quinta-feira, 7 de abril de 2016

Crónicas do “plat pays” – Gand

(onde se mostra uma pérola desconhecida

e se faz um bem-sucedido périplo linguístico)



Surpreendentemente, a segunda commune belga com maior densidade populacional é pouco conhecida no estrangeiro. Gand (ou Gent) é sem dúvida uma das minhas cidades flamengas preferidas, porque conjuga na perfeição séculos de história com a vida exigente dos tempos modernos. Ou seja, não se manteve parada no típico limbo intemporal das cidades com um forte património histórico e arquitectónico. Gand tem vida própria, não é uma cidade “para turista ver”. Mesmo se os turistas em questão forem belgas (ou arraçados, como é o meu caso). Se dúvidas houvesse, teriam caído por terra com o meu périplo para chegar à FNAC, onde nunca cruzei ninguém que falasse francês. É a terra do desenrascanço.
Estas férias, comecei a ler a saga de “A amiga genial” de Elena Ferrante. E fiquei, assim, a modos que enfeitiçada. Quando estivemos em Bruges, fui à procura do segundo volume. O senhor que me atendeu na FNAC falava um francês impecável. Sabia que a versão francesa tinha acabado de ser editada, mas anunciou tristonho que não tinham nenhum exemplar. Depois de muito vasculhar no computador (nenhum de nós sabia o título exacto), descobriu que a FNAC de Gand tinha dois exemplares em francês. Calhava mesmo bem, já tínhamos decidido que seria a nossa próxima visita. Desfiz-me em agradecimentos. Estava a preparar-me para me vir embora, quando o livreiro me pergunta a minha opinião sobre “A amiga genial”. Toda a gente andava entusiasmada com os livros, mas ele nunca tinha lido. Seguiram-se uns bons dez minutos de conversa bastante agradável sobre literatura. Ainda ganhei o dia, porque fiquei a saber que a autobiografia do David Lodge também já tinha sido editada. Quando cheguei à rua, o Belga ficou surpreendido por me ver de mãos vazias. Tanto tempo para nada. “Para nada, não!”, corrigi-o. E lá lhe expliquei que, no dia em que nos desenamorarmos, se não souber onde encontrar mulheres interessantes, pode sempre ir a uma livraria. Acho que nunca conheci um/a livreiro/a que fosse uma pessoa desinteressante. O meu amor agradeceu a dica, que prometeu aplicar caso um dia seja preciso, e seguimos o passeio por Bruges.
As hipóteses de desaparecerem, em apenas 24 horas, dois exemplares franceses de um livro italiano em terras flamengas eram reduzidas. Mas nunca fiando. Pelo sim, pelo não, mal chegámos a Gand pus-me à procura da FNAC. O único defeito tipicamente masculino que o meu amor tem é recusar-se a perguntar direcções. Por isso, tive de dar literalmente o peito às balas. O primeiro sujeito que abordei foi cuidadosamente escolhido. Apesar de Gand não ser muito turística, pensei que o empregado de uma conhecida esplanada se desenrascasse em francês. Enganei-me. De modos que iniciámos um diálogo franco-flamengo profundamente surrealista, que só poderia acontecer no pacífico reino da Bélgica. Até conseguir atravessar a cidade e chegar à FNAC, ainda tive de repetir este género de diálogo mais umas quatro vezes. Correu sempre muito bem, ninguém pareceu espantado. Acho que, quem nos visse de longe, pensaria que estávamos a falar a mesma língua. Pedia indicações em francês e as pessoas respondiam-me sempre em flamengo. No meio disto tudo, fazíamos grandes sorrisos e improvisávamos uma espécie de linguagem gestual. Meia hora depois, desencantei finalmente a FNAC. O meu amor seguia uns metros atrás, a gozar a cena. E, para mal dos meus pecados, a fotografá-la. Poupo-vos ao cómico de situação. O que interessa é que fiquei toda contente porque consegui comprar o segundo volume de “A amiga genial”. E a autobiografia do Lodge. Em suma, desgracei-me.
Entretanto, se alguém por aí tiver o quarto volume em português e me quiser emprestar, eu agradeço do fundo do coração. E prometo devolver intacto, juntamente com uma caixa de chocolates artesanais belgas. É que pelas minhas contas, só deve ser editado por cá daqui por largos meses e eu sou pessoa para desesperar. Ou para aperfeiçoar o meu italiano, lançando-me directamente ao original.
Eis as fotografias apresentáveis que o Belga foi tirando nos entretantos…
 













 
 

 

2 comentários:

  1. Também já fui feliz nesta cidade...Principalmente porque a visitei com um dia de sol, com um pôr do sol maravilhoso! E esta mãe é tão "menina"...que bom, parabéns!

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    1. Visitar uma cidade belga em dia de sol é um achado... ainda para mais Gand, que é linda de morrer! :)

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