(onde percebemos o verdadeiro significado da palavra excêntrico)
Este
início de ano lectivo já me obrigou a arrepiar caminho nas minhas convicções
pedagógicas. Sempre defendi que o Vasco não precisaria de telemóvel antes de
entrar para o 7.º ano, que marca o começo do Secundário neste país e a
consequente autonomia dos jovens belgas. Claro que a nossa coisa pequena há muitoooo que pedia um telemóvel, mas a
discussão nem nunca chegou sequer a estar na ordem do dia, para sua enorme
tristeza. No tempo das vacas gordas do outro
lado, o Vasco recebeu um smartphone quando fez 7 anos. Tinha ligação à internet
e tudo e tudo… Felizmente, a coisa pequena (que nessa altura era mesmo muito
pequena), fez o favor de o estragar em dois tempos. Proeza que consegue
alegremente fazer sempre que deita a mão a algo. Tablets, consolas e demais aparelhos electrónicos. Novos, velhos ou
assim, assim. Entretanto, veio o tempo das vacas magrinhas e já ninguém está
interessado em comprar estas crianças, pelo que nunca mais se falou de
telemóveis espertos, icoisos, etc. e tal. Agora é mais Legos, para minha profunda
felicidade.
E,
assim, fomos andando até este ano lectivo começar. O Vasco entrou para o 4.º
ano da Académie. Tem duas horas de solfejo seguidas, à noite. Com miúdos que até
já falam de sexo… Aos sábados, também tem duas horas de dança clássica. Ambas
as aulas são dadas em escolas secundárias da região, completamente desertas
àquela hora, onde não é suposto os pais entrarem. Onde já não temos sítio para
ficar discretamente a fazer tempo. Portanto, sem que o Vasco pedisse, decidimos
dar-lhe um telemóvel. Assim, podemos deixá-lo à porta e vir embora descansados,
porque ele poderá contactar-nos se houver algum imprevisto. Tipo a professora
sentir-se mal e decidir ir para casa, deixando os miúdos abandonados à sua
sorte, como sucedeu no ano passado.
Uma
vez tomada a decisão, avisámos que seria um telemóvel básico. Tão básico quanto
possível. Que cumprisse apenas a sua função essencial: fazer e receber
chamadas. O Vasco estava tão desejoso de ascender ao nível da comunicação funcional
do século XXI, que aceitou as nossas condições todas com uma alegria pateta. O
primeiro sítio onde fui à procura do dito telemóvel foi, como não podia deixar
de ser, uma loja em segunda mão. Infelizmente, lembrei-me de levar o
adolescente para dar uns conselhos. Devo dizer em minha defesa que o Diogo exigiu
ir comigo para garantir que o irmão recebia um telemóvel tão básico e feiinho
como o primeiro que ele recebeu, há largos anos atrás. Só que, entretanto, deve
ter baixado nele um espírito qualquer de solidariedade fraterna nunca antes
visto por estas bandas. E fui sumariamente informada de que já ninguém tem
telemóveis com teclas. Que estas crianças nasceram na era do táctil e que não se
entendem com outra forma de manejamento. Que o telemóvel é motivo primário de
gozo e ostracismo juvenil e – pasme-se – até mesmo infantil. Que não se admite
que o irmão de um adolescente tenha menos do que um smartphone. Resultado: não encontrámos nada que nos agradasse aos
dois. A segunda loja que visitei era, como não podia deixar de ser, uma loja em
segunda mão. Desta vez, arrastei o Belga comigo. Não se revelou melhor do que o
adolescente. Nada era suficientemente bom para a criança em causa. Resultado:
também não encontrámos nada que nos agradasse aos dois. À terceira, deixei-me
de merdas. Peguei no principal interessado e levei-o ao supermercado ao fundo
da rua, numa sexta-feira à tarde. Saímos de lá todos satisfeitos com um Wiko qualquer-coisa táctil, que me custou uns 60 euros. Veremos o grau de resistência do bicho nos próximos dias.
O
telemóvel ainda não tem cartão SIM para fazer chamadas. A bem dizer da verdade,
ainda não cumpre a sua função primária. Desde os atentados, é impossível
comprar cartões pré-pagos na Bélgica sem deixar os contactos todos,
inclusivamente a morada do vizinho e o cartão de cidadão da prima em 3.º grau. Ainda não sei muito
bem como vou contornar esta regra, porque não quero que o miúdo receba chamadas
comerciais para lhe impingirem sabe Deus o quê. Mas o Vasco não se atrapalha. Tinha
medo que ele usasse o telemóvel para ver vídeos manhosos. Ou algo pior. Desde
que o Diogo o apanhou a ver mulheres bastante
desnudadas, depois de ter inserido inocentemente “Bond Girls” no motor de
pesquisa, o controlo parental, belga e fraterno tornou-se muito mais apertado.
Mas, não. Acho que nenhum de nós estava a contar com o pequeno toque de excentricidade
deste meu filho pequeno. O Vasco tem passado os seus dias com o telemóvel
atrás, como se fosse um velho transístor, a ouvir em looping Edith Piaf e France Gall. A modos que é isto…
Semana complicada...Leio os posts no telemóvel mas se publico os comentários estes saem em duplicado! Gostei de saber da defesa do acesso do Vasco a um telemóvel esperto, ainda que ele só ouça músicas de cantoras de há tannnntos anos! E quando vamos saber de como poderemos surpreender a coisa pequena no seu aniversário? O Outono está a chegar...Beijinhos, Rita!
ResponderEliminarEu acho que vou adiar ao máximo esse assunto, Mariana. Ainda não consigo imaginar que a minha coisa pequena tenha uma década de vida!!!
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