sexta-feira, 20 de junho de 2014

Exames

(primeiro estranha-se, depois entranha-se)

 
Por aqui, terminou hoje a sessão de exames. Foram duas longas semanas de estudo intenso para todos os miúdos deste país, do ensino primário à universidade. Duas semanas em que não houve festas, nem saídas. Nem fins-de-semana de folga. Duas semanas em que não foram brincar para casa de amigos e as horas de lazer eram muito reduzidas. Televisão e consolas, nem vê-las. Foram duas semanas de revisões, resumos, exercícios. Na escola e em casa. Uma e outra vez. E, por estranho que pareça, as criancinhas sobreviveram todas.
 
Não foi fácil, admito. Andamos nisto há dois anos e nunca é. O ambiente que se vive em casa é tenso e os eles explodem ao mínimo problema. Acordamos com os gritos do Diogo, porque os nervos deixam-no sempre desaustinado logo pela manhã. E com a choraminguice birrenta do Vasco, a acusar cansaço.

Na Primária, os miúdos continuam a ter aulas durante a época de exames, embora a matéria já esteja toda dada. Normalmente, fazem os exames de manhã e as revisões à tarde. Na escola de Malempré também aproveitaram o bom tempo para se dedicarem à horta. Pessoalmente, acho que é um excelente exercício para descomprimir (embora dispensasse a família de caracóis que o Vasco trouxe para casa). Excepto à 3ª feira, quando têm piscina, fizeram exames todos os dias. Todos. Uma média de dois ou três exames por dia, nas três disciplinas leccionadas: Matemática, Francês ou Éveil (uma miscelânea entre História, Geografia e Ciências). Mais Moral e Natação, no caso do Vasco. A matéria do ano todo é subdividida por temas para facilitar: “Tratamento de Dados”, “Saber ler”, “Saber ouvir”, “Números e Operações”, “Conjugação”, “Ortografia”, etc. Na escola, reina a seriedade por estes dias. Mesmo se eles ainda são pequeninos.

A mochila, que durante todo o ano anda praticamente vazia pois os livros e o material ficam sempre na escola, passa a andar carregada com os dossiers para estudar em casa. Todos os dias quando chega, tem pelo menos mais uma hora e meia de estudo pela frente. E nem é preciso dizer nada. É engraçado ver que um miúdo de sete anos já tem autonomia e hábitos de estudo bem consolidados. É raro pedir ajuda para tirar dúvidas, porque esse trabalho é feito nas aulas. Em casa, pega no pacote de leite e nas bolachas e vai sentar-se no quintal ao sol a reler as folhas com os resumos que fizeram nessa tarde. Depois disso, ainda estuda o solfejo e violino. No fim, brinca do quintal ou sozinho no quarto, enquanto fazemos o jantar. Há tempo para tudo. Nada de muito complicado, traumatizante ou polémico, portanto.

Com o Diogo, as coisas já são mais a sério. Os exames no ensino secundário não são brincadeira nenhuma. Fazem-se a horas precisas, em locais gigantescos para comportarem aquele mar de gente nervosa do mesmo ano. E ainda há as orais, onde têm de se apresentar bem vestidos. Durante a sessão de exames, não há aulas. De manhã são feitas as avaliações, à tarde prepara-se o exame do dia seguinte. Em casa ou na escola, como os pais preferirem. Eu deixo-o sempre ficar mais quatro horas à tarde na escola. Fica no “Étude”, acompanhado por professores, a fazer revisões. Assim, quando chega a casa, basta reler os resumos que fez anteriormente e tirar as dúvidas que ainda subsistirem.

No final do dia, para descomprimir, dedica-se à sua nova paixão. O meu filho grande descobriu as maravilhas da electrónica, graças à prenda de anos que o meu amor lhe deu. Honestamente, acho estranho o rapaz tirar os olhos do estudo para se concentrar em circuitos fechados com o ferro de soldar na mão, mas admito que podia ser pior…

No meio de tudo isto, ainda houve tempo para os exames de Natação, Solfejo, trompete e violino. E para as aulas de equitação. Custou-me vê-los gradualmente mais rezingões e cansados, ao longo destas duas semanas. Mas não consigo deixar de pensar que estão a receber uma excelente preparação para a vida. Quer em termos de hábitos de estudo, quer na aprendizagem da gestão do stress. Saber controlar os nervos é essencial. Que o diga a malta da minha faculdade que fazia aqueles exames traumatizantes de Latim, aos Sábados de manhã, quando nem sequer conseguíamos dizer  “bom-dia”, quanto mais escrever…

