(onde se apresenta aquela espécie lusitana
que acha que o resto do mundo vai na
canção do bandido)
O
chico-esperto é aquele tipo de pessoa que tenta incessantemente contornar o
sistema na esperança de obter um qualquer benefício ou vantagem pessoal
exclusiva. O fim justifica sempre os meios.
O
chico-esperto compensa o que lhe falta em inteligência com esperteza saloia, o
que lhe falta em cultura com um desfile de faits
divers banais. E, quando tudo isso falha, há sempre o recurso à piada
fácil.
O
chico-esperto está convencido de que domina como mais ninguém a arte da
manigância e dos esquemas. É um tipo cheio de cenas, que se considera mais
espertalhão do que o comum dos mortais porque vê pontos de fuga mirabolantes
que mais ninguém consegue vislumbrar.
Toda
a existência do chico-esperto assenta no dom da prosápia. A prosápia sedutora,
manipuladora, deturpada, falsa… A bazófia, portanto. Esta vocação para a lábia
leva-o frequentemente a escolher profissões comerciais, onde vende sem pejos
frigoríficos a pinguins e, de permeio, ainda lhes oferece um gelado para os
fidelizar.
Podem
tirar o chico espero do subúrbio, mas nunca poderão tirar o subúrbio do chico-esperto.
Para onde quer que vá, arrasta atrás de si o odor suburbano.
O
chico-esperto foi alimentado a arroz de frango, por isso, agora só come bife da
vazia. Esquece-se de que são os modos à mesa e não o que tem no prato que o
traem.
O
chico-esperto acha que o “Expresso” vem em vários tomos e que o essencial está
resumido nas páginas de “A Bola”. A actualidade restringe-se às novidades
futebolísticas. A actualidade portuguesa, bem entendido, pois toda a gente sabe
que o mundo acaba no país à beira-mar plantado.
O
chico-esperto tenta disfarçar a sua origem usando fato e gravata. Esquece-se
que o corte standartizado de hipermercado e a má qualidade do tecido o
denunciam. Tal como os sapatos cambados de sola compensada que lhe magoam os
pés, mas que lhe conferem os míseros centímetros que tanto almeja.
A
linguagem corporal do chico-esperto denuncia sempre a sua enorme insegurança.
Tem aquele tique que os comentadores políticos apontavam ao Sarkozy: um ombro ligeiramente
mais descaído do que o outro, que denota um certo mal-estar e a dificuldade em
entrar na personagem.
As
novas tecnologias são o melhor amigo do chico-esperto. Graças a elas,
modernizou-se e já não precisa de vociferar “Agarrem-me, senão vou-me a ele!”.
Agora, escuda-se por trás das redes sociais para atacar cobardemente os outros
e apelar ao apoio da multidão igualmente boçal que o segue.
Como
não tem bagagem intelectual, o chico-esperto barricada-se em ideologias sólidas
inquestionáveis: o clube de futebol, o partido político, a religião, o
trabalho, as citações de autores conhecidos. À primeira vista sabe falar de
tudo um pouco, mas depressa se perde nas curvas.
No
fundo, o chico-esperto é uma espécie de caniche que ladra histericamente para
afastar o medo, porque teme a sua própria sombra. Na intimidade do lar, é
muitas vezes um pau-mandado, um rapazinho que procura incessantemente a
aprovação que nunca recebeu do pai, um adulto desnorteado que prefere que
escolham por ele.
O
chico-esperto adora defender supostas causas nobres e os oprimidos, mas nunca
vai ao fundo da questão. Um bocadinho à imagem do escuteiro que ajudava a
velhinha a atravessar a estrada. Porque é preciso mostrar segurança, certezas
absolutas, rectidão. É preciso esconder a vida vazia e pouco interessante atrás
de grandes bastiões.
O
chico-esperto não é, tem. Não tem, ostenta. Não ostenta, impõe. Não impõe,
inventa.
