(onde nos armamos em bons para salvar a situação
e acabamos aos pinotes)
O
meu amor fez anos. E eu decidi organizar um dia em grande, só para nós.
Começamos por utilizar finalmente a Wonderbox que o Diogo nos tinha oferecido
aqui há uns tempos. Fomos tomar um pequeno-almoço com champanhe num salão de chá muito elegante. Filho grande ainda não deve ter percebido que a mãe dele não
está à altura de tanta sofisticação. Felizmente, o Belga não se fez rogado e emborcou
as duas taças de champanhe com um sorriso. Ainda nem sequer era meio-dia.
Seguimos
para uma espécie de jogo de pista. Marquei um passeio a cavalo para o início da
tarde. Num sítio novo, visto que a nossa vizinha de Malempré perdeu o Zorro com
um vírus fulminante, ficando apenas com dois cavalos. Como há bastante tempo
que não fazíamos um passeio destes pelos bosques, achei que seria uma surpresa
engraçada. O problema é que desencantei um sítio na net, que não conhecia de
lado nenhum. E depressa percebi que tinha entrado num daqueles programas
misteriosos onde as pessoas recebem indicações para irem ter a um local
desconhecido, sem saberem muito bem ao que vão. A explicação é simples. Vão
mudando os cavalos de pasto consoante o tempo que faz. E nunca se sabe muito
bem que tempo faz nesta terra. Quer dizer, a única garantia que temos é que
estará frio. Esta terça-feira nevou, acho que ainda não vos tinha contado. Por
isso, só recebi as indicações exactas da localização na noite anterior. E eram
tão complicadas que fiquei seriamente desconfiada de que não conseguiríamos encontrar
os ditos cavalos. Bom, também há uma justificação para tantas precauções. Os
cavalos são amistosos e estão habituados às pessoas. Se os diferentes prados
onde se encontram fossem conhecidos, poderiam ser facilmente roubados. Daí
tanto secretismo.
Apesar
de conhecermos bem a região de Aywaille, demorámos algum tempo a dar com o
caminho, seguindo atentamente o papel com as intricadas explicações. Nesta altura
do campeonato, o meu amor pensava que íamos fazer um percurso de trekking ou de orientação. Pouco depois
de chegarmos, apareceu um velhote que nos perguntou: “Vous allez monter?”
Respondi que sim, pensando que a surpresa estava estragada. Afinal, estávamos
mesmo ao lado de um terreno com cavalos. E de uma zona que se via perfeitamente
que servia para os selar. Mas o Belga é meio tolinho e pensou de imediato que
íamos fazer escalada, dado o sentido dúbio da palavra “monter”. Menos mal,
pensei. De facto, no cimo dos bosques via-se umas rochas escarpadas. Preferia
morrer a subir por ali acima, mas pronto. Entretanto, chegaram os donos do
clube, já com as cabeçadas na mão. Nem assim o meu amor percebeu. De onde se
depreende que é muitoooo fácil surpreender este homem!
Logo
para início de conversa, o dono começou a fazer-nos perguntas sobre a nossa
experiência equestre. E o Belga mostrou-se humilde. Demasiado humilde, como
sempre. O problema é que no site
avisavam insistentemente que só faziam passeios com cavaleiros bastante
experientes. O meu amor andou muito tempo num centro equestre, mas só começou a
fazer passeios ao ar livre quando me conheceu. Mesmo assim, já lá vão quatro
anos… e o homem continua modesto. Parece que o cavalo que lhe tinham destinado
era “especial”. O meu era um pónei reguila, como sempre. Tendo em conta que era
preciso descriminar a altura e o peso na ficha de inscrição, calculei que fosse
esse o resultado. É sempre. Mas eu adoro os póneis. Contrariamente ao que se
pensa, têm um feitio dos diabos. São teimosos e cheios de genica.
Mas, ontem, comecei a ver o caso mal parado. Os donos estavam com medo de deixar
sair o Belga naquele monstro e o Belga também já estava a ficar com receio de
tanto os ouvir discutir. Mas não havia mais cavalos disponíveis, naquele prado.
