adoro ser mãe. Instantes em que me permito transgredir as regras da
maternidade consciente e ajuizada. A tal maternidade preconizada nos livros. E, mesmo que estejam envoltos em cansaço,
fazem com que tudo isto valha a pena. O passarinho a cantar dentro do meu
peito.
Boa noite, Rita! Vivi sempre desligada do mundo Star Wars ainda que o filho de uma das minhas melhores amigas seja louco por esta saga desde a sua criação...Gasta imenso em toda a espécie de gadgets, de ornamentos, decorações! E viveu ansioso os dias e as horas antes da estreia em Portugal deste último filme! Só que ele já não é uma criança como os seus filhotes...Até onde chegará a paixão dos seus infantes? Mas este passo compartilhado com "a melhor mãe do mundo" eleva-a à categoria de parceira da Dona Dolores, passe a comparação...
ResponderEliminarAh, ah, ah... D. Dolores! Quem me dera, Mariana! :p
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