(e
eu recebi um presente sui generis)
Domingo
passado foi dia da mãe, na Terra do Frio. Perguntaram-me o que queria. Pedi-lhes
encarecidamente para me deixarem dormir em paz e não me trazerem o pequeno-almoço
à cama. Por mais uma hora de sono, dispenso bem as torradas queimadas e o café
frio. E, já agora, se pudessem ir comprar a minha prenda muitoooo longe, seria
óptimo. Podiam demorar o tempo que quisessem. De preferência, bastante
tempo. Sinceramente, não percebo por que raio de motivo tenho de os aturar
ainda mais barulhentos do que o habitual num dia que devia ser consagrado ao meu
sossego. De modo que decidi ser honesta e pedir o que realmente queria receber.
Acho que ficaram um bocadinho ofendidos com a minha sinceridade. Obviamente,
não recebi nada do que queria. Estes dias deviam vir com manual de instruções
para filhos e companheiros.
A
coisa pequena acordou-me de madrugada para me dar os presentes feitos na escola.
Um postal com um daqueles poemas de merda de grande qualidade literária,
a puxar à lágrima. Felizmente, a letra do meu filho é tão má que tive uma
desculpa para não ler tudo até ao fim. Com o jeito artístico que se lhe conhece,
desenhou-me a mim. Fiquei linda, praticamente irreconhecível. Depois, estendeu-me
um embrulho. Encolheu os ombros e avisou logo que não tinha tido voto na
matéria. Que era a prenda que as professoras tinham decidido fazer este ano.
Mas que ele sabia que seria perfeitamente inútil. Por esta altura, já eu estava
bem desperta. Com um falso sorriso beático. Preparada para receber mais uma
carteira feita de embalagens de leite, uma pega de feltro, uma base para os
tachos feita de molas, uma embalagem de ovos pintada de rosa para guardar as jóias
de família. Falhei por pouco… era um estojo de maquilhagem, que dizia: “Bela um
dia, bela para sempre”. Na parte da frente, tinha um daqueles desenhos à Vasco,
cheio de gatafunhos futurísticos a preto. Perguntei o que era. “A casa de
repouso que vou construir para ti”, respondeu vitorioso. “É a tua prenda.” O
meu amor desatou à gargalhada, enquanto eu fiquei a processar. Suponho que vou
passar os meus últimos anos de vida algures no espaço sideral com o meu filho extremoso.
Seguiu-se
um animado pequeno-almoço. O meu amor conseguiu instituir o hábito de tomarmos o pequeno-almoço todos juntos, no fim-de-semana. E ai de quem descer em pijama... Inicialmente, fez-nos imensa confusão, mas a verdade é que acaba por contrariar
a tendência para eternizar as manhãs. Os dias começam mais cedo, conseguimos
aproveitar melhor os fins-de-semana. Além disso, é delicioso começar o dia com
um pequeno-almoço de hotel.
No
Domingo, tínhamos também o melhor amigo do Diogo. A mãe do Baptiste e eu
costumámos gozar, dizendo que temos uma espécie de guarda conjunta não
oficializada pelo tribunal. Eles passam fins-de-semana alternados em casa um do
outro. O Baptiste já cá tem uma escova de dentes, há muito que deixou de ser
convidado. Mas, apesar de tudo, pareceu-me estranho que passasse o dia da mãe
connosco. Quando o questionei, respondeu-me que a mãe tinha dito que o melhor
presente que ele lhe podia oferecer era desaparecer por um dia. Fiquei, então,
a saber que não sou a única a pensar que este dia devia ser dedicado ao
descanso sagrado das mães. Um dia idealmente sem filhos, portanto.
