(onde se passa momentaneamente para o lado de lá)
Nestes
últimos cinco anos, tenho ouvido todo o tipo de pergunta. A nossa vida parece
suscitar curiosidade. A temática da emigração é recorrente. Questionam-me sobre
a Bélgica, as diferenças entre os dois países, a problemática do bilinguismo, a
distância da família, as saudades que sinto dos amigos, o isolamento… Às vezes,
perguntam-me como é educar dois rapazes sozinha. O meu amor também é alvo de atenção.
A nossa relação a quatro, que está a anos-luz da típica família recomposta.
Muito raramente me questionam sobre a relação do Diogo e do Vasco com o outro lado. E eu agradeço o respeito
pela privacidade dos meus filhos. No entanto, penso que seria interessante inverter
esta questão. Ou seja: que tipo de mãe seria eu se estivesse do outro lado? Esse assunto atormentou-me largos
meses, durante a disputa pela guarda do Diogo, em 2014. Estranhamente, nunca
ninguém me fez essa pergunta. Talvez preferíssemos todos manter a esperança de
que ambos os rapazes ficariam comigo na Bélgica e ninguém quisesse imaginar
cenários derrotistas. Excepto eu e a minha mente atormentada. Passei muitas
noites acordada a pensar no que faria, caso o Diogo fosse viver para Portugal. Felizmente,
tal não aconteceu e já esquecemos esses tempos negros. Amanhã, o filho crescido
faz 16 anos. Pela primeira vez, pediu expressamente para não receber a visita
do outro lado. A sua vontade foi
respeitada. Mas hoje, ao espreitar pela terceira vez a caixa do correio vazia,
fiquei com a sensação de que a sua vontade foi também castigada. E voltei a
pensar no que eu faria, se fosse o progenitor que está longe.
Acredito
que é possível contrariar o paradoxo de nos mantermos presentes na vida de um
filho que está longe. A distância pode ser colmatada de diversas formas. Não
será o ideal, mas é exequível. Assim haja vontade de ambas as partes e – o mais
importante – assim o progenitor em questão tenha capacidade para se apagar e pôr
os filhos em primeiro lugar. Não vale a pena seguir cegamente a lei e obrigar
toda a gente a viver no medo. Não vale a pena obrigar os filhos a falar todos
os dias a determinada hora, só porque é o que está estipulado legalmente.
Principalmente, se esse tempo for usado para falar do trabalho do progenitor,
dos resultados da bola, do tempo que faz em Portugal e da vida de outras crianças
que entretanto apareceram. A longo prazo, o que vai acontecer é que os miúdos vão
associar esses telefonemas a uma obrigação isenta de prazer. E, quando perceberem
que o tal medo instituído era meramente fictício, deixarão de atender o
telefone. Nesse momento, já não haverá lei nem presença física que valha para
reconstruir a relação filial. O telefone é um excelente meio de comunicação,
mas a partir de certa idade deve ser deixado a cargo dos filhos. Quando um
filho tiver algo importante para dizer, liga. Até lá cabe ao progenitor distante
fomentar a vontade de falar. Se pensarmos bem, não é assim tão difícil… Mandar uma
mensagem a dizer que se está em tal sítio e se lembrou de uma história divertida
passada. Partilhar um post qualquer interessante
no Facebook, o trailer de lançamento
da série preferida, o cover de uma
música que o filho gosta especialmente, um artigo que possam posteriormente
discutir, etc. Hoje em dia, há tantas redes sociais que se torna fácil manter em
aberto diversos canais de comunicação. Por que não manter um blog fechado para trocarem impressões e
fotografias? Verba volant scripta manent.
Além do mais, a escrita tem a vantagem de colmatar lacunas na língua materna dos
filhos que estão a crescer num país estrangeiro.
