(onde cada dia que passa é melhor do que o anterior)
Ele
diz que continua apaixonado por mim, como no primeiro dia. Que aquela história
de a paixão durar apenas dois anos é mentira. No nosso caso, ele diz que é
mentira. (Eu concordo.)
Dá-me
sempre a mão, por mais pequeno que seja o percurso. Andamos sempre de mão dada.
Às vezes, dá-me um beijinho na mão e guarda-a no bolso. Desata-se a rir e diz: “É
tão pequenina!”.
Ele
fica à espera que D. Fuas dê o sinal, quando chego a casa à tardinha. Mal saio
do carro, deparo-me com ele a entrar na garagem. Para me receber. Com um
sorriso do tamanho do mundo. É quando o meu dia começa verdadeiramente.
Pede-me
para ir passear com ele. É dos poucos momentos em que exige exclusividade.
Ele
não se cansa de elogiar os meus filhos. As pessoas que eles são. (Porque ele
vê-os como pessoas.) Conhece-lhes os gostos, os hábitos, os segredos, as
manias, os amores, as fraquezas, as histórias, os sonhos. As disciplinas
preferidas e as odiadas. Sabe qual foi a nota que tiveram no último teste. E a
data do próximo. Sabe a matéria que estão a dar. Os horários de todas as actividades. Não sei porquê, gosta de ser
ele a levá-los ao médico. E, depois, repete cuidadosamente tudo o que ouviu.
Sabe que tem de dar a mão ao Vasco no dentista. E que o Diogo não pode ver
agulhas. Sabe o número que vestem. E que tipo de calçado preferem. Conhece os
autores e séries que estão em alta no momento. E os que já passaram à história.
Sabe quais os pratos de eleição e os mais detestados. Todos os domingos lhes
traz um mimo diferente da pastelaria e lhes prepara o pequeno-almoço. Corta a
maçã aos bocadinhos, porque sabe que é a única maneira de o Diogo a comer.
Adora viajar com eles e está sempre magicar novos destinos a quatro. Bem mais
do que só a dois.
Quando
estou cansada, ele vai para a cozinha. Numa hora, prepara três pratos
diferentes. É uma festa. A sua especialidade são as tagines.
Lembra-se
perfeitamente do primeiro dia em que me viu maquilhada. Sabe o que levava
vestido. E que tinha esticado o cabelo. Eu também nunca mais me esqueci, porque
ele ficou a olhar para mim com uns olhos muito arregalados de espanto.
Ele
dá-me muitas prendas, nunca deixa passar uma data em branco. No outro dia,
deixou cair lixívia em cima de uma camisola que me tinha oferecido e eu
fartei-me de chorar. Porque cada prenda tem o seu significado. E eu adoro-as a
todas, sem excepção. Desta vez, recebi um livro de Paul Valery e outro da
Sylvia Plath. Não sei como é que ele faz para me ler os pensamentos.
Sempre
que estou atrasada para ir trabalhar, ele senta-se ao meu lado nas escadas para
me calçar uma das botas. Invariavelmente, aperta os atacadores ao contrário.
Sabe
exactamente qual a temperatura ideal da água do duche e deixa-a regulada. Se
levar os dentes antes mim, deixa sempre a caixinha aberta. Se for depois, tem o
cuidado de a fechar.
Às
vezes apanho-o a olhar para mim e fico envergonhada. Mas é ele que cora por ter
sido apanhado em flagrante.
Ele
diz que adora ouvir-me falar. Que gosta da minha visão das coisas. Que aprendeu
muito comigo. Ele diz que tenho uma sabedoria prática. Mas ele é a pessoa mais
inteligente que eu conheço. Uma espécie de enciclopédia, com infinitas entradas
sobre os mais variados temas.
Quando
dorme fora, liga-me sempre antes de se deitar. Nunca ao acordar. E quando neva
muito, liga-me 15 minutos depois da hora normal de chegar ao trabalho. Às
vezes, liga-me só para me ouvir. E diz: “Liguei só para te ouvir”.
