(onde
a visita exterior acaba por invadir o interior)
A
seguir a Bruxelas, Bruges é provavelmente a cidade mais conhecida da Bélgica. É
famosa por ser a “Veneza do Norte”. Nunca estive em Veneza e, a bem dizer da
verdade, não morro de curiosidade. As cidadezinhas italianas fora dos circuitos
banais que visitei deixaram-me apaixonada. Detesto sítios apinhados de
turistas, que contaminam tudo de artificialidade. E de longas filas de espera. Bruges,
pelo contrário, soube manter a autenticidade. Nunca me canso de passear pelas
ruelas com vista para os canais e de admirar as casas com telhados aos
quadradinhos. Descubro sempre qualquer coisa que me tinha escapado nas visitas anteriores. Desta vez
foi um restaurante todo decorado com relógios, onde estive sempre à espera de
ver aparecer o coelho da Alice. Inaugurámos satisfeitos a época do prato
nacional: “moules et frites”.
A
vantagem de revisitar cidades que conhecemos bem é que já percorremos as
capelinhas todas. Podemos dar-nos ao luxo de “perder tempo”. De fazer programas
alternativos. Decidimos ir ver uma exposição de Dalí. Na bilheteira,
perguntaram-nos se queríamos o bilhete combinado para vermos igualmente a
exposição de Picasso. Respondi que sim sem grande convicção. Parecia-me
demasiada sorte apanhar duas boas exposições de pintura de uma só vez. De
qualquer modo, a minha táctica na Flandres consiste em fazer sorrisos rasgados
quando falam comigo, acenando entusiasticamente. Posso não perceber nada do que
me dizem (e como o meu Belga fala flamengo, partem sempre do pressuposto que eu
também falo…), mas ninguém me pode acusar de falta de simpatia. Saiu-nos a
sorte grande. Há muito tempo que não via duas exposições de pintura tão
fantásticas. A de Dalí parecia mesmo ter sido feita à minha medida. Tinha
várias séries de quadros menos conhecidos inspirados em diversas obras
literárias. Inúmeros trabalhos de ilustração, de gravuras… E lá estava a Alice,
claro.
De
repente, não sei explicar. Senti um tumulto de ideias, de memórias, de emoções.
Senti umas saudades surdas de estudar. De aprender. De investigar. Pela
primeira vez, desejei ardentemente que o tempo passe depressa. Quero ver-me
livre de filhos. Ou melhor, quero ver-me livre da obrigação de educar e
sustentar filhos. Fiz as contas por alto. Fiz as contas depressa. Talvez quando
o Vasco entrar para o secundário – são só mais dois anos, o 5º e o 6º – eu
consiga finalmente inscrever-me no doutoramento. Há anos que sonho com isso,
mas agora tornou-se uma necessidade premente.
Uma
pessoa vive os dias dividida entre três trabalhos e três homens (mais um cão).
Não me limito a fazê-lo por obrigação. Ponho a minha alma toda nisso. Cuido da
mais pequena necessidade de qualquer um deles com esmero e amor sinceros. Só
que o tempo não dá para tudo. O tempo dos minutos, das horas e dos dias talvez
até desse. O tempo-espaço da minha cabeça é que não dá mesmo. Os trabalhos e os
homens ocupam a minha disponibilidade de espírito por inteiro. O pouco que sobeja
é para ser tratar de ser feliz e não me voltar a perder no meio disso tudo.
Mas
em Bruges, no meio daquela beleza inebriante, a aproveitar um tempo de ócio
raríssimo, detestei-os a todos um bocadinho. Porque me roubam de mim. Afinal, a
minha primeira descoberta inesperada desta visita faz todo o sentido: relógios
infinitos.
Adorei Bruges, ainda por cima apanhei um dia de sol e boa temperatura! E também já apanhei 2 exposições De Picasso e Dali no Museu Rainha Sofia, em Madrid, é uma grande oportunidade, até porque muitas das obras não pertenciam ao museu, eram exposições temporárias. Desejo que concretize esses projetos que lhe andam a bailar na cabeça e que não venha a ser "apanhada" pelo síndrome do ninho vazio, eu cá não tive mas a saída da minha filha aconteceu mais tarde do que acontece aí...
ResponderEliminarNão posso jurar, mas cheira-me que o "ninho vazio" me vai encher de satisfação, Mariana... Quer dizer, se os passarinhos vierem visitar-me de vez em quando. ;)
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