(post
dedicado à Carla, minha amiga do coração emigrante em França,
cujo
único defeito é amar o Tony Carreira de um amor assolapado
e cego e surdo… principalmente surdo)
Às
vezes, penso que os filhos são a nossa cuspidela para o ar. A imagem não é lá
muito bonita, mas é fiel. Tenho a certeza que sempre que dizemos “Se fosse
eu…”, “Ah, comigo…”, “Filho meu, não…”, há algures no universo uma entidade maléfica
que nos ouve. E que decide tramar-nos. Enviando-nos um filho que faz questão de
contrariar as nossas firmes decisões prévias. Um filho que faz questão de nos
sair, assim, meio torto. Enviesado. Só para nos pôr à prova. Só para nos
mostrar que não nos devemos armar em espertos. Toda uma lição de vida,
portanto.
A
verdade é que o meu filho Vasco é a personificação do emigrante tuga, em palmo
e meio de gente. Aquele emigra que eu sempre abominei quando ouvia falar uma
mistura de português com francês, num atabalhoado de coisa nenhuma, por essas
praias fora em Agosto.
A
criatura a quem chamo filho fala emigrantês fluentemente. Essa é que é essa.
Começa uma frase numa língua, salta para outra e termina na que começou. Eu
exemplifico: “Maman, je crève de faim. Posso comer uma gaufrette? Aujourd’hui à
l’école, comi uma pomme. Posso, mãe? S’il-t-plaît?”. É um desespero. É de
bradar aos céus. Já percebi que perdi a luta contra a passagem constante de uma
língua para a outra. Apenas peço que ele comece e termine uma frase na mesma
língua. Simples? Nem por isso. Do alto dos seus sete anos, o meu pequeno emigra
vai buscar a palavra que tem ali mais à mão nos dois dicionários que coabitam
na sua cabeça estouvada. E pelo meio, de vez em quando, ainda vai inserindo um
“What?!” ou uma citação do Star Wars,
só para confundir ainda mais as coisas.
Mas
não é só o aspecto linguístico que me assusta. É o pendor para aderir de imediato
aos dois mundos. Uma adesão feita de gastronomia, cultura, música, geografia, literatura,
cinema. Uma adesão feita de saltinhos entre um mundo e outro, que me deixa
tonta e exausta. Ora me fala do Tio Patinhas, ora do Picsou. Adora bifanas e frites. Devora pastéis de nata e pains au chocolat. Mistura o 25 de
Abril com a libertação da Bélgica pelas tropas aliadas. Insiste que nasceu em Lisboa, mas que é de Malempré. Diz “Stáre Wuárres”,
porque em francês é assim que se diz. E lê muito bem em português, com um sotaque brasileiro que não faço ideia onde foi buscar.
E
a última, a cereja em cima do bolo, o top
dos tops na lista do tuga emigra que
se preze… No outro dia, ouviu um anúncio de um concerto do Tony Carreira na TF1
e começou logo a trautear uma música. Daquelas bem conhecidas, que fala de
saudades, da terra que ficou para trás, dos velhos pais, da infância miserável
e da labuta diária para vencer no país que nos acolheu. Ó pá… alguém me tire deste
filme, eu prometo nunca mais cuspir para o ar!
E ainda não começaste tu a falar emigrês? Mais dia, menos dia, calha a todos :)
ResponderEliminarO único que não se baralha aqui em casa é o Diogo. É mesmo muito raro vê-lo misturar duas línguas. Eu cá tenho um pé a fugir para o chinelo, saio ao Vasco! No ano passado, comecei a falar português no meio de uma aula de Inglês sem me dar conta... Mas acontece mais quando estou cansada.
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