2 comentários:

  1. Tenho muitas dúvidas sobre a bondade desse sistema. Por um lado, eu fui sujeito a um regime muito parecido. Ora isso ensinou-me, em primeiro lugar, a aprender a decorar coisas de um dia para o outro e esquecê-las todas no dia a seguir. (A ponto de, tendo eu tido sempre muito melhores notas que a minha irmã, ela saber hoje MUITO MAIS do que lhe foi ensinado no liceu do que eu - com eventuais ligeiras excepções). Em segundo lugar, isso não me tornou um "trabalhador disciplinado". Mas, durante alguns anos tornou-me "estupidamente competitivo". E vi outros que nunca recuperaram de terem sido "etiquetados" de "bons alunos" ou de "maus alunos".

    E depois a experiência que tive do ensino belga durante um ano, e por interposta pessoa, também não me convenceu da bondade do sistema. (Lembras-te dos testes de traduzir um conjunto de palavras de francês para inglês e da dificuldade do sistema em se adaptar a uma aluna que (ainda) não conhecia o significado em francês?)

    Admito que isso possa não ser um mal inevitável, se for corrigido em casa - em vez de incentivado - mas exige muito trabalho...

    Mas, quando se compara isso com uma escola modelar, como a Escola da Ponte (fica o link para os teus leitores que não sabem o que é: http://www.escoladaponte.pt/ ) e muitas outras similares que têm surgido, percebe-se que o modelo de aprendizagem (e teste da aprendizagem) é exactamente o oposto desse - mas sem ser uma "balda", como se está a tornar o ensino em Portugal (público e privado), em que os alunos são "levados ao colo" até serem "mestres" e depois são convencidos que são (mas não são) "a geração mais bem preparada que já existiu em Portugal", quando, para dar só um exemplo, nem português sabem escrever...

    De facto, a única coisa que isto ensina é a "disciplina" e o "respeito pela hierarquia", mesmo quando esta não merece... Sugiro que leias esta obra prima do brasileiro Augusto de Franco: "Hierarquia - a Matrix Realmente Existente" (em: http://escoladeredes.net/group/hierarquia-a-matrix-realmente-existente/page/hierarquia-a-matrix-realmente-existente - terás de te registar no Ning da "Escola de Redes", mas vale bem a pena pois há lá muito outro material imperdível). Ah, também pode ser encontrado no SlideShare e aí talvez não precise de registo: http://www.slideshare.net/augustodefranco/hierarquia-a-matrix-realmente-existente.

    A questão é esta: 80% dos conhecimentos úteis para a vida e para o trabalho são obtidos de modo informal, fora da escola e da "formação profissional" convencional. Portanto, o que as crianças mais precisam é de boas condições para poderem socializarem com outras da mesma idade. E isso de facto, por aí, ainda se vai conseguindo, pelo menos nas aldeias e cidades pequenas.

    O resto, que aqui descreves,, é um mal necessário. Mas também nunca ninguém disse que o paraíso existia na terra...

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  2. A questão é que, na Bélgica, antes de os alunos começarem a sessão de exames recebem um "boletim". Ou seja, a época de exames é antecedida por uma avaliação contínua (testes, trabalhos de casa, etc.) que fecha o ciclo de aulas e dá lugar à epoca de revisões. Os alunos não revêm a matéria no dia antes do exame... revêm os resumos que foram feitos durante uma semana com os professores. Isto não só impede que a matéria seja "colada a cuspo", como permite antecipadamente colmatar as dificuldades individuais de cada um com base nos resultados do boletim. Parece-me um sistema justo, embora não perfeito. A verdade é que eu sempre achei que o ensino em Portugal não fazia jus à inteligência do Diogo, que durante 5 anos foi um aluno muito mediano. Pior, foi um aluno muito infeliz...

    Sem dúvida, que se ainda vivesse em Portugal, a Escola da Ponte (que eu conheço bem porque a visitei, falei com professores e vários alunos, assisti a uma assembleia geral, etc.) seria a minha escolha para ambos os miúdos. Aliás, não consigo imaginar uma criança como o Vasco noutro tipo de ensino.

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