A
coisa que o chico-esperto mais preza é a sua networking. Os conhecimentos. A putativa cunha. Os “amigos” que não
lhe conhecem a alma negra de lado nenhum, só o seu lado mundano e o riso falso.
O
chico-esperto começa a arreganhar os dentes e disferir mordidelas desde
pequenino porque nunca ninguém lhe ensinou a usar a pouca inteligência que a
natureza lhe deu para esgrimir argumentos. Por isso, rosna.
A
ostentação é algo de extrema importância para o chico-esperto. A localização da
casa, o carro, os gadgets, o estilo
de vida… A defesa da sua existência comezinha baseia-se na imagem que transmite
aos outros.
Quando
está ao volante do seu carro, o chico-esperto atinge o ponto máximo da
chico-espertice: conduz embriagado graças às suas capacidades sobre-humanas, conhece
os melhores atalhos, grita impropérios e aterroriza velhotes (e negros e mulheres e outras
minorias aselhas ao volante), faz manobras perigosas e ultrapassagens
espectaculares, conduz à velocidade da luz porque o conta-quilómetros, que vai
até aos 240, está mesmo a pedi-las.
O
chico-esperto é uma instituição no nosso país. Estamos tão habituados a ele
que, quando de repente o vemos através de um olhar estrangeiro, sentimos náuseas.
E percebemos que essa é a origem do problema, a razão pela qual Portugal anda há
séculos a lutar contra os mesmos defeitos autóctones.
Enquanto o chico-esperto for o príncipe-encantado de muitas moçoilas lusitanas não há como dar-se a evolução da espécie. Ou melhor, afina-se cada vez mais o chico-espertismo.
ResponderEliminarPenso que este texto, além da sua evidente oportunidade, é, no plano literário, um dos textos mais bem conseguidos deste blog. Por si só, ele poderia ser publicado como "crónica de costumes" em qualquer jornal português. O que seria oportuníssimo pois o chico-espertismo está em grande desenvolvimento nos últimos anos neste país à beira mar plantado... Sugiro que o envies, como primeira tentativa, para o "Jornal de Letras, Artes e Ideias", que deves conseguir contactar a partir daqui: http://visao.sapo.pt/gen.pl?sid=vs.sections/25193 .
ResponderEliminarNum certo sentido, o teu texto, embora com tema diferente (embora relacionado) e com estilo diferente (poema versus prosa), faz-me lembrar o poema inicial do Alberto Pimenta (possivelmente escrito durante a sua estadia em Heidelberg, entre 1960-77) onde também deve ter sido escrito o desenvolvimento, que deu um pequeno ensaio de 74 páginas (pequenas), que foi publicado em Portugal em 1977 - e nem sei se tratava principalmente dos "filhos da puta" do antigo regime ou se era uma antecipação do filha-da-putismo do actual.
Em qualquer caso, o poema inicial do livro pode ser encontrado aqui: http://escritas.paginas.sapo.pt/alberto_pimenta.htm, mas também foi reproduzido ou referido em vários blogs.
Quanto ao pequeno livro, acho que tenho dois exemplares, pelo que vou tentar ver se descubro onde e depois envio-te um, pois merece mesmo leitura, enquanto um (quase) "tratado" sobre o tema.
Infelizmente é tão verdade tudo o que escreves... todos os dias sou confrontada com esta realidade, se não na minha vida pessoal, com certeza na minha vida profissional. :(
ResponderEliminarTento fazer a minha parte, marcando pela diferença e acima de tudo respeitando o outro.
Bjs e Feliz Natal a todos!
@ Estou de acordo contigo, Gralha. Até porque também há muitas chicas-espertas por aí...
ResponderEliminar@ Acho que só tu conseguirás compreender a pertinência do assunto, pai. ;)
@ É exactamente isso que falta, ddm... o respeito do outro. Boas festas para ti também. Beijinhos.
onde esta a mulher
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