(o meu work in progress)
Vou sentir sempre falta da luz de Lisboa, das ondas do mar azul, do calor morno das noites de Verão. Vivo com a saudade colada ao corpo.
Gosto mais de percorrer os corredores do Brico Marché do que os da Zara. E sou infinitamente mais feliz quando compro uma ferramenta nova do que uma peça de roupa.
Intimidade
não é ir à casa de banho de porta aberta, é guardarem o caroço do pêssego porque
sabem que adoramos ficar horas a roê-lo.
Há pessoas
que me odeiam profundamente, mas isso não é um problema meu.
Os anos
passam, mas continuo a ter uma ligação especial com o meu filho Diogo. O meu
primeiro filho. O meu primeiro amor. Assistir ao seu crescimento é um
privilégio. Ver para além do adolescente desengonçado e respondão é exactamente a mesma coisa que saber que as cólicas dos recém-nascidos acabam por desaparecer milagrosamente um belo dia.
Gosto muito
de voltar atrás no passado e, juntamente com o meu amor, recordarmos infâncias
e adolescências. E perceber que fomos tão felizes. E estúpidos, às vezes. Mas
aprendi a perdoar o que de errado fiz. E a agradecer a educação que recebi, que me permite ser hoje quem sou, sem vacilar.
Há
memórias de família que gostaria de ter deixado aos meus filhos, mas foram vendidas sem que eu soubesse.
Embora saiba que nunca mais recuperarei esses objectos, posso construir novas
heranças.
As saudades que sinto dos meus avós nunca se atenuarão.
Os
amigos que se fazem na idade adulta não são iguais aos amigos que fizemos noutros
tempos.
Não
vale a pena tentar ser quem não sou. Gosto de ter apenas uns ténis que
deito fora quando estão velhos e compro uns novos. Saltos altos e outros artifícios não são para mim.
Custa-me
horrores dizer “os nossos filhos”, mas sinto um prazer inesperado quando digo “les
garçons”.
A
vida em Portugal continua sem mim, a minha família e amigos já se habituaram à
minha ausência. Sei que sou uma lembrança longínqua e que já não faço parte das
suas vidas quotidianas.
Custa-me saber que a minha mãe está a envelhecer longe de mim, agora que sinto tanto a falta dela.
Tenho de aprender a ser amada. A deixar que cuidem de mim, sem sentir que estou a dar parte fraca.
Tenho de aprender a ser amada. A deixar que cuidem de mim, sem sentir que estou a dar parte fraca.
Aceitar
que quem me faz muito mal, também está a fazer-me bem por portas travessas.
Está a ajudar a talhar a pessoa que sou.
Se
daqui por umas semanas descobrir que tenho de ser operada e que nunca mais poderei
ter filhos, não faz mal. Estou preparada para isso. É uma nova etapa da vida
que começa.
Sinto
que mudei muito nos últimos dois anos e que as pessoas que sempre me conheceram
não fazem ideia. É assim uma espécie de actualização do software interno que
mais ninguém fez a não ser eu.
A
minha paixão pelos cavalos nunca desaparecerá, por mais que me doam os ombros.
Faz parte daquilo que sou.
Adoro
meter-me no carro a caminho de casa, no final do dia, e saber que tenho os meus três homens (mais
um cão) à minha espera.
Nunca
ninguém me dará melhores boas-vindas do que o D. Fuas. É possível amar um animal de que não se gosta.
Sou
feliz com o que tenho, não preciso de mais. Gosto de comprar coisas em segunda mão.
De recuperar objectos velhos. De aproveitar promoções. Odeio desperdiçar.
Já
não entro em pânico quando vejo a conta bancária a diminuir assustadoramente a
meio do mês. Agora sei que sou capaz de sustentar sozinha os meus filhos e
dar-lhes tudo o que precisam. Escola, música, desporto, lazer, viagens, cultura,
médicos. De uma maneira ou de outra, as coisas vão-se fazendo.
Aprendi
a rir à gargalhada. Nunca me lembro de me rir como me rio agora, até me doer a
barriga. O meu amor faz-me rir todos os dias.
Tenho pouco mais de metro e meio e sempre fui gordinha. Excepto quando andava na faculdade e vivia de tostas de queijo. Mas gosto de mim tal como sou, não mudava nada. Gosto das marcas que o tempo deixou no meu corpo.
Adoro
o meu filho Vasco de uma paixão que se renova todos os dias. Acho-o lindo e
inteligente. Para lá de saudável. Imensamente feliz. Mas, principalmente, acho-o especial. O
Vasco tem um brilho mágico que faz borboletas na barriga.
Estou
profundamente grata por ter encontrado uma pessoa que vê o Vasco exactamente
com os mesmo olhos que eu. E que cultiva essa estranheza, em vez de tentar
normalizá-lo, como todos os outros. Nada me enche mais o coração do que
vê-los enrolados em bola, num mundo só deles. Feito de mitologia, construção de sites
na internet, filmes, piadas privadas, canções pirosas, adivinhas, ciências e
bicharada.
Gosto
da pessoa em que me tornei. Vejo os quarenta anos a aproximarem-se com uma
tranquilidade que nunca senti antes na vida. Uma paz. Uma sabedoria.
Não sou cristã, nunca fui. Mas se fosse não pedia, agradecia sempre. É a primeira coisa que faço de manhã, quando acordo com a luz do sol. Olho para o meu amor e sorrio. Sinto-me imensamente grata por tudo o que vivi, o que conquistei, o que ainda almejo. Ter sonhos. Sinto-me grata por, apesar de tudo, ainda ter sonhos. Como quando era menina.
Enciclopédia de Rita, edição de 2014 :)
ResponderEliminar(o caminho do perceber ao pacificar é que me custa mais, sou avessa à pacificação)
Mais um blog excelente, adorei. Cada vez gosto mais de ti e tenho ainda mais orgulho em ser teu amigo! Beijinhos pra todos e muitas saudades.
ResponderEliminar@ É uma enciclopédia em muitooooos tomos, Gralha! :)
ResponderEliminar@ Obrigada, Rui, por te manteres ao nosso lado, independentemente de tudo. Sabes que fazes parte da família. Beijos cheios de saudades.
PS: As alheiras e os chouriços eram mesmo bons, pá! :)