À
tarde, deixámos os dois adolescentes trancados no home cinema a jogar e fomos com a coisa pequena a uma venda de
garagem, numa aldeola perdida aqui perto. Tenho pena de não ter levado a
máquina fotográfica (e de não me ter lembrado que os telemóveis hoje em dia já
têm essa função…). A aldeia era muito engraçada, com vacas, cães e miúdos à
solta por todo o lado. Parecia ter parado no tempo. As pessoas eram de uma
simpatia como já não se vê, fartavam-se de meter conversa. Uma menina
ofereceu-me flores pelo dia da mãe. O Vasco esteve horas a brincar num parque
infantil construído a partir de objectos reciclados: condutas de gás
gigantescas a servir de túneis, balancés com guiadores de bicicletas, baloiços
feitos com troncos, escorregas escanifobéticos… Admito que nós também andámos
por lá a divertir-nos. Felizmente, não eramos os únicos adultos. No final, assistimos
a um desfile giríssimo de tractores antigos. A roçar o pré-histórico, mesmo. É
de referir que os condutores eram quase tão antigos como os próprios tractores,
o que constituía uma atracção de per se. Para terminar em grande, encontrámos
finalmente uma máquina de costura com os pés em ferro forjado, que andávamos há
séculos à procura para construir uma mesa de jardim. Ainda por cima, foi uma pechincha. Custou alancar com aquele trambolho pelas ruas cortadas ao trânsito da aldeia, mas houve imensa gente que nos encorajou, dizendo que tínhamos feito uma óptima compra.
No
final do dia, o meu amor foi com o Diogo comprar a minha prenda. Pragmatismo
adolescente oblige. Filho grande
arruinou-se na semana passada a comprar o presente de aniversário para uma amiga.
A prenda foi escolhida com todo o esmero e paga a peso de ouro, mas é “só” uma amiga,
evidentemente. O Diogo gastou tudo o que tinha e ainda pediu fiado à casa, a
saber, a mim. Depois, ficou em pânico quando percebeu que o dia da mãe era no Domingo e foi-se chegando de mansinho ao meu amor. O outro, como é interesseiro,
aproveitou a onda da boa vontade para lhe impingir umas horas de suplício
explicações de matemática. Parece que me queriam oferecer um porquinho. Um
porco verdadeiro, entenda-se. Infelizmente, como foi muito em cima da hora já não
deu. Esperemos que pelos meus anos se lembrem mais cedo…
O
dia terminou com um animado churrasco. Bem mais tarde do que o previsto, tendo
em conta que no dia seguinte havia escola. O meu amor teve a ideia peregrina de
aproveitar o bom tempo para inaugurar o churrasco. Depois de obrigar um infeliz
Diogo suar as estopinhas durante horas para saldar a dívida das explicações de
matemática. A falta de experiência e de jeito desta família citadina é capaz de ter contribuído
para a festa tardia. O raio das brasas não havia meio de pegarem… nem com
acendalhas, nem com galhos, nem com cartão, nem com nada. Ardia tudo, menos o
que era suposto. Menos mal, despachei o que tinha para pôr a reciclar no
papelão. Ficou um cheiro meio estranho, mas pronto… Finalmente, quando eu já
estava decidida a espetar com aquela carne toda na frigideira, o braseiro
pegou. Começámos a jantar lá para as nove e meia da noite, para grande espanto da
vizinhança que come impreterivelmente às seis da tarde. Terminei o meu dia
cansada, malcheirosa e de barriga cheia... como se quer, portanto. Acho que foi um
bom dia da mãe.
Fazia falta era uma espécie de Boxing Day do Dia da Mãe, para termos tudo o que nos é de direito ;)
ResponderEliminarEu cá acho que deviam mesmo era perceber de uma vez por todas que, se o dia é DA mãe, devia ser passado na mais santa paz! Mas, pronto, apesar dos filhos (e do amigo) foi um bom dia... :)
ResponderEliminarBem me parecia que era uma missão impossível, Paula! ;)
EliminarNo fim foi um bom dia, isso é que interessa!
ResponderEliminarUm abraço aqui do litoral.
É verdade, Tina. Beijinhos. :)
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