(onde
se apresenta a figura do progenitor auto-alienado)
Em
Portugal, a alienação parental está na ordem do dia. Na Bélgica, nem por isso.
Aliás, quem passa pelo site dos alienados belgas depara-se com coisas tão bonitas
como um pai a dizer que não reconhece competências parentais à mãe, que comprou
uma mochila roxa “ameninada” para o filho de 10 anos. Ou uma madrasta a
queixar-se que o marido é obrigado a dar uma pensão “total” ao filho, apesar de
só o ver em fins-de-semana alternados. Enfim, não é de admirar que ninguém os
leve a muito a sério. Mas em Portugal – dizia eu – a alienação parental parece
estar na moda. E é triste um assunto tão grave estar na moda. Primeiro, porque
retira credibilidade aos residuais casos de verdadeira alienação parental, cuja
complexidade é difícil de destrinçar e de solucionar. Segundo, porque fornece
uma série de conhecimentos que podem, posteriormente, vir a ser (mal) utilizados
por gente mentalmente perturbada. Terceiro, porque alimenta a sede de histórias
rocambolescas por parte da opinião pública. Um bocadinho à imagem das vagas de
incêndios que dominam todos os meios de comunicação no Verão e que incitam
inadvertidamente os potenciais incendiários a passar à acção. Neste caso
concreto, a passar muitas vezes à “falsa acção”, por assim dizer.
Mas
o que é, afinal, a alienação parental? Resumidamente, é a manipulação por parte
de um progenitor para denegrir o outro aos olhos da criança e, assim, destruir
os laços afectivos entre ambos. Contrariamente ao que se pensa, não é um
fenómeno recente. Em meados dos anos 80, o psiquiatra infantil A. Gardner definiu
a Síndrome de Alienação Parental (SAP), caracterizada por oito sintomas
apresentados pela criança: 1) campanha de difamação e ódio contra o progenitor-alvo;
2) argumentação fraca e absurda para justificar esse sentimento; 3) ausência de
ambivalência em relação ao progenitor-alvo; 4) reiteração de que a decisão de
rejeitar o progenitor é exclusivamente sua; 5) apoio ao progenitor favorecido
no conflito; 6) ausência de culpa quanto ao modo como trata o progenitor-alvo;
7) repetição de cenários e frases do progenitor alienante; 8) difamação não
apenas do progenitor, mas também da sua família e amigos. Segundo Gardner, a
SAP podia ser ligeira, moderada ou severa, segundo a quantidade de sintomas apresentados
pela criança e a sua severidade.
Embora
não haja fundamento estatístico, a alienação parental em Portugal é apresentada
como um fenómeno em franco crescimento. Há cada vez mais divórcios, sendo que a
guarda dos filhos ainda é maioritariamente atribuída às mães. O busílis da
questão parece ser que os pais de hoje exigem ter um papel activo na vida dos
filhos. E as mães têm dificuldade em aceitar este investimento parental,
preferindo cortar o mal pela raiz. Deste modo, há uma promoção clara do
fenómeno da “mãe alienadora” e do “pai vítima”, inicialmente promovida por
Gardner.
O
Brasil é o único país que reconhece a existência da SAP em tribunal, o que pode
explicar o motivo pelo qual esta problemática extravasou o oceano e aterrou em
força em terras lusas. Basta inserir o termo num qualquer motor de pesquisa e, segundos
depois, temos uma panóplia de informação altamente fidedigna de inúmeros sites
brasileiros, passível de ser lida e aplicada com destreza pelo progenitor mais
básico. Suponho que será um dos malefícios da democratização dos meios de
informação. O que as pessoas não sabem – dado que esse esclarecimento convenientemente
não aparece nos textos ditos de vulgarização científica – é que a SAP não é
reconhecida pela comunidade científica. Em 2012, 8 mil profissionais americanos
opuseram-se à sua inscrição no DSM-V, o manual de diagnóstico que lista todas as
doenças mentais. A síndrome definida por Gardner foi, então, claramente
rejeitada enquanto perturbação de ordem psíquica, impossibilitando que os
tribunais da família a utilizem para justificar a atribuição da guarda de uma
criança ao progenitor vítima, em detrimento do alienado. Na Bélgica, por
exemplo, há indicações para os técnicos que lidam com as famílias
evitarem o uso do termo “alienação parental”, de modo a moderar o seu abuso e a
promover uma óptica de resolução do conflito parental.
No
entanto, não há dúvida de que a alienação parental existe. Não a síndrome – a "doença da criança" – mas
o comportamento parental conflituoso. Infelizmente, há muitas crianças vítimas
de alienação parental. E muitos pais impedidos de assistir ao crescimento dos
filhos. Homens e mulheres. Contudo, segundo um estudo de 2003 do ministério da
Justiça do Canadá, embora inúmeros divórcios apresentem conflitos, este é grave
em apenas 10 a 20% das situações, verificando-se comportamentos alienantes em
2% desses conflitos graves. Quer isto dizer que a alienação parental, no máximo,
ocorre em 0,4% das situações de divórcio.
