segunda-feira, 4 de abril de 2016

Crónicas do "plat pays" – De Haan

(onde se faz o relato de uns deliciosos dias longe do mundo virtual)



É espantoso como um país desta dimensão consegue ser tão díspar. Estamos na Flandres, o meu amor e eu. No “plat pays qui est le mien”, como cantava Brel. Numas merecidas férias a dois. Temos paisagem a perder de vista. Aqui, não há vales, montes nem montanhas. Muito menos florestas. É tudo plano. Estamos muito longe das nossas adoradas Ardenas. Principalmente dos ardeneses. Não saímos da Bélgica e, no entanto, é como se tivéssemos entrado noutro universo. Estamos na Flandres.
Sempre fugi um bocadinho ao mar do Norte, tão diferente do meu. Mas a verdade é que, quase quatro anos depois, este tornou-se o meu mar. Não é azul, é verde. Verde acinzentado. Parece mais pequeno. Menos selvagem. Não me dá aquela sensação de vertigem quando o contemplo de uma falésia. Por isso, é mais reconfortante. É um mar que aconchega o coração. O céu também parece mais baixo, porque não se perde no azul imenso do mar. E o sol não é estonteante. Não é só a escala de tamanhos que é diferente. Ou o relevo ou as cores. Não sei explicar, é uma coisa que se sente.
Estamos no início das férias da Páscoa. A praia está cheia de gente. Gente em movimento. As pessoas passeiam em grupos. Há muitas crianças, muitos cães. O céu está cheio de papagaios coloridos. A areia está coberta de pás e baldes, como os da minha infância. Junto ao mar, há enormes bandos de gaivotas. Acho que nunca tinha visto gaivotas bebés, são pretas e brancas. Grupos de cavaleiros avançam junto à rebentação. Um cavalo mais destemido trota feliz com a água pela barriga. Quando nos deitamos nas dunas, ouve-se aquele bruaá típico. Deixamo-nos embalar e dormitamos um bocadinho.
Andamos quilómetros sem nos cansarmos. A costa belga estende-se a perder de vista, de um lado e de outro. São 66 quilómetros de litoral, de La Panne à Knokke. Arrependemo-nos de não termos trazido o D. Fuas. O diabo do cão é tão imprevisível! Combinamos trazê-lo no dia seguinte, bem cedo ou ao entardecer, quando houver menos confusão. Tenho medo de soltá-lo, mas parece-me uma pena que não aproveite aquela imensidão de praia.
Embora esteja um dia bonito, está frio. Vou até ao paredão comprar um gorro. As crianças brincam na praia de galochas e combinações impermeáveis. Têm kispos, gorros e cachecóis. Ao princípio, estranho vê-las assim vestidas a brincar à beira-mar ou no areal. Parecem iguaizinhas às crianças que na minha infância enchiam as praias, inaugurando a época balnear nas férias da Páscoa. A alegria e as brincadeiras são exactamente as mesmas. Excepto que estão completamente vestidas. Bem agasalhadas.
Decidimos visitar a cidadezinha mais próxima, onde o tempo parece ter parado. De Haan é igual a uma qualquer estação balnear dos anos 70. Não há prédios, nem construções demasiado modernas que destoem da paisagem envolvente. As casas senhoriais são lindíssimas. A pequena estação dos caminhos de ferro é absolutamente amorosa. Por todo o lado se vêem crianças a conduzir carrinhos com grandes rodas. Há uns maiores, que levam quatro ou seis pessoas. Chamam-se “Cuistax”. Vamos até à zona comercial e ficamos agradavelmente surpreendidos. Não há grandes cadeias comerciais, apenas lojas típicas. Descubro uma loja de brinquedos igual às que havia quando eu era criança, com o mesmo tipo de jogos e bonecos. Entramos num café para comer um crepe. O meu amor tornou-se perfeitamente bilingue, nos anos que passou a estudar em Antuérpia. Aos poucos, começo a perceber algumas palavras. Muito poucas. O flamengo é uma língua difícil, que me desperta curiosidade. A ver se arranjo tempo para aprender. De qualquer modo, em De Haan vê-se bem que as fronteiras linguísticas na Bélgica têm relativamente pouco tempo. Ainda há muitos painéis antigos escritos em francês. O próprio nome da cidadezinha aparece diversas vezes na sua versão original: Le Coq-sur-Mer.
O sol começa a desaparecer. Fica frio e vento. As ruas continuam animadas e os cafés cheios. O carrossel ilumina-se. Ninguém parece querer arredar pé da praia. Hesitamos entre comer uma mariscada ou fazer jantar. Decidimos voltar à casinha de bonecas que alugámos perto da praia. O destravado do cão já passou demasiadas horas sozinho. Amanhã vamos soltá-lo no areal, está decidido.
 

 
 







 
 
 
 
 


7 comentários:

  1. Fiquei com um pouquinho de inveja...Depois de estar 15 dias no Algarve porque tenho lá uma mini "casinha azul", mais me apercebo como lá só se passam coisas nos meses de Verão! Os donos de lojas e cafés parecem conformados com esta situação, tudo parece de "plástico" e de baixa categoria...Mas a temperatura é razoável e as praias são boas! Não se pode ter tudo...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Mal andaria esta gente se só lucrasse com o turismo no Verão... até porque temos meses de Verão que mais parecem de Inverno! :)

      Inveja tenho eu do sol...

      Eliminar
  2. É essa inveja de povos do norte da Europa que podia ser rentabilizada nos meses fora da invasão na época alta...acho eu! Mas, pelo menos na minha zona, os hotéis fecham durante meses e quase tudo hiberna...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tem toda a razão, Mariana. É um desperdício de sol!

      Ainda no outro dia, vi uma emissão onde se dizia que Portugal é, neste momento, um dos destinos de eleição dos belgas, desde que o norte de África se tornou mais inseguro. Infelizmente, só gabavam as maravilhas de Lisboa e do Porto, sem sequer referirem o Algarve. Aliás, discutia-se se essa enorme afluência turística não iria acabar por descaracterizar as terras lusas.

      Eliminar
  3. http://observador.pt/opiniao/lisboa-nao-vendas-tua-alma-aos-turistas/
    Está aqui uma visão com a qual muitos de nós já concordamos...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também tenho lido alguns ecos dessa situação preocupante através do FB de amigos. Obrigada pelo artigo, Mariana. Beijinho.

      Eliminar
  4. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar