(onde
se expõem receios e se faz uma viagem até aos anos 60)
Vem este post a propósito do referendo "Contra a Imigração em Massa" que 50,3% dos suíços aprovou na semana passada. É de referir que a afluência às urnas superou os 50%, o que também me parece elucidativo. A partir de agora, a Suíça terá não só um numerus clausus anual para a entrada de emigrantes da União Europeia, como limitará o reagrupamento familiar e as autorizações de residência. Por outro lado, vai repor o princípio da preferência pelo trabalhador nacional face ao “estrangeiro”. E mudar as regras do jogo, claro. Ou seja, alterar os benefícios sociais.
Não
sei que reacções suscitou esta notícia em Portugal. Mas por aqui tem-se falado
muito nesta questão. E o assunto foi apresentado pela comunicação social mais
ou menos da seguinte maneira: “Para impedir a emigração em massa dos últimos
meses, nomeadamente portuguesa, a maioria dos suíços decidiu votar a favor de
um controlo mais apertado…”. E eu, que sou “estrangeira” e portuguesa, tremo só
de pensar no efeito dominó que esta decisão poderá ter. Em Inglaterra, na
Holanda e na Áustria, os partidos de extrema-direita alinharam logo no mesmo
tipo de discurso. Le Pen já defendeu que a França devia seguir este exemplo.
Que se os franceses fossem chamados a decidir, tomariam a mesma decisão dos
suíços. Eu acho que ela tem razão, infelizmente.
Há
pouca coisa que me assuste tanto como o nacionalismo, o fundamentalismo, o
tacanhismo elevado ao extremo, o medo do “estrangeiro” só porque sim. Já dizia
a minha avó, gente maluca é pior que ladrões. E esta gente que nos governa, que
nos desgoverna, que nos manipula, que nos usa e que nos lixa do alto dos seus
poleiros por essa Europa fora é completamente louca. E eu tenho medo deles.
A
Bélgica não é a Suíça, o segundo país da Europa com maior fluxo de emigrantes.
Contrariamente à helvética, a população belga não tem 23% de estrangeiros. O
racismo não paira no ar. A desconfiança não espreita a cada esquina. Nem tudo são rosas, obviamente. Mas creio que, de uma maneira geral, posso dizer que as pessoas demonstram curiosidade e simpatia em relação à nossa vinda para a Bélgica. Empatia, diria mesmo. Sempre me senti muitíssimo bem acolhida e tratada. Os miúdos são alvo dos mais rasgados elogios.
Mas
não sou parva. Sei que se usasse véu o tratamento não seria o mesmo. Se
não falássemos perfeitamente francês e mais umas quantas línguas, não seríamos
considerados iguais. Se não fizéssemos um esforço para nos integrarmos na
sociedade, não seríamos tratados com a mesma gentileza. Se não lutássemos com
tanta garra, eu por um trabalho e eles por serem excelentes alunos, as pessoas
não teriam vontade de nos ajudar. Fundamentalmente, somos tratados em pé de
igualdade porque nós próprios nos colocamos nessa posição.
Contudo,
o caso muda de figura quando se trata do poder institucional. Não me esqueço da
quantidade de papéis que tive de entregar para pedir a autorização de residência,
na Commune, quando chegámos. Contrato de trabalho, diplomas, registo criminal,
contrato de arrendamento, seguros… um sem fim de papelada. Demorei algum tempo
a reunir toda a documentação.
Um
dia, telefonaram-me da Commune a pedir para passar por lá. Precisavam de falar
comigo sobre o meu pedido de residência. Quando cheguei fui levada para uma
salinha, em vez de ficar na fila do guiché como sempre. Disseram-me que todas as juntas
de freguesia tinham recebido ordens superiores para analisarem à lupa os
processos que estivessem pendentes de espanhóis, italianos e portugueses. Que
estavam a apertar a malha para não darem autorizações de residência
indiscriminadas. Que já não era possível porque se previa um aumento
exponencial da emigração devido à crise. A funcionária encarregue do meu caso,
tinha ficado preocupada e lembrou-se de uma solução. Casar-me. Talvez eu
tivesse um amigo que pudesse casar comigo só no papel… Hein?!?!? Pensei que
tinha percebido mal e perguntei se estavam mesmo à espera que eu casasse com um
belga qualquer só para obter o visto de residência como se estivéssemos nos
anos 60?! Estavam.
Cingi-me
às vias mais normais e, quase quatro meses depois, lá acabei por obter a
autorização de permanência no território belga para mim e para os rapazes até
2016. Em grande parte porque tinha um mestrado e um contrato de trabalho de um
ano com o Estado, como professora. E porque vivo num meio pequeno, rural, onde
fui muito bem recebida e as funcionárias fizeram tudo para me ajudar. Mas tive
de assinar um documento em como me comprometia, durante três anos, a não pedir
nenhuma ajuda do Estado, apesar de ser uma cidadã da EU, apesar de fazer os
mesmos descontos que todos os outros.
Agora,
neste novo trabalho, preciso de uma equivalência dos meus diplomas para a
Associação ter acesso a um subsídio para pagar o meu salário. E, mais uma vez,
me deparei com gente disposta a ajudar-me, a tentar dar a volta ao texto. Mas
tudo isto esbarrou com um muro institucional irredutível. Será muito difícil
concederem-me equivalência porque não há nenhuma licenciatura em Línguas e
Literaturas Modernas com o binómio de línguas Francês/Português. Esta
licenciatura existe, tem exactamente a mesma designação, os binómios de línguas
também existem… só não são é os mesmos. Ah… e as cadeiras do curso também não
são exactamente as mesmas. Portanto, posso esquecer a equivalência do mestrado
e, quanto à licenciatura, vamos lá ver… Nada é automático. O processo é moroso
(cerca de 6 meses) e bastante caro (175 Euros). E nada é garantido, repetem-me
à exaustão.
E
é apenas isto que eu retenho: nada é garantido. O meu país falhou-me. Falhou a
tantos de nós que a Europa está aos poucos a rever a sua posição em relação à
emigração. Os direitos que tomávamos por garantidos estão a desaparecer.
Direitos que os nossos avôs e pais conquistaram a custo. Um a um. Mas, hoje, nada é
garantido.
É terrível como, por muitas voltas que o mundo dê, a tacanhez nunca desaparece.
ResponderEliminarUma das coisas que me fez voltar a Portugal foi não conseguir habituar-me a sentir-me cidadã de segunda, como se me fizessem um favor ao aceitar-me lá. Favor faço eu ao mundo em trabalhar e gerar novas vidas que também darão o seu contributo à sociedade.
Boa sorte para ti e para a tua família, espero que o vosso valor seja reconhecido e que não haja barreiras parvas a opor-se ao vosso trajecto.
A tacanhez é uma erva daninha, Gralha. Por enquanto, sinto-me muito bem aqui... mas tenho receio do que nos espera no futuro. A verdade é que, em Portugal, eu também me sentia uma cidadã de segunda... :(
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