(onde se mostra uma pérola desconhecida
e se faz um bem-sucedido périplo linguístico)
Surpreendentemente,
a segunda commune belga com maior
densidade populacional é pouco conhecida no estrangeiro. Gand (ou Gent) é sem
dúvida uma das minhas cidades flamengas preferidas, porque conjuga na perfeição
séculos de história com a vida exigente dos tempos modernos. Ou seja, não se
manteve parada no típico limbo intemporal das cidades com um forte património
histórico e arquitectónico. Gand tem vida própria, não é uma cidade “para turista
ver”. Mesmo se os turistas em questão forem belgas (ou arraçados, como é o meu
caso). Se dúvidas houvesse, teriam caído por terra com o meu périplo para chegar
à FNAC, onde nunca cruzei ninguém que falasse francês. É a terra do
desenrascanço.
Estas
férias, comecei a ler a saga de “A amiga genial” de Elena Ferrante. E fiquei,
assim, a modos que enfeitiçada. Quando estivemos em Bruges, fui à procura do
segundo volume. O senhor que me atendeu na FNAC falava um francês impecável.
Sabia que a versão francesa tinha acabado de ser editada, mas anunciou
tristonho que não tinham nenhum exemplar. Depois de muito vasculhar no
computador (nenhum de nós sabia o título exacto), descobriu que a FNAC de Gand
tinha dois exemplares em francês. Calhava mesmo bem, já tínhamos decidido que
seria a nossa próxima visita. Desfiz-me em agradecimentos. Estava a preparar-me
para me vir embora, quando o livreiro me pergunta a minha opinião sobre “A
amiga genial”. Toda a gente andava entusiasmada com os livros, mas ele nunca
tinha lido. Seguiram-se uns bons dez minutos de conversa bastante agradável
sobre literatura. Ainda ganhei o dia, porque fiquei a saber que a autobiografia
do David Lodge também já tinha sido editada. Quando cheguei à rua, o Belga
ficou surpreendido por me ver de mãos vazias. Tanto tempo para nada. “Para
nada, não!”, corrigi-o. E lá lhe expliquei que, no dia em que nos desenamorarmos,
se não souber onde encontrar mulheres interessantes, pode sempre ir a uma
livraria. Acho que nunca conheci um/a livreiro/a que fosse uma pessoa desinteressante.
O meu amor agradeceu a dica, que prometeu aplicar caso um dia seja preciso, e
seguimos o passeio por Bruges.
As
hipóteses de desaparecerem, em apenas 24 horas, dois exemplares franceses de um
livro italiano em terras flamengas eram reduzidas. Mas nunca fiando. Pelo sim,
pelo não, mal chegámos a Gand pus-me à procura da FNAC. O único defeito
tipicamente masculino que o meu amor tem é recusar-se a perguntar direcções.
Por isso, tive de dar literalmente o peito às balas. O primeiro sujeito que
abordei foi cuidadosamente escolhido. Apesar de Gand não ser muito turística,
pensei que o empregado de uma conhecida esplanada se desenrascasse em francês.
Enganei-me. De modos que iniciámos um diálogo franco-flamengo profundamente
surrealista, que só poderia acontecer no pacífico reino da Bélgica. Até conseguir
atravessar a cidade e chegar à FNAC, ainda tive de repetir este género de diálogo
mais umas quatro vezes. Correu sempre muito bem, ninguém pareceu espantado. Acho
que, quem nos visse de longe, pensaria que estávamos a falar a mesma língua. Pedia
indicações em francês e as pessoas respondiam-me sempre em flamengo. No meio
disto tudo, fazíamos grandes sorrisos e improvisávamos uma espécie de linguagem
gestual. Meia hora depois, desencantei finalmente a FNAC. O meu amor seguia uns
metros atrás, a gozar a cena. E, para mal dos meus pecados, a fotografá-la. Poupo-vos
ao cómico de situação. O que interessa é que fiquei toda contente porque consegui
comprar o segundo volume de “A amiga genial”. E a autobiografia do Lodge. Em suma, desgracei-me.
Entretanto, se alguém por aí
tiver o quarto volume em português e me quiser emprestar, eu agradeço do fundo do coração. E
prometo devolver intacto, juntamente com uma caixa de chocolates artesanais
belgas. É que pelas minhas contas, só deve ser editado por cá daqui por largos
meses e eu sou pessoa para desesperar. Ou para aperfeiçoar o meu italiano,
lançando-me directamente ao original.
Eis
as fotografias apresentáveis que o Belga foi tirando nos entretantos…
Também já fui feliz nesta cidade...Principalmente porque a visitei com um dia de sol, com um pôr do sol maravilhoso! E esta mãe é tão "menina"...que bom, parabéns!
ResponderEliminarVisitar uma cidade belga em dia de sol é um achado... ainda para mais Gand, que é linda de morrer! :)
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