segunda-feira, 21 de abril de 2014

Meu amor é marinheiro

(e eu gosto dele assim)


Há um poema de Manuel Alegre que parece ter sido feito por medida. Por encomenda. Cada vez que o leio, sinto um calafrio de reconhecimento. Naqueles versos está contida a essência do meu amor. A necessidade intrínseca de liberdade, o pavor cego das amarras, a urgência em viver sempre com um pé no mundo. E no entanto… e no entanto, uma forma de amor imensa. Honesta. Desinteressada. Altruísta. Um amor que se traduz numa presença intermitente, mas exclusiva. Inteira.

A verdade é que o meu amor é na prática aquilo que eu gostaria de ser na teoria e que, por circunstâncias da vida, não posso. Ainda não posso. Talvez por isso eu consiga compreender o que parece não ter compreensão possível. E leia mundos nos seus olhos. Aceito-o tal como é. Mais, creio que a minha admiração e amor advêm exactamente do facto de ele ser como é.

E agora que eu sinto que estou a perder o Norte, pedi-lhe que ficasse. Pela primeira vez, pedi-lhe que ficasse. Não para sempre que isso é muito tempo. Demasiado. Pedi-lhe que ficasse só um bocadinho. Algum tempo. Uns tempos. O suficiente para eu conseguir ultrapassar a tempestade e endireitar o meu barco. E ele disse simplesmente que sim. De imediato. Possamos nós ser um bom porto de abrigo até a intempérie passar.

 

Trova do Amor Lusíada

Meu amor é marinheiro
quando suas mãos me despem
é como se o vento abrisse
as janelas do meu corpo.

Quando seus dedos me tocam
é como se no meu sangue
nadassem todos os peixes
que nadam no mar salgado.

Meu amor é marinheiro.
Quando chega à minha beira
acende um cravo na boca
e canta desta maneira:

- Eu sou livre como as aves
e passo a vida a cantar
coração que nasceu livre
não se pode acorrentar.

Trago um navio nas veias
eu nasci para marinheiro
quem quiser pôr-me cadeias
há-de matar-me primeiro.

Meu amor é marinheiro
e mora no alto mar
seus braços são como o vento
ninguém os pode amarrar.

Quando chega à minha beira
todo o meu sangue é um rio
onde o meu amor aporta
seu coração - um navio.

Meu amor disse que eu tinha
uns olhos como gaivotas
e uma boca onde começa
o mar de todas as rotas.

Meu amor disse que eu tinha
na boca um gosto a saudade
e uns cabelos onde nascem
os ventos e a liberdade.

Meu amor falou-me assim:
Ó minha pátria morena
meu país de sal e trevo
meu cravo minha açucena

Vale mais ser livre um dia
lá nas ondas do mar bravo
do que viver toda a vida
pobre triste preso escravo.

Eu vivo lá longe longe
onde passam os navios
mas um dia hei-de voltar
às águas dos nossos rios.

Hei-de passar nas cidades
como o vento nas areias
e abrir as janelas
e abrir todas as candeias.

Hei-de passar a cantar
pelas ruas da cidade
erguendo na mão direita
a espada da liberdade.

Ó minha pátria morena
meu país de trevo e sal
sou marinheiro e não esqueço
que nasci em Portugal.

Assim falou meu amor
assim falou ele um dia
desde então eu vivo à espera
que volte como dizia.

Eu creio no meu amor
meu amor é marinheiro
quem quiser pôr-lhe cadeias
há-de matá-lo primeiro.

Sei que um dia ele virá
assim muito de repente
como se o mar e o vento
nascessem dentro da gente

Como se um navio entrasse
de repente na cidade
trazendo a voar nos mastros
bandeiras de liberdade.

Meu amor é marinheiro
e mora no alto mar
coração que nasceu livre
não se pode acorrentar.


in 30 anos de Poesia, Manuel Alegre.

5 comentários:

  1. O bom marinheiro também sabe quando é tempo de ficar em terra a consertar bússolas desorientadas :)

    ResponderEliminar
  2. Há um tempo para rasgar os mares e outro para fundear a âncora temporariamente ;)

    ResponderEliminar
  3. Qué hermoso poema, muchas gracias por compartir.

    ResponderEliminar
  4. Gracias, Lalo!

    Mira esto: https://www.youtube.com/watch?v=3RXrD0gU868

    ResponderEliminar