Um
dia, surpreendeu-me no trabalho com uma planta. “Chegou a primavera!”,
disse-me.
Ele
diz que nunca se cansa de mim. Gosta de me cheirar o pescoço. E o cabelo. De
fazer amor em sítios estranhos. Numa igreja. Na praia. Numa gruta, no meio dos
bosques.
Quando
encomenda comida, nunca me pergunta o que quero. Mas acerta sempre. Sabe quantos
cereais tem o meu pão preferido. Sabe o tipo de alface que mais gosto. E a
bebida também. Conhece a marca do meu queijo predilecto. Põe sempre a quantidade
certa de mel e pinhões no meu iogurte.
Ele
tem uma fotografia do nosso café em Spa, onde nos encontrámos tantas e tantas
vezes, naquele primeiro inverno dantesco.
Vai
sempre deitar-se uns minutos antes de mim para me aquecer o lugar. Aninha-me na
curva do ombro dele. Numa covinha que tem exactamente o tamanho ideal. E
ficamos a falar no escuro. Depois, viramo-nos em conchinha. A
última coisa que ouço, antes de adormecer, é “Amo-te”.
Às
vezes, estamos a trabalhar lado a lado e ele manda-me um e-mail, só para meter
conversa. Numa qualquer língua estranha. Ele domina quase uma dezena de línguas.
Eu preciso do Google para as decifrar.
Ele
odeia visceralmente quem me faz mal. Esforça-se por ser o meu escudo e amparar
todos os golpes. Ele diz: “Se soubesses como eu te compreendo…”. E eu sei que é
verdade.
Nas
últimas semanas, tem percorrido todos os supermercados por onde passa à procura
das últimas caixas de marrons glacés desta
estação. Ele sabe que é a minha perdição. Quando encontra alguma, deixa-a em
cima da minha secretária, sem dizer nada. No outro dia, fez um coração com os marrons. Mas continua a dizer que não é
romântico.
Adora
ver fotografias minhas de quando eu era criança. E anda sempre atrás de mim, de
máquina em riste, para me apanhar os risos palermas. Tenho imensas fotografias
a rir, que ele guarda religiosamente. E fotografias de nós os três juntos. Da
tribo.
Quando
nos sentamos finalmente para ver a nossa série, antes de nos irmos deitar, finge
ralhar com o D. Fuas, que se instala sem vergonha no meio de nós. Diz que o cão
não pode subir para os sofás. Mas eu sei que ele adora esta mania do nosso cão mimado.
Chama-me
petit cœur. Às vezes, pulguinha. Renarde. Ou Raposinha.
Guarda
numa pen todos os e-mails que
trocámos. Desde o primeiro. E numa caixa, guarda todos os bilhetinhos idiotas
que já lhe escrevi.
Ele
escondeu um tesouro para mim, nos bosques de Malempré. Debaixo de uma árvore
que tem um prego. E escreveu-me um conto com as coordenadas exactas. Mas eu sou
tão parva que não as consigo descobrir. E o tesouro permanece escondido.
A
primeira vez que ele me viu, através da janela, eu estava a dançar com um Vasco
ainda pequenino ao colo. D. Fuas andava aos saltos à nossa volta. Ele diz que
nunca mais se esqueceu desta imagem.
Que homem bom... guarde bem esse tesouro! Felicidades.
ResponderEliminarÉ mesmo, obrigada! :)
EliminarLindo! É tão bom ter alguém assim ao nosso lado. Beijinhos
ResponderEliminarÉ muito bom, como a Célia diz... e, sobretudo, raro! Beijinho.
EliminarQue amor tão bonito...E bem merecido para os dois "envolvidos" na trama que a vida vos preparou! Quanto a si, Rita, acho que desta vez se cumpriu um lema por mim inventado: "Cá se recompensam os que de uma triste vida se libertaram!" Parabéns e long life para essa paixão...
ResponderEliminarGosto bastante desse lema, Mariana! Um beijinho!
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