E, bom, decidi que o melhor era enaltecer as minhas qualidades para ver se
saíamos do impasse. O meu amor é um homem magro, o meu pónei aguentaria bem com
ele. Só tinha de os convencer que, do alto do meu metro e meio (que agora até sabemos
ser 1.48m, para sermos mais rigorosos), conseguiria montar o maior cavalo que
ali estava. Eu nem sequer lhe chegava ao garrote. E vai de começar a falar dos
meus anos na Sociedade Hípica Portuguesa, dos tempos tenebrosos dos saltos de obstáculos
e da delícia quando finalmente comecei a fazer alta escola. Dressage, como se
diz por aqui. Consegui convencê-los. Que sim, senhora, aquele cavalo vinha de
uma escola e não estava habituado a movimentos demasiado bruscos. Estávamos com
sorte, é assim que eu sei andar a cavalo. Costumo fazer figura de parva, quando
vamos nestes passeios aventureiros, porque mantenho a posição e a discrição de
movimentos que interiorizei ao longo dos anos. O resto do pessoal vai com as
duas rédeas numa só mão, costas curvadas e pouco ou nada usa os pés. Às vezes,
dou por mim a rir para dentro a imaginar qualquer um dos meus professores a
chorar perante aquele espectáculo.
Cavalos
bem alimentados, escovados, selados e lá fomos nós… O dono num pónei branco terrorista
que passou o passeio todo às cangochas, o meu amor no meu/seu pónei cheio de speed, eu no mostrengo bem-educado… e
o tal velhote que quase tinha estragado a surpresa. Ontem foi um daqueles dias
em que tivemos uma valente lição de vida. O velhote tinha 83 anos e
aparentava-os bem. Mas ainda faz 20 km diários de bicicleta. E estava ali para
experimentar aquela égua, pois queria comprá-la para voltar a dar passeios a
cavalo. Já estava meio desabituado… há três meses que não montava. A verdade é
que o passeio demorou muito mais do que o previsto. Havia umas árvores caídas a
cortar o caminho e gravilha fininha onde uns dias antes era só terra batida. E
também nos perdemos, quando estávamos a galope. Seja como for, o velhote
aguentou-se direitinho. Já nós… às tantas, estávamos um bocado mortos. Foram
quase quatro horas de muitas subidas e descidas complicadas. E paisagens
lindas. Não faço ideia como o dono se orientava, as árvores pareciam-me todas
iguais. Mas, quando é assim, quem nos guia são os cavalos que sabem sempre escolher
o melhor caminho.
Eu
ia a fechar o pelotão. O mostrengo assim o decidiu. De vez em quando ia lado a
lado com o meu amor, para falarmos um bocadinho. Mas o mostrengo gostava de
manter as suas distâncias. Estranhamente, portou-se muito bem. No início, o dono
lançava-me uns olhares preocupados. Mas, quando me viu já sem estribos a
esticar as pernas, riu-se muito e disse que quando há técnica, não é preciso
mais nada. Nem tamanho, nem força. O bicho era pacífico, mas com um trote largo
e um galope veloz como o vento. Fartei-me de chorar com a ventania! Cruzamos
tractores, cães, muitos cavalos e uma manada de vacas demasiado amistosas. Só
se assustou quando, numa descida íngreme, nos saltou um ciclista pela frente. Acho
que nos assustámos os quatro, bicicleta incluída. Azar dos azares, já me doía
tudo e mais alguns músculos que nem sabia existirem. E estava sem estribos a
esticar as pernas. A besta deu um salto atrás e vai de desatar aos pinotes. Mas
acalmou depressa, passado o susto. E desceu o monte com um salto. O meu amor
agradeceu-me por todos os santinhos ter-me armado em boa para salvar o passeio,
porque dizia que teria ido de cabeça ao chão pela certa. O velhote afiançou que
não queria o mostrengo, nem que fosse oferecido. E o dono disse que voltasse
quando quisesse.
Quando
já estávamos a chegar, os cavalos começaram a ficar mais nervosos e fizemos o
resto do caminho a pé. A puxar por aquele brutamontes, que estava decidido a
comer a erva toda que estava na berma do caminho. Daí o ar zangado, da última fotografia… J
O
final do dia foi muito… como dizer? Doloroso. É que nem o banho quente nos
valeu, caraças. Os miúdos ofereceram uma edição vintage da velhinha consola Atari ao meu amor. Foi engraçado vê-los
à rasca com os joysticks. Já o meu amor estava perfeitamente à vontade. Uma
pessoa esquece-se que aqueles jogos antigos tinham piada, mas a musiquinha
enervante dá cabo do sistema nervoso. Seja como for, foi complicado arrancar
os quatro dali. O Vasco tinha duas horas de solfejo em Stavelot e decidimos
aproveitar para fazer um jantar romântico enquanto esperávamos. O Diogo quis
ficar em casa, com a desculpa de que tinha de estudar para um teste. Mas acho que
foi só um querido e deixou-nos aproveitar o resto do dia a dois. Tinha
programado um filme para o serão, mas achámos melhor rendermos-nos às evidências
de que os rabos doridos precisavam de descanso…
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