Cada
vez mais, as pessoas parecem centrar-se unicamente no imediatismo do contacto
humano. Mas o Skype ou o Facetime diários nunca poderão substituir um postal ou
uma carta mais longa (a escrita… novamente, a escrita!). Mostrar o crescimento
de alguém através do iCoiso não substitui fotografias actualizadas que poderão ser
revistas e, inclusivamente, mostradas aos amigos na escola. Tal como, mais
importante do que dizer que se comeu este ou aquele prato num novo restaurante
(ou em casa de familiares), é enviar por correio um produto português qualquer que
os miúdos apreciem. Quem está longe sabe a alegria que é receber um chapelinho
de chocolate da Regina, uma farinheira ou uma caixa de "Chocoflakes". Ou outra
coisa qualquer. Não é só pela comida, como é evidente. É também pelo facto de
sabermos que somos importantes, que alguém pensou em nós, que nos conhece os
gostos e os anseios. No ano em que estive na Bélgica, recebia frequentemente
cassetes, livros e jornais. Por vezes, uma peça de roupa. E cartas… recebi centenas
de cartas, que guardei anos a fio com imenso carinho. Não percebo por que diabo
não se pode continuar a enviar estas coisas por correio. A Fnac, por exemplo,
permite fazer entregas em países diferentes por um custo ridículo. Os jornais e
os livros ainda não se tornaram obsoletos! Obviamente, convém que os periódicos
confirmem a versão cor-de-rosa do que dizemos passar-se no jardim à beira-mar
plantado…
Por
outro lado, uma das vantagens da sociedade actual é a democratização dos preços
das viagens de avião. Que tal apanhar um avião em cima da hora para fazer uma
surpresa aos filhos? Basta activar um alerta nos principais sites de voos low cost para receber notificações automáticas, quando houver bilhetes
a preços convidativos. No ano em que o meu amor esteve em Itália, raramente
gastava mais de 70 euros nos voos ida e volta. Normalmente, comprava-os com bastantes
meses de antecedência, mas também aconteceu aproveitar lugares de última hora. Dir-me-ão
que os hóteis são caros… Mas pode-se sempre alugar um airbnb, que também
permite poupar nas refeições. De qualquer modo, o que interessa mesmo é o tempo
passado juntos a construir memórias. Não me parece que os miúdos se importem de
andar de transportes públicos ou de dormir em casa de alguém. Faz tudo parte da
“aventura”, assim o progenitor que está longe esteja disposto a deixar cair a
imagem de pessoa abastada e séria. A vantagem de se viver no centro da Europa é
que depressa se está noutro país vizinho. Talvez inclusivamente se possa
aproveitar a viagem para dar a conhecer novos mundos aos filhos. O tempo em
família é essencial para se criarem novas dinâmicas, mas o tempo passado em
exclusivo com os filhos é a base de toda a relação filial futura. Acredito que
esta dedicação dará os seus frutos um dia mais tarde (ou a falta dela).
A
verdade é que os miúdos crescem demasiado depressa. Num abrir e fechar de
olhos, a divisão das férias deixa de lhes convir. Acredito que as concessões serão
sempre mais benéficas do que as obrigações. Quando as imposições legais
desaparecerem, vamos basear-nos em quê? Nas hipotéticas obrigações morais? Na simples
chantagem emocional? Mais tarde ou mais cedo, os verdadeiros sentimentos virão
à tona. Em vez de obrigar os filhos a passar quinze dias na Páscoa fechados em
casa (ou, pior, a saltar por diferentes casas de familiares), por que não aceitar
que venham apenas metade do tempo, desde que venham felizes? Há que deixar
que, a dada altura, a vida deles seja o centro de tudo. Que tal compensar com
visitas mais frequentes? É normal que os miúdos queiram mostrar a vida deles, os amigos deles, as namoradas deles,
as actividades deles, a escola deles. O país deles, porque é ali que vivem e se estão a construir como pessoas.
Os filhos não têm culpa se um dos progenitores foi viver para longe. Ignorar essa
parte das suas vidas é ignorá-los a eles. E ignorar a sua identidade, que será
sempre dúbia. Mais importante do que férias forçadas é assistir a concertos de
música, estar presente naquele exame mais difícil, levá-los àquela estreia tão
aguardada. Se o sonho de um filho é visitar um museu que fica apenas a 4 horas
de distância do local onde vivem, custa assim tanto ao pai ausente levá-lo lá?
Fará algum sentido oferecer uma entrada à pessoa que está com ele todos os dias
para o levar? Até que ponto a guerra que movemos contra o outro progenitor nos
impede de vermos o quão importantes são os nossos filhos? Quando há amor, “não
há longe nem distância”.
[ Ninguém me encomendou este fado, é certo. Mas o Diogo faz 16 anos amanhã e, se eu fosse o progenitor que está longe, insistiria numa visita noutra data, no final dos exames. Ou antes, era indiferente. Insistiria em levá-lo a passear. Pelo menos, teria enviado uma carta bonita. E teria encomendado o iPod que ele tanto quer, para entregar em casa dele. Independentemente do sítio onde ele estivesse. ]
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