(onde
quase se corta o mal pela raiz)
Decidi
cortar o cabelo. A ideia já andava a germinar há uns tempos. Comecei por
inquirir os homens da casa, que de imediato se manifestaram contra em bloco. Só
se fosse mesmo um bocadinho de nada, uns milímetros apenas… vá, uns centímetros
poucos. Nada que se notasse. Quanto muito, as pontas. Melhor ainda… as
pontinhas. O meu amor ficou de sobreaviso e começou a espiar-me os passos, não
fosse eu agir intempestivamente. Mal percebeu que o problema era a dor nos
ombros, decidiu ajudar-me. Insistia para eu o deixar lavar e secar-me o cabelo.
E passou a pentear-me todas as manhãs. Com imenso jeito, diga-se de passagem.
Mas uma pessoa tem o seu orgulho e achei melhor resolver esta questão de uma
vez por todas.
Na
semana passada estive de baixa, para recuperar das infiltrações no ombro.
Decidi aproveitar uma breve ausência do meu amor para cortar finalmente o
cabelo. Tinha de ser naquele dia, não noutro qualquer. O primeiro sítio onde me
dirigi foi, como não podia deixar de ser, o salão do cabeleireiro-vidente. Às
tantas, uma pessoa começa a habituar-se àquela sinceridade toda e já nem se incomoda.
Mas o homem devia estar de mau humor, naquela manhã. Tinha dois velhotes em
amena cavaqueira e despachou-me rispidamente. Ainda tentei argumentar, os
velhotes não pareciam ter assim tantoooo
cabelo naquelas cabeças. Nada, não o consegui demover. Nem sequer quando joguei
a carta da dor nos ombros. Respondeu-me secamente que ali – Naquele
Cabeleireiro, Com Maiúscula – também era preciso marcar horas, como nos outros.
Que não era só chegar e sentar. Que havia mais clientes. E que nenhum era
especial. Que ele era uma pessoa muito ocupada. Que só tinha vaga na semana
seguinte.
Saí
dali descorçoada, mas determinada a cortar o cabelo antes de o meu amor chegar.
Felizmente (ou talvez não…) era o “dia sem marcações” num dos cabeleireiros cá
da terra. No início da tarde, ainda antes da hora de abertura, já eu lá estava
a marcar lugar. Ganhei por pouco a uma velhota com evidente falta de jeito para
estacionar. Foi uma adolescente de poucas falas que nos abriu a porta. Loira
oxigenada, com o cabelo comprido muito esticado. Camisola de alcinhas como se
estivesse nos trópicos e calças justas. Com um cãozinho a pilhas a tremelicar
debaixo do braço. A primeira coisa que fez, ao entrar, foi pôr música. Um rap
francês que fez a velhota revirar os olhinhos.
Mandou-me
sentar e lavou-me o cabelo em dois minutos. Perguntou se a água estava boa.
Respondi que estava um bocadinho fria. Ela continuou como se nada fosse. Gelei o
cocuruto, enquanto me questionava se a miúda teria ouvido bem. Ou talvez fosse
apenas uma pergunta retórica e a torneira nem sequer tivesse misturadora, sei
lá… O cão a pilhas decidiu alapar-se ao meu colo, mas era tão raquítico que nem
sequer me conseguiu aquecer as pernas.
Depois,
a adolescente mandou-me sentar em frente ao espelho. Senti uma pontinha de medo
e agarrei-me ao cão. Nem sequer tinha bem a certeza se ela teria idade para
trabalhar. Lavar a cabeça, ainda era como o outro… um corte é uma coisa mais
definitiva. Espreitei a velhota pelo canto do olho. Estava calmamente a ler uma
revista. Parecia uma habituée da casa,
tinha chamado o cão pelo nome. Respirei fundo e deixei-me estar. Quão difícil
pode ser cortar um cabelo liso pelos ombros?
A
adolescente oxigenada estava muito concentrada a desembaraçar-me o cabelo molhado.
Tentei iniciar uma conversa amistosa. Não resultou, nem levantou os olhos.
Quando finalmente deu a tarefa por terminada, perguntou-me como queria cortar.
Lá lhe expliquei a história das dores nos ombros, que não conseguia cuidar do
cabelo convenientemente. Pedi-lhe que cortasse a direito. Nem curto, nem
comprido. Pelos ombros, simples. De modo a não dar trabalho nenhum de manhã.
