(e outras histórias)
Filho
crescido teve hoje a sua primeira audição de órgão. Não deixa de ter a sua piada
fazer um exame na igreja, rodeado por aqueles santos todos nas cornijas. E se
ele precisava de protecção! O Diogo tem terror absoluto de tocar em público. O professor
de trompete – que o conhece bem de outros Carnavais – dispensou-o de todos os
exames, no ano passado. Acho que deve ter ficado traumatizado com a última
audição, quando o Diogo saiu a correr da sala ainda o som ecoava no ar, branco
como a cal, com falta de ar. Quer dizer, não sei se ficou mais traumatizado com
a apneia do Diogo ou com a nossa reacção de gozo absoluto, porque sabemos bem o
que a casa gasta.
[
Sempre que mencionamos este trauma do professor de trompete, lembramo-nos de um
outro, bastante mais cómico. Para a história familiar ficou o dia em que o dito
professor de trompete, homem bonacheirão dos seus cinquenta anos, foi como habitualmente
lá a casa dar aula, ainda nós vivíamos em Malempré. Estava um dia chuvoso e eu
tinha posto o estendal da roupa na sala. O senhor estava em amena conversa
comigo, enquanto o Diogo ia buscar o trompete lá a cima. Nisto, foi-se
aproximando cada vez mais do estendal... até que bateu com os olhos numas
cuecas de renda vermelhas com umas fitinhas de cetim de lado. O pobre homem deu
um pulo para trás, como se tivesse apanhado um choque. E ficou todo corado. Eu
acho que também corei, mas depois fiquei cheia de vontade de rir com a
atrapalhação dele. A partir dessa altura, passámos a ter o cuidado de meter o
estendal na casa de banho, sempre que era dia de trompete, para não ferir a
susceptibilidade do senhor. ]
A audição de órgão correu bem, embora o ensaio
antes da chegada do director da Académie tivesse corrido bastante melhor. Pelo
menos, o filho grande conseguiu respirar. E tocar, que era o que se pretendia.
Engasgou-se um bocadinho no início da primeira música, mas a segunda saiu
impecável. Eu – que não percebo rigorosamente nada de música – fico sempre espantada
ao ouvi-lo tocar, após apenas cinco meses de aulas.
[
Desta vez, também fiquei espantada por vê-lo todo aperaltado para a ocasião. Na
Bélgica, a partir do 10º ano, é suposto os alunos irem bem vestidos para as
orais na escola. Os rapazes costumam levar uma camisa e casaco de fato. Por
isso, nos últimos saldos, aproveitei para lhe comprar um casaco azul de gente grande
na H&M, que me pareceu ficar giro com umas calças de ganga. A ideia não é
transformá-los em “mini-homens”, é apenas ensiná-los a adaptarem a indumentária
às diferentes ocasiões. Com esforço, lá o conseguimos convencer a vestir uma
camisa e o casaco novo para a audição. Pensei que íamos fazer um trajecto de
porta a porta, que ele só ia passar um bocado de frio na igreja. Enganei-me. No
final das audições, fomos convidados a esperar lá fora pelo resultado das
deliberações. O Diogo, que tinha a custo sobrevivido aos nervos, ia morrendo de
frio. Está visto que vou ter de lhe comprar também um sobretudo de gente grande
para as ocasiões… ]
Desta
vez, não me esqueci da máquina fotográfica. Apesar de o Diogo me ter implorado
por todos os santinhos que não o filmasse. Felizmente, os santos presentes
naquela igreja estavam de certeza completamente congelados de frio e consegui
filmá-lo, mal o apanhei sentado de costas para a audiência. Estava tão bonito! Bom…não
consegui filmar grande coisa, é preciso que se diga. Lembrei-me da máquina, é
certo. Até me lembrei de carregar a bateria, acto inédito. Mas esqueci-me
completamente de esvaziar o cartão de memória, pelo que só deu para uns minutos
de filme. Mas ficaram mesmo bem filmados, caramba! Os bancos da igreja têm uns
apoios altos para o pessoal descansar os bracinhos enquanto reza, que dá um
jeitaço para apoiar a máquina e evitar os tremeliques habituais. Portanto, bem
vistas as coisas, a reportagem materna até correu relativamente bem. O único
problema foi ter-me esquecido da bolsa da máquina fotográfica num banco da
igreja, com o carregador lá dentro. Detalhe menor, que espero corrigir amanhã,
mal a primeira rata de sacristia der o ar da sua graça. A culpa deste esquecimento
foi da coisa pequena, que não pára quieta e me obrigou a procurar rapidamente
um pouso seguro, num banco afastado.
[
O Diogo fez uma birra enorme, porque não queria que o irmão fosse à audição. Aparentemente
era um convite-só-para-pais-não-extensível-a-irmãos-bicho-carpinteiro-com-cabelos-em-desalinho-e-fato-de-treino-todo-porco.
Resumindo, não queria que fôssemos em comitiva, tipo família de ciganos. O meu
rapaz gosta de se manter low-profile.
Tentei argumentar que três pessoas dificilmente poderiam ser consideradas uma
multidão, mas não consegui demovê-lo. “Só-para-pais”, grunhiu. Lá lhe expliquei
que já estávamos a quebrar essa regra, dado que ele também tinha convidado o
meu amor. Respondeu, muito senhor de si, que o meu amor era “uma-figura-paterna”.
E eu encerrei a conversa, dizendo que ou íamos todos ou não ia ninguém, porque recusava-me
a deixar o irmão em casa sozinho, como se fosse um cão sarnento. O Vasco é uma
peste, mas nós gostamos dele assim. ]
O
resultado finalmente lá apareceu, antes que enregelássemos todos. Pouco depois,
começou a nevar (e ainda não parou…). O Diogo teve “Muito Bom”, mas ficou desiludido.
Achou que podia ter feito melhor. Eu fiquei absolutamente deliciada com o que
ele fez. O meu amor também. O Vasco ficaria de qualquer modo, mesmo que o irmão
tivesse trocado as notas todas. É o seu ídolo máximo. Elogiei-lhe os
progressos, no que ao controlo dos nervos diz respeito. E o casaco janota,
claro. Aliás, não fui a única. O professor também o elogiou. E a loirinha mais
velha que por lá anda, que ele vai mais cedo só para ouvir, também lhe deitou
um olhar de admiração, que eu bem vi…
Parabéns por este "salto no tempo": é o que parecem os seus posts agora, um dia eles são uns petizes, no outro estão de fatinho com uma loirinha a espreitar... Aproveite muito "a coisa pequena", não tarda nada também largou o fato de treino e vai usar o primeiro de crescido do mano!
ResponderEliminartalvez seja por estar a sentir que a coisa pequena está a crescer demasiado depressa que ando mais saudosista... ;)
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