(onde percebemos que já nem para tia temos paciência)
Lembro-me
do primeiro dia em que fui fazer babysitting,
a casa da minha futura “família belga”. Foi na véspera de um teste importante
de História. Eu estava nervosa. Nunca tinha tomado conta de quatro crianças ao
mesmo tempo. A mais pequena ainda era um bebé, o mais velho tinha 10 anos. Eu
tinha 15. E ainda mal falava francês. Tudo o que queria era metê-los na cama o
mais depressa possível, para poder estudar. A tarefa revelou-se hercúlea. Os
mais velhos saltavam em cima das camas. O pequenino recusava-se a despir-se à
minha frente, porque eu era uma rapariga, apesar de ainda não conseguir vestir
o pijama sozinho. A bebé olhava para mim de olhos muito abertos e cara fechada.
Sem sombra de sono. Foi um suplício.
A
única maneira que tive de estudar foi sentar-me no chão, na ombreira da porta
do quarto dos rapazes. Iluminada pela luz de presença. Mal um deles se
levantava da cama, eu dava um pulo e fazia cara de má. Prometi-lhes os piores
horrores como castigo. Que lhes iam cair os cabelos e as unhas dos pés. Que as
orelhas ficariam pontiagudas. Que o ranho se tornaria roxo. E que lhes iam
nascer borbulhas pustulosas na cara. Eles riam-se, claro. Mas acabaram por
adormecer embalados por aquela lengalenga terrífica. O pequenito adormeceu
vestido. Só lhe consegui vestir o pijama quando já dormia a sono solto. A bebé
venceu-me pelo cansaço. Passei horas a tentar adormecê-la ao colo. Em desespero
de causa, acabei por metê-la no berço. Virou-se de barriga para baixo e
adormeceu instantaneamente. Percebi que os bebés das famílias numerosas gostam
mais de solidão do que de presença humana. Até tem a sua lógica.
Por
mais estranho que possa parecer, daqueles quatro terroristas, a criança mais
difícil era a mais calma. Sem dúvida, a mais inteligente. Mas tinha um feitio
pavoroso. Uma teimosia que me tirava do sério. Um mau perder épico. Quando
embirrava com uma coisa, nada o fazia mudar de ideias. Acho que foi a única
criança de quem tomei conta que levou um estalo na cara. E juro que foi bem
assente, embora eu tenha ficado mortificada. Felizmente, depressa foi perdoado.
É que aquele miúdo, quando lhe passava a neura, era um amor. Entretanto,
passaram a ser cinco crianças. Não tenho preferidos. Hum… talvez tenha a minha preferida. Mas ficou uma afinidade
especial com o meu casmurro.
Hoje,
deixou-me cá o filho. A mulher está internada no hospital há 3 semanas, em
estado grave. E ele vira o mundo do avesso para conseguir acompanhá-la,
continuar a trabalhar e manter o bebé longe de creches. A pequena criatura
berrou duas horas e tal sem parar, numa luta contra o sono que me fez recordar
a obstinação do pai. E quase cortar os pulsos. D. Fuas, que nunca tinha visto
um espécimen destes, uivava aflitivamente. Os homens da casa partiram em
debandada. Eu também. Improvisei um sling,
meti-o lá dentro à força e fui dar a volta ao lago. Quase dois quilómetros depois,
adormeceu finalmente. Deixei-me escorregar devagarinho num banco e aproveitei
para dormitar também. Fiquei exausta. E acho que consegui apanhar uma bicheza
qualquer infantil. Estou desconfiada de que este bebé faria um sucesso doido numa
campanha da Control. O meu Belga, por exemplo, nunca mais ninguém o viu. Há
horas. Já o bebé chorão se foi embora (a rir, o parvo).
Pelo menos têm a certeza de que 2 moços em casa já são família numerosa...
ResponderEliminarCreio que as famílias são tão numerosas quanto o agregado familiar aguentar. Ou seja... dois filhos, para mim, já é uma família numerosa. Tal como entendo perfeitamente que um filho único seja uma família numerosa. Ou filho nenhum. Cada um saberá qual o número de filhos "confortável" para a sua família. Mas sei por experiência que a atenção que se dá a cinco filhos não é a mesma que eu consigo dar aos meus dois. É impossível, tendo em conta que as 24 horas infelizmente não esticam em função dos filhos.
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