(a austeridade sob outro ponto de vista)
Posso viver 2500 quilómetros a Norte,
mas vou seguindo atenta as notícias que me chegam de Portugal. E sei que
situações destas acontecem diariamente. Mas não deixa de ser um murro
no estômago. Nunca o “longe da vista, longe do coração” me pareceu tão absurdo.
Dói ver o nosso país afundar aos bocadinhos e a banda continuar a tocar como se
nada fosse.
A
Bélgica está há meses a ferro e fogo com protestos constantes contra as medidas
de austeridade anunciadas pelo novo governo de direita. Acções várias,
manifestações, greves… Mas greves a sério, em que o país pára mesmo. Em que há
confrontos graves com as autoridades. Em que as próprias autoridades também
fazem greve. Em que os piquetes de greve não deixam passar ninguém. Chamam-lhes
“greves rotativas” porque tocam rotativamente todas as províncias e todos os
sectores, público e privado, até culminarem numa greve geral. Na
próxima segunda-feira, este país vai parar novamente. Escolas fechadas,
transportes parados, serviços de saúde mínimos, estradas cortadas, serviços
encerrados.
O
que está aqui em causa são medidas de austeridade que estão a
anos-luz das medidas já impostas em Portugal. A supressão da indexação dos
salários e dos abonos de família, o aumento do IVA numa série de produtos e
serviços, a imposição de um limite de tempo para o subsídio de desemprego, o
aumento da idade da reforma para 67 anos em 2030. Aos nossos olhos, é coisa
poucochinha. Temos tendência a pensar que esta gente se queixa de barriga
cheia. Sabem lá eles o que é a crise… Mas a questão é mesmo essa: a Bélgica não
sabe o que é crise e está firmemente decidida a nunca saber. Os belgas já
perceberam que as medidas de austeridade que foram impostas aos países da
Europa do Sul não criaram prosperidade nenhuma, bem pelo contrário. Está mais
que provado que esse modelo económico não funciona, pelo que é essencial não
deixar margem de manobra ao poder político para tentar implementá-lo aqui. Doa
a quem doer. E na segunda-feira vai doer a todos.
Nos
últimos tempos, mal sabem que sou portuguesa, as pessoas fazem-me sempre a
mesma pergunta. O funcionário da mediateca, o meu mecânico, o médico da
medicina do trabalho, a secretária da minha escola, um eminente neurolinguista
que entrevistei no outro dia. Por que razão ninguém ouve falar do que se passa
em Portugal? Ouve-se falar das manifestações violentas na Grécia, do Podemos em
Espanha, dos ouvidos moucos que a Itália faz às imposições europeias. Mas
ninguém tem noção da miséria que grassa em Portugal, só mesmo quem lá vive. Ou
quem por lá passa, como simples turista, e se vê confrontado com uma realidade
para a qual não estava minimamente preparado. É vergonhosa a quantidade de
gente que tenho conhecido que me diz ter ficado chocada depois de ter visitado
o nosso país. É tudo muito bonito, o clima é excelente, as pessoas muito
acolhedoras e tralálá... mas a miséria, senhores, a miséria! O comércio
fechado, as casas a ruir, a pobreza que deixou de ser encapotada. E, no meio
disto tudo, o que mais choca é o desconhecimento total que a Europa do Norte
tem sobre esta situação. Às vezes, a incredulidade é tanta que as pessoas
pendem naturalmente para a teoria da conspiração. Perguntam-me se fazemos
protestos em Portugal que a Europa faz questão de silenciar. Não, também não é
isso.
Não
tenho resposta para as perguntas recorrentes que me fazem, infelizmente. Lá vou
admitindo que somos culpados pelos governos que elegemos. Ou que deixámos
eleger, o que ainda é pior. Somos culpados porque acatamos tudo com o
estoicismo derrotista e medroso de quem alancou com quase 50 anos de ditadura
no lombo. Já me têm corrigido: “Somos, não… que você agora vive na Bélgica e,
aqui, as coisas são diferentes”. É verdade, as coisas são diferentes, eu é que
não sou. Para minha grande tristeza, percebi isso esta manhã, quando fui
levar o Vasco à escola. Ele perguntou-me: “Na segunda-feira, também vais fazer
greve?”. Respondi que não tinha de se preocupar, porque eu tinha trocado as
minhas folgas para poder ficar em casa com eles. E vim o caminho todo com um estranho
sentimento de culpa a corroer-me. Ele tem de se preocupar, sim. Porque tem uma mãe
que, 2500 quilómetros a Norte, mantém a passividade colada à pele. Que preferiu
não fazer barulho e trocar as folgas, a aderir à greve. Não tomei posição. Não levantei ondas. Não questionei. Sou culpada. E
este é o verdadeiro murro no estômago.
Nós até nos manifestámos, mas de pouco serviu... e isso faz esmorecer qualquer um!
ResponderEliminarEu continuo uma inconformada, mas de pouco me serve....
Não sei se se trata de passividade. Se calhar é mesmo falta de auto-confiança, as pessoas não acreditam que merecem melhor.
ResponderEliminar(e, infelizmente, as manifestações, greves, protestos, indignações públicas também não resolveram nada na Grécia, em Espanha, em Itália...)
Eu sei que poucos resultados têm dado, mas nos dias que correm parece ser mesmo a única resistência cívica possível. Pelo menos, dá para manifestar o inconformismo se que fala a Naná. :(
ResponderEliminarolá! a greve daí vista pela nossa imprensa: http://www.dinheirovivo.pt/economia/interior.aspx?content_id=4295665&utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook&page=1
ResponderEliminarbeijinhos
Obrigada, Marina! Beijinhos.
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