(onde o esforço compensa, mas cansa)
Nem
sempre é bom, isto de ser mãe. Estamos a entrar
numa fase em que sinto que os meus actos terão consequências importantes.
Provavelmente, as mais importantes dos nossos quase dezasseis anos. E isso
pesa. Deixá-los errar, pesa. Obrigá-los a seguir determinado caminho também
pesa. Porque será que ninguém diz que o fardo é tão pesado?
Obriguei o Diogo a ir ao seu primeiro ensaio com a banda dirigida
pelo professor de trompete. Até pode chumbar no exame do final de ano, é irrelevante.
Ninguém estuda um instrumento durante sete anos para obter um diploma. Um
pedaço de papel que ateste as suas competências. Ele não quer entrar para a
escola superior de música, acredito que aquele certificado de pouco lhe irá
servir na vida. Mas a atitude está errada. Baixar os braços sem lutar, está
errado. Não se deve desistir à primeira contrariedade. O medo não pode ser
paralisante. Mas explicar isto a um adolescente é muito complexo. Porque não
é palpável, nem concreto. O mais difícil é impor decisões abstractas. É complicado
justificar uma obrigação dizendo que o meio interessa mais do que o fim.
Explicando que a força de vontade para se superar é infinitamente mais importante
do que o resultado final escrito numa folha de papel.
Por
isso, obriguei-o a ir. Desde o final de Fevereiro que andamos nesta luta. É
esgotante. Tive de ser eu a andar atrás do professor para combinar as coisas.
Tive de ser eu a insistir. Tive de ser eu a fixar datas, horas e locais em que
a banda iria iniciar um novo repertório e o Diogo poderia entrar. Foi na sexta-feira
passada. E após meses de discussão, ainda passámos o dia a trocar mensagens.
Porque o Diogo não queria mesmo ir. Acabei a dizer que quem mandava era eu. Que
ele não tinha escolha. Mas custou-me. Vai contra tudo o que eu acredito, no que
à pedagogia diz respeito. Mas é a minha filosofia de vida, que considero ter
obrigação de lhes transmitir. Quem foge de medo são os cobardes. Quem vai em
frente com medo são os corajosos. E eu quero que os meus filhos aprendam a ser
corajosos. Que aprendam a ter medo, que tomem consciência do medo, que consigam
verbalizá-lo. E, depois, agir em consequência.
Foi
difícil arrancá-lo de casa. Arrastá-lo para dentro do carro. A técnica é sempre
a mesma: enrolar até já estar tão atrasado que nem vale a pena ir. E houve
gritos. E ameaças. E zangas. Por fim, lá fomos. O Diogo estava tão nervoso, que
o jantar lhe caiu mal. O habitual, portanto. Comigo sucedeu o mesmo, mas não
lhe disse nada. Estava tão nervosa quanto ele. Parei à porta, deixei-o sair e
arranquei de imediato sem olhar para trás. O professor estava à espera dele, se
não aparecesse logo me havia de telefonar. Não telefonou. Duas horas depois,
fui buscá-lo. Vinha feliz como há muito não o via. Que tinha sido extraordinário.
Que tinha adorado. Que no início estava nervoso, mas depois passou. Que devia
ter cometido muitos erros, porque não conhecia as partições, mas que não se
ralou e deixou-se ir. Que se libertou. Que para a semana estava lá caído. Sem sombra de dúvida. Que aquilo
era uma maravilha.
Para
rematar, o já costumeiro agradecimento: “Muito obrigado, mãe, por me teres
obrigado a vir. Tinhas razão”. Tentei brincar... “Como sempre. Tens de dizer: Tinhas
razão como sempre, mãe.” E o Diogo disse-o, com um grande sorriso. Noutros
tempos, aquilo teria bastado para me aquecer o coração. Mas hoje sinto-me
cansada. Exausta de lutar contra a vontade de um adolescente de quase dezasseis anos
que já é bem maior do que eu. E contra um professor que andava há anos a repetir o
convite e que já tinha desistido. Estou cansada de lutar contra a minha própria
cabeça, para tentar saber onde posso deixá-lo errar e onde devo impor-me. Por
isso, mesmo que ninguém o diga, não tenho vergonha de admitir que nem sempre é
bom, isto de ser mãe.
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