Fez um grunhido que me pareceu de assentimento e pegou na tesoura, decidida. Agarrou
numa mecha e, apontando com a tesoura, perguntou: “Por aqui?” Respondi que não,
que era demasiado curto. Que queria mais comprido, faz favor. Eu disse “se faz
favor” docemente. Uma pessoa sabe quando não está em posição de força. A
adolescente cortou... e-xa-cta-men-te onde tinha indicado. Mais uma vez me
questionei se a miúda teria ouvido o que eu lhe disse. A música não me parecia
assim tão alta, mas pronto… Perdido por cem, perdido por mil. O cabelo cresce
depressa, certo?
Ao
meu colo, o cão a pilhas ia espirrando à medida que os meus longoooos cabelos iam caindo. A dada
altura, a rapariga perguntou se não queria “desbastar” para dar um ar “mais
moderno”. Repeti a pergunta, noutros termos: “Se quero escadear o cabelo? Não,
não quero. Quero cortar a direito pelos ombros... pronto, por cima dos ombros,
como está a fazer”. Desta vez, falei mais alto e devagarinho, para ter a
certeza de que a mensagem tinha passado. Só me faltou soletrar. Não serviu de
nada, devo dizer. A miúda agarrou numa tesoura especial e vai de me “desbastar”
o cabelo. Quando emiti um gritinho de espanto, parou. Explicou que era só um
“bocadinho”, só para dar um “jeito” ao cabelo. Que ia ficar um penteado mais “natural”.
Aquilo
demorou uma eternidade. A miúda parecia autista, mas bastante empenhada no seu
trabalho. Eu estava tão furiosa, que ela lá decidiu acatar a minha última vontade
e limitou-se a secar-me o cabelo naturalmente.
Quando ouviu o secador, o bicho caquético desapareceu a tremer. No fim, a
adolescente pareceu satisfeita. Que estava muito natural, explicou-me. Se
horrorosa for sinónimo de natural, então ela atingiu plenamente os seus objectivos.
Os
homens da casa foram sinceros, no final do dia. O veredito dos rapazes foi
unânime: estou horrorosa. Ninguém me manda andar sempre a dizer que detesto que
me mintam. O meu amor foi mais simpático, passado o primeiro embate. Diz que
continuo linda, mas que “fico diferente”. Ora se a premissa inicial já é
falaciosa…
Sabem
que mais? A verdade é que isto está tão mau, que não dá trabalho nenhum. Nisso
a miúda tinha razão. Não há grande coisa que se possa fazer por esta desgraça,
excepto esperar que cresça. Daqui por uns dois anos e meio volto a dar notícias.
Os homens lidam mal com as mudanças no visual dos elementos femininos: ou não dão por nada, logo no dia em que a profissional do cabelo nos afiançou que iriamos ser muito admiradas... ou colocam logo a pergunta mais animadora: "Mas o que é que te passou pela cabeça para vires assim para casa?" Assim sendo, só posso acrescentar que estou solidária consigo nos próximos 2 anos!
ResponderEliminarEu cá acho que os homens lidam mal com todo o tipo de mudanças, Mariana... ;)
ResponderEliminarÉ bem verdade!
Eliminar:( Ninguém merece.
ResponderEliminarAndava com ideias de cortar o cabelo curto, vou mas é ficar sossegada.
Tu não te metas nisso, mulher!!! Fica mas é sossegadinha, sim?
EliminarOh, não pode estar assim tão mal!!
ResponderEliminar:)
Ehhhh... acredita que está, Ana! :( A parte boa da coisa é que já está tanto frio por estas bandas que posso usar um lenço farfalhudo ao pescoço para disfarçar.
EliminarPor conta dessas é que a mim ninguém me apanha num cabeleireiro novo. Em 2002 encontrei "a" cabeleireira que sabe o que eu gosto e que é de uma honestidade brutal quando me dá esses surtos de querer mudar!
ResponderEliminarJá agora... pagaste o corte? Eu não tinha pago!
Tu trata bem essa mulher, que uma cabeleireira de confiança vale ouro!
ResponderEliminarPaguei quase 60 euros, ia morrendo, Naná! :(