(onde
se mostra como se passa da raiva à saudade num ápice)
Sempre que os meus rapazes vão de férias para Portugal aproveito para fazer uma limpeza a sério nos domínios deles. Antes de partirem, peço o favor de deixarem o quarto arrumado. Um favor simples, parece-me. Relativamente rápido. Um favorzinho, vá.
Normalmente,
eles fingem que arrumam qualquer coisa. E depois eu finjo que não vejo a desarrumação
reinante. É uma espécie de acordo tácito que temos. Mas, desta vez, admito que
ia tendo um ataque quando lá entrei e me deparei com um cenário de guerra…
Pacotes
vazios de leite com chocolate nos sítios mais insuspeitos. Dezenas de lenços de
papel ranhosos amarrotados. Pautas de músicas que nunca os ouvi tocar. O
arsenal de armamento de defesa dos Playmobil rodeado que Chocapics debaixo da
cama do Vasco. Meias desirmanadas que andavam há meses desaparecidas. Embalagens
amarfanhadas de doces e pastilhas que não faço ideia onde vão desencantar. Phones
com os fios descarnados. Listas de palavras para decorar em Latim. Espadas e
raquetes de ténis. DVDs da série 1, 3 e 4 do “Criminal Minds” fora das caixas. Milhares
de minúsculas peças de Lego. Ah… e carregadores. Certamente mais carregadores
do que aparelhos electrónicos a carregar. Substâncias estranhas derretidas, que
suspeito terem sido rebuçados numa outra encarnação.
À
medida que vou metendo isto tudo indiscriminadamente dentro de um saco de
plástico preto, sinto uma raiva medonha crescer dentro de mim. Amaldiçoo o
facto de estarem a salvo a muitos milhares de quilómetros. Apanho as almofadas
atiradas cada uma para seu canto… E não resisto a cheirá-las na esperança de
reencontrar o odor suave dos meus filhos. A raiva dissolve-se em saudade.
Acabo sempre estas minhas incursões ao quarto deles a tirar os DVDs do saco do lixo e a guardá-los nas caixas. A reunir uma a uma as infernais peças de Lego. A alisar as pautas de música. A enrolar os fios dos carregadores. Aos poucos, tudo volta aos seus devidos lugares.
Sou um coração mole, é o que é! Estranho poder este, o das madalenas de Proust.
amor é...
ResponderEliminar:)
Oh.. :)
ResponderEliminar(e pior ainda se te puseres a dobrar a roupa deles, imagino)
Só não percebo como se vai desta história para as madalenas, mas enfim...
ResponderEliminarO cheiro das madalenas que transportava Proust para a sua infância... :)
ResponderEliminarAbsolutamente delicioso!
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