(onde
se explicam as razões para o súbito desaparecimento desta mãe)
Uma
noite destas, cheguei derreada da escola… que isto de falar duas línguas em permanência
e ensinar uma terceira tem muito que se lhe diga. Enquanto o meu amor me servia
o jantar requentado, anunciou com um sorriso que havia moura na costa (usando
uma expressão qualquer parecida, que esta gente nunca teve mouros na costa).
Parece que o Diogo tinha ido passear o cão à chuva durante séculos de telemóvel
atrás. E, depois, ainda precisou de ir “apanhar ar” mais umas quantas vezes… de
telemóvel na mão, obviamente. Eu ri-me. Achei ternurento. Pensei que o meu
adolescente tinha entrado numa nova etapa da sua vida.
Nos
dias seguintes, a coisa intensificou-se. A olhos vistos. Umas vezes a
saca-rolhas, outras espontaneamente, lá ficámos a saber a história desta paixão
assolapada. Com muito mais detalhes do que, por vezes, gostaríamos (e estávamos
preparados). Numa espécie de frenesim esquizofrénico, ora ia contando tudo,
mostrando fotos e sms trocados, ora recusava-se sequer a dizer o nome da
criatura que lhe tinha conquistado o coração.
Subitamente,
a nossa vida passou a ser regida por controlo remoto. Ela vai estudar, ele vai
estudar. Daqui a três horas encontram-se novamente (no chat do Facebook, claro).
Ela vai às compras com a mãe, temos duas horas de liberdade. Ir ao cinema?!
Hora e meia de telemóvel desligado quando ela está disponível?! Nem pensar!
Será que não podemos começar a jantar mais cedo… tipo lá para as 18h, como
todos os belgas?! Etc… etc… etc…
Os
sms sucediam-se em catapulta e o rapaz começou a ficar sem imaginação para
tanta conversa romântica. O meu amor ia ajudando, qual Cyrano de Bergerac. Já
farta de tanto romantismo, disse-lhe para lhe perguntar o que ela queria ser
quando fosse grande. “Mãe”. Como?!?! Alto lá, acabou-se a brincadeira! Num
ápice, desci à terra. As fotos da miúda amorosa de biquíni na piscina, as
respostas sempre prontas, muito mais maduras do que seria de esperar, o pronome
possessivo seguido dos nomes carinhosos com que o trata e as declarações de
amor inflamadas perderam a inocência toda em segundos. Um alarme soou dentro da
minha cabeça. Muito, muito alto.
Enquanto
tentava gerir uma omnipresente namorada, um cão de fila apaixonado e uma coisa
pequena em profundo sofrimento, ao ver o irmão escapar-lhe por entre os dedos
para voos mais altos, os dias seguintes foram de puro questionamento. Pensei
bastante. Rebobinei o filme da minha própria adolescência. Tentei pôr-me no
lugar dos adolescentes de hoje.
Pela
primeira vez desde que aqui estou, senti falta da minha pediatra (primeiro minha,
depois deles), que à distância de um telefonema sempre me acalmou as dúvidas
mais disparatadas.
Quando
se deve passar da conversa sobre os factos da vida – que vistas bem as coisas
até é muito bonita e romântica – para a conversa mais terra-a-terra? Quando se
deve fazer o salto entre o “agora que já sabes a parte física toda, vamos lá
falar de coisas sérias”? Quando se deve passar da teoria à prática, dando-lhe a
entender que esperamos que a prática ainda esteja a anos-luz, mas nunca fiando?
Como saber onde está a fronteira entre o ainda-é-cedo e o já-é-demasiado-tarde?
Como saber qual é o momento certo, a maturidade certa, a pergunta certa que irá
despoletar a nossa resposta? De que forma se pode apelar ao sentido da
responsabilidade quando ainda se tem um pé na infância? Como raio posso confiar
em dois miúdos se só eduquei um? E ainda só vou a meio do trabalho.
Sempre
fui defensora da educação sexual na escola. Em casa, fala-se de afectos. Na
escola, fala-se de sexo. Depois, desde que haja abertura entre pais e filhos,
faz-se a ponte. O problema é que, neste caso, não me quero arriscar a esperar
pela altura em que a escola acha apropriado introduzir estes conteúdos. A
escola usa o tempo da mediania, nivela pelo meio: para uns, há-de ser precoce,
para outros, o momento certo e, para uma
minoria, há-de ser demasiado tarde. E se há assunto que não pode ser abordado
demasiado tarde é este…
Portanto,
pedi ao meu amor que despisse o fato de Cyrano de Bergerac, deixasse a espada e
as belas palavras de lado. Pedi-lhe que se armasse de uns preservativos e de uma
coragem infinita para ter uma conversa mais… hum… demonstrativa, por assim dizer. Claramente explícita, pronto.
Acho que nem um, nem outro, teríamos estado muito à-vontade se eu tivesse
tomado a iniciativa. E, para ter a certeza de que a mensagem passava, era
preciso que o mensageiro estivesse à altura da sua missão. E esteve, claro.
Como
bom cavaleiro, finda a sua incumbência, pegou no cavalo e partiu (que é como
quem diz, apanhou o avião). Ontem à noite, estávamos de novo os três sozinhos. E
diz-me o Diogo: “Estás triste, não estás, mãe? Eu agora percebo-te, dá
aqui um apertozinho no coração cada vez que estamos separados…” E eu aproveitei
para falar daquilo que sei. Dos afectos. Do amor. Do crescimento.
[Post escrito com autorização do protagonista, a
quem também falo das minhas dúvidas e dores de crescimento como mãe.]