(é
só preciso saber esperar)
Sexta-feira
passada, passei o dia todo a maldizer a minha vida. Mal eu sabia que ainda havia de agradecer...
Por
que raio é que a festa de Saint Nicolas da escola do Vasco tinha de começar às
13h30? E, ainda por cima, só avisaram em cima da hora. (Quer dizer, acho que
avisaram com a devida antecedência, mas o papel andou vários dias perdido no
buraco negro que é a mochila do meu filho pequeno.) Como se as festividades escolares fossem um
motivo válido para faltar ao trabalho. “Desculpe lá, chefe, mas amanhã não
posso vir trabalhar porque o meu mais novo tem a festa de Saint Nicolas lá na
escola e vai fazer de serpente.” Estava fora de questão. Ainda se fosse o
menino Jesus… Mas, depois, a coisa pequena fez olhinhos de bambi. Cheios de
lágrimas. E eu lá liguei ao chefe a dizer que tinha sido apanhada desprevenida
pelas temperaturas amenas para a época (tipo, 6º) e que ainda não tinha ido pôr
os pneus de Inverno. O que era a mais pura das verdades. E que anunciavam um
nevão para a madrugada de Domingo. O que talvez fosse um bocadinho exagerado, mas
plausível. Afinal, sempre há vantagens em viver nas Ardenas, onde nunca ninguém
sabe muito bem que tempo é que faz. Mas é sempre pior do que no resto do país. Três centímetros de neve em Verviers podem bem transformar-se em dez centímetros lá para os meus lados.
Folga
trocada, aproveitei para ir à garagem de manhã pôr os pneus. O meu novo mecânico
é um tipo um bocado estranho. Estranho, tendo em conta o estereotipo
profissional. Não tem calendários de mulheres nuas nas paredes, a garagem está impecavelmente arrumada, ele está sempre bem vestido e de mãos
limpinhas, oferece-me café, nunca lhe vi o rabo, tem uma gata toda branca que
trepa pelo meu casaco acima para se alapar ao colo e dois jack russell
velhotes que tentam sempre enfiar-se no meu carro. E não é caro.
Mentira
transformada em verdade, lá fui eu assistir à festa da escola. Como estava sem
carro, tive de atravessar Vielsalm a pé e cheguei atrasada. Menos mal, talvez
conseguisse evitar as apresentações dos miúdos mais novos. Aparentemente, sou a
única mãe que acha as festas da escola uma grandessíssima estopada. O salão de
festas estava à cunha. É inacreditável como neste país há uma enorme
flexibilidade de horários de trabalho. Mães, pais, irmãos, avós, tios,
vizinhos. Como sou pequena, não via nada com aquela multidão à minha frente. O
que não seria de todo grave, se o Vasco conseguisse ver-me do palco. Toda a
gente sabe que as mães vão às festas da escola para serem vistas pelos filhos e
não o contrário, como se pensa. Lá fui eu furando, furando, furando, até chegar ao
corredor central. Senti uma mão ligeira pousar na minha mochila. Virei-me e
percebi que uma velhota tinha decidido aproveitar a boleia. As cadeiras estavam todas
ocupadas. Sentei-me no chão, de pernas cruzadas. Ouvi-a abrir um banquinho e
sentar-se, atrás de mim. Velhota esperta. Fez-me uma festinha na cabeça e
perguntou-me em que ano estava o meu irmão. Que ela não tinha ali nenhum neto, mas
que todos os anos vinha assistir à festa de Natal porque achava tudo muito
profissional. As cortinas até abrem e fecham sozinhas. Suspiro. A tarde
avizinhava-se longa. Depois de uma série de musiquinhas intermináveis, muitas
criancinhas desengonçadas e várias professoras com bandeletes de rena a mimar
entusiasticamente a coreografia, vi a minha serpente durante três minutos. Um
pequeno sorriso cúmplice mostrou que ele também me viu. Missão cumprida.
Entre
a troca de pneus e a festa na escola, foi-se o dia de folga que eu tanto
prezo.
Sábado
à tarde, no escuro do cinema, o Vasco conseguiu a proeza de arrancar novamente o
arame do aparelho que a ortodontista tinha arranjado quinze dias antes. Arames
duplos indestrutíveis, segundo ela. Ontem telefonei, envergonhada, para marcar
mais uma consulta de urgência. A secretária sabe de cor o meu dia de folga. Se
podíamos passar na terça-feira, no final da manhã? Claro que sim. Eu, não… que
i.n.f.e.l.i.z.m.e.n.t.e troquei a minha folga. Mas o meu amor pode, claro. Tal
como pode tentar arranjar uma boa desculpa para a fúria destruidora da coisa
pequena. E pedir com jeitinho se seria possível, desta vez, pôr arames triplos.
Ou soldá-los, sei lá. E, já agora, se esta nova reparação também estará
incluída no orçamento inicial…
O teu mecânico cá em Portugal não se safava... oficina limpa e arrumada significa que ele não é lá grande mecânico... ahahahahahah
ResponderEliminarRealmente, tens razão, as festas das escolas são para os filhos verem as mães e não o contrário. Como é que nunca me tinha ocorrido tal coisa?! Sou uma novata nestas andanças...
São muitos anos a virar frangos, Naná! ;)
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