(porque ontem foi dia da mãe na Bélgica)
A
mãe sabe que tempo vai fazer amanhã. E no fim-de-semana seguinte. A mãe é
meteorologista.
A mãe consegue levar ambos os filhos a duas actividades diferentes à mesma hora. A mãe detém o segredo da teletransportação. Ou da ubiquidade.
A mãe sabe o título do livro que era preciso comprar ontem, sem que a lista de leituras tenha saído da mochila. E, como é evidente, a mãe tem esse livro na estante da sala. A mãe é previdente.
A mãe tem ingredientes e disponibilidade para fazer 35 bolinhas de frutos secos para celebrar a despedida do professor estagiário, desde que seja avisada até às dez da noite. A mãe é cozinheira num quartel.
A
mãe sabe o número de telefone do colega do filho e, idealmente, da mãe dele
também. A mãe engoliu a lista telefónica.
A
mãe sabe sempre onde estão os ténis. A caixa do lanche. A mochila da piscina. A
t-shirt preferida. As chaves. O telemóvel. E, se
preciso for, sabe tudo isto ao mesmo tempo. A mãe tem uma excelente memória
visual.
A
mãe está a fazer o jantar que o olfato dos filhos detectou no andar de cima.
Exactamente aquele jantar. A mãe é adivinha.
A
mãe tem os 25 euros para pagar a actividade da escola, na manhã
seguinte. De preferência trocado. A mãe é o multibanco.
A
mãe sabe se as gavetas estão mal arrumadas só de olhar fixamente para o armário
fechado. A mãe tem visão raio-X.
A mãe é a rainha da private joke. Faz parte das suas funções conhecer todos os diálogos dos sete filmes do Star Wars. I am one with the force and the force is with me. A mãe é fã.
A
mãe pode coser o casaco preto com linha preta à noite. Antes de se ir deitar. A
mãe não precisa de dormir. E, como já se percebeu, tem uma excelente visão.
A
mãe tem uma farinheira e consegue multiplicá-la quando faz feijoada, de modo a
que todos repitam várias vezes e haja sempre uma rodela (grande) no prato.
Mesmo nos restos do dia seguinte. A mãe tem o dom da multiplicação.
A
mãe sabe o que fazer quando dói a garganta ainda antes do filho se queixar.
Porque a mãe prevê as dores. A mãe é médica. E enfermeira. E curandeira.
A
mãe começa logo a gritar (ainda que esteja apenas a rosnar baixinho). Porque uma mãe
zangada ouve-se sempre muito bem. A mãe tem voz de tenor.
A
mãe não pode cortar o cabelo ou mudar de visual. A mãe é imutável.
A
mãe recorda na perfeição a história sobre o amigo do colega da outra turma que
lhe foi contada na Primavera de 2015, quando estava a tirar as compras do carro. A
mãe tem memória de elefante.
A
mãe tem a solução para todos os problemas do mundo. A mãe é sábia.
A mãe sabe sempre onde perdemos o casaco. A mãe é omnipresente.
A
mãe consegue responder a uma pergunta urgente enquanto lava os dentes/faz
chichi/toma banho/fala ao telefone com outra pessoa. A mãe é ventríloqua.
A
mãe faz sempre a sobremesa preferida do outro filho. Dá sempre mais atenção ao
outro filho. Deixa sempre o outro filho falar mais. Defende sempre o outro filho.
A mãe é profundamente injusta.
A mãe é a mulher dos sete instrumentos. Domina na perfeição orgão de igreja, violino, piano e trompete. Só assim se explica que estejam sempre a perguntar-lhe: "Toquei bem?" A mãe é chefe de orquestra.
A
mãe, quando descasca uma manga, consegue sempre dar dois caroços a roer aos filhos. Já
se sabe que a mãe tem o dom da multiplicação.
A
mãe sabe a que horas e em que canal passa determinado programa. A mãe é a TV
Guia.
A
mãe consegue responder a perguntas não formuladas. A mãe tem o dom da
telepatia.
A
mãe adivinha o mal de que padece a tartaruga moribunda e consegue curá-la. A
mãe é veterinária. E milagreira.
A
mãe ostenta com orgulho os brincos horrorosos que o filho fez na escola com massinhas. A
mãe é um expositor ambulante da arte da progenitura.
A
mãe lê pensamentos secretos e adivinha as parvoíces que estão para acontecer. A
mãe é omnisciente.
A
mãe vai levá-los a visitar a muralha da China. A mãe é rica.
A
mãe tem um colo que cura todas as dores. Os beijinhos e abraços também fazem
milagres. A mãe é mágica.
A
mãe sabe exactamente o que se passa na cabeça do senhor que está a discutir com
a mulher no outro lado da estrada, na terça-feira à tardinha. Por isso lhe perguntam: "O que se está ali a passar?" A mãe sabe sempre tudo.
A
mãe tem uma ideia fantástica para o trabalho da escola que deve ser entregue
no dia seguinte. A mãe é uma iluminada.
A mãe fala sempre baixinho. Quando pede ao filho para arrumar o quarto, por exemplo. Ou aspirar a casa. Ir chamar o irmão. Lavar as mãos para vir para a mesa. A mãe murmura.
A
mãe tem de ceder o seu pacote de pipocas, no cinema. A mãe é abnegada. Ou está
de dieta.
A mãe ouve música dos anos 90. A mãe tem mau-gosto. Para além de ser velha.
A
mãe é imediatamente informada quando o cão vomita às 7h30 da manhã. A mãe é a empregada doméstica de plantão.
A
mãe diz mil vezes as mesmas coisas. Principalmente advertências e ralhetes. A
mãe é chata. E bastante repetitiva.
A
mãe sabe como se diz paralelepípedo em romeno. A mãe é tradutora.
A
mãe está sempre ao lado do telemóvel e responde de imediato. A mãe é reactiva.
A
mãe tem resposta pronta. Sabe sempre o porquê de tudo. Em que ano nasceu fulano. Que
descoberta fez sicrano. De que nacionalidade é beltrano. E, de permeio, os horários dos comboios. A programação do cinema. A mãe é o Google.
A
mãe tem sempre pilhas. Das AAA e das AA+. Quatro pilhas, obviamente. E um
compasso, na véspera do teste de matemática. A mãe tem sempre mais um
litro de leite algures escondido. Para além da caneta florescente azul clara. A
mãe é o supermercado.
Aconteça
o que acontecer, a mãe é sempre culpada. Porque devia saber. Devia ter
calculado. Devia ter feito de outra forma. Devia ter avisado. Devia ter chegado
mais cedo. Ou mais tarde. Porque devia ter corrigido o erro a tempo. A mãe tem
as costas largas.
A mãe consegue sempre reparar qualquer objecto partido. A mãe é genial.
A
mãe tem todos os defeitos do mundo. E mais alguns. Só assim se explica as
falhas dos filhos. E os traumas infligidos. A mãe veio com defeito.
A
mãe sabe ao minuto os pormenores da última desgraça que aconteceu algures no mundo (e
quiçá mesmo no espaço). A mãe é a CNN. Ou deus. É isso... a mãe é deus.