(onde se encontra um Tuga da velha cepa
e se tenta passar despercebido)
O
Carlos é o faz-tudo da minha escola. Da nossa escola, porque o Diogo também lá
anda. Dizem que é o jardineiro, mas eu acho que já o vi fazer um bocadinho de
tudo. É a primeira pessoa que chamam quando algo acontece, do cano que rebentou
à baliza que caiu. Cortar a relva e podar as árvores é algo que ele só deve
conseguir fazer nos tempos livres.
Ora
acontece que o Carlos é português. Mas daqueles mesmo típicos. Baixinho,
entroncado, muito moreno. Fala alto e gesticula muito. De riso fácil e grito
rápido para pôr a miudagem na linha. Sempre cheio de ideias e soluções
engenhosas. É que nem lhe falta a t-shirt da selecção com o fio a
vislumbrar-se no torso peludo nem nada. E o boné com o nome da pátria orgulhosamente
estampado… mesmo quando está a nevar.
Como
se tudo isto não bastasse, o nosso jardineiro faz-tudo fala um francês muito aldrabado,
com umas palavras portuguesas à mistura. E muitooo
vernáculo.
Não
me espanta, por isso, que o Diogo não se tenha apresentado a tão espampanante
personagem. E os amigos têm mantido em segredo o facto de haver outro português
na escola. Na verdade, o meu filho crescido nunca gostou de chamar sobre si as
atenções. Detesta “cenas”, como ele diz. Que são praticamente impossíveis de evitar, porque o Vasco é
uma criatura bastante espalhafatosa. E eu grito.
Desde
que entrou na adolescência, este esforço para passar despercebido e integrar-se
no grupo acentuou-se exponencialmente. Suponho que isto exija um empenho
suplementar, dado que somos estrangeiros. Daí nunca ter levado a mal ele fugir
do Carlos como o diabo da cruz.
E
foi exactamente este seu anonimato que lhe permitiu assistir, ontem à tarde, à melhor
cena de sempre do Carlos, durante a aula de Educação Física. Estavam os miúdos
todos na rua a fazer um exercício qualquer, quando o nosso jardineiro faz-tudo
se aproximou do colega novo do Diogo que estava só a assistir à aula. Trata-se
de um rapazinho tímido que veio agora do Congo. O Carlos, ao vê-lo ali quieto,
desatou a falar português muito depressa: “Ó pá, mas estás aí sentado a fazer o
quê, c******?! Vai mas é fazer exercício, f***-se! Um gajo quer-se é com
músculos, seu preguiçoso dum c******! Olha lá para isto, meu… Hein? Já viste
estes músculos, f***-se? A patroa gosta é disto, pá! Põe-te mas é a correr,
c******!”
O
coitado do miúdo ia arregalando cada vez mais os olhos e lá acabou por dizer baixinho: “Eu
não falo essa língua…”. Mas o Carlos continuou todo contente: “Pois… é lixada,
f***-se! Eu também vivi na Guiné, sabes? Dois anos, pá! Mas olha-me lá para estes
músculos… C******, não sejas preguiçoso! Vai correr, anda…”.
E depois
lá foi à sua vida, a murmurar um chorrilho de asneiras a propósito destes
jovens dum c******, que não faziam ponta de corno. Por uma vez, o Diogo deixou
cair a capa de falso adolescente belga e largou a rir à gargalhada agarrado à barriga, perante o olhar espantado dos colegas e do professor.
Essa barrigada de riso compensa bem o deixar o secretismo de também pertencer ao "reino dos tugas" do Carlos...Se os outros colegas pudessem entender o diálogo...
ResponderEliminarE não é para gargalhar??!!
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