Ontem foi dia da mulher. A tal mulher tantas vezes catalogada de alienadora. De típica
alienadora. A tal mulher acusada de fazer uma completa lavagem cerebral aos
filhos para os afastar definitivamente do pai, normalmente no seguimento de um
divórcio que dizem nunca ter sido capaz de aceitar. Repito, não duvido que
existam mulheres destas. Mas não tenho quaisquer dúvidas de que existem muitas,
muitíssimas mais mulheres falsamente acusadas de alienação parental. Apenas
porque são boas mães. Este é o seu único crime. Não podem ser acusadas de
abandónicas, porque a sua presença e investimento na vida dos filhos são
concretos. Não podem ser acusadas de negligentes, porque são progenitoras
competentes. Não podem ser acusadas de maus tratos, porque é evidente que os
filhos são bem tratados. Não podem ser acusadas de pedofilia, porque a
sociedade ainda só aceita a existência de pedófilos homens. Não podem ser
acusadas de violência psicológica, porque o bem-estar psíquico das crianças é
notório. Não podem ser acusadas de substituir o pai dos filhos por outro homem,
porque este se limita a ajudá-las a serem melhores mães. Não podem ser acusadas
de perturbações psíquicas graves, porque continuam a gerir a sua vida com uma
normalidade imperturbável. Não podem ser acusadas de serem más mães – simplesmente
más mães – porque os filhos continuam a crescer saudáveis, felizes, equilibrados,
com um bom desenvolvimento, autónomos, inteligentes, bons alunos, bem
integrados, rodeados de amigos, cheios de actividades, com um conhecimento alargado
do mundo e uma alegria de vida imensa. Por isso, a única acusação que se pode fazer
a estas mulheres é a de alienação parental. Uma denúncia facílima de fazer, mas
infelizmente quase impossível de provar. E ainda mais difícil de resolver, que
é exactamente o que estes pais pretendem. Pais que, à falta de melhor, decidem
conscientemente auto-alienar-se da vida dos filhos, apenas com o sórdido
objectivo de aniquilar a mãe.
Os
pais auto-alienados são seres inseguros, mal resolvidos, infelizes, poucochinhos
na sua paternidade (se não mesmo na sua masculinidade). Pais que não conseguem
aceitar a liberdade que estas mulheres ousaram conquistar para si. Pais que, na
verdade, investem muito pouco na relação parental, porque não sabem ser pais.
Nem querem aprender, cegos que estão pela ânsia de vingança. Os
tribunais portugueses já acusaram muitos progenitores de alienação parental.
Mas quantos foram acusados de falsa alienação? E não estou a referir-me a
acusações que se revelaram infundadas e que até são, posteriormente, punidas
por difamação. Estou a falar de pais que tentam concertadamente destruir a vida
das mães, anos a fio, sem sequer se preocuparem com os danos que infligem aos
filhos. Quantos já foram chamados à barra do tribunal para serem punidos por
esta atitude? Só quem é submetido perfidamente a esta tortura quotidiana sabe o
valor que se pode dar a um pedaço de papel legal que lhe garanta a paz de
espírito. A sua e a dos filhos, que não são tidos nem achados nos conflitos de
gente gravemente perturbada a nível psíquico.
Diz-se
muitas vezes que as imagens não mentem, mas não há nada mais falso. O que não
falta por aí são redes sociais pejadas de “crianças alienadas” que esbanjam
sorrisos de felicidade quando estão com ambos os pais, o alienador e o alienado.
Ou o falsamente alienado e a horda de cães-sabujos que o rodeiam. Porque as supostas
alienadoras sofrem em silêncio, no intuito de minimizar os danos deste sofrimento nos filhos, mas os auto-alienados alimentam-se
dos elogios públicos de gente convertida para a nobre causa da alienação
parental que grassa nas redes sociais. Os registos fotográficos não provam
nada. Os registos escritos também não, cada um terá a sua versão do problema e
nós nada sabemos sobre a vida de todos eles para emitir opiniões avisadas. A
única evidência inquestionável é o registo temporal. A passagem inexorável do
tempo na vida destas mães alienadoras. Uma criança que cresce feliz, ano após
ano, é uma criança muito amada. E uma criança amada é sempre, sem qualquer sombra de
dúvida, uma criança bem tratada, nunca uma vítima do que quer que seja. Por
mais que insistam em fazê-la passar por tal. Por mais que tentem fazê-la passar por tal... o que, bem vistas as coisas, é uma
forma de alienação parental em si mesma, não?