(M.E.D.O)
Fujo
das famílias perfeitas. Pais perfeitos, filhos perfeitos. A roupa perfeita. O
programa perfeito. A paisagem perfeita. O momento perfeito. A imagem da perfeição
estampada nos rostos perfeitos.
As
famílias perfeitas estão sempre felizes. Mas ficam ainda mais felizes se
apregoarem essa felicidade. Se a mostrarem. Às famílias perfeitas não basta
ser, têm de parecer. E de aparecer. Por isso é que as famílias perfeitas estão sempre
a tirar fotografias, ao bom estilo selfie
para terem a certeza de que estão todos perfeitos. Aliás, as famílias perfeitas
nunca tiram fotografias desfocadas, ao longe, em movimento. Fotografias de
alguém a fazer algo. Porque as famílias perfeitas não fazem, existem. E gostam
de impor a sua existência, como se o paradigma da perfeição fosse universal e
indiscutível.
As
famílias perfeitas não são gordas. Nem feias. Muito menos doentes. O visual
está sempre impecável. As crianças não se sujam, nem metem o dedo no nariz. Os
adultos nunca estão cansados. O cão não perde pêlo. Por isso são perfeitos.
Longe, muito longe, do comum mortal. Dos plebeus. Principalmente, longe dos
plebeus. Porque as famílias perfeitas pertencem a outra estirpe, citadina e mundana.
Consumista. O culto da boa vida faz parte do quotidiano das famílias perfeitas, cuja distinção se esgota na embalagem de marca.
As
famílias perfeitas nunca discutem, nunca se zangam, nunca estão em desacordo.
As famílias perfeitas funcionam como um único ser. Organismo uno que avança
como um todo. Os membros das famílias perfeitas têm de ser todos iguais. Corte de
cabelo e imagem perfeitamente simétricos, gostos e opiniões
perfeitamente coincidentes. Porque a perfeição é una, como se sabe.
Tentei
encontrar uma fotografia nossa em modo “família perfeita”, mas não consegui.
Menos mal, quer dizer que somos sãos. Imperfeitamente reais. Isto somos nós, a lançar um papagaio que não gostava de voar. Um bocadinho antes de desatarmos a correr atrás de um cão que adora fugir. Uma velhota gritou connosco porque estávamos a estragar o feno que ainda não tinha sido apanhado. Dando razão ao Diogo que se zangou porque não gosta de invadir campos. Depois, choveu. Mas, que me lembre foi um bom domingo.
Se
a família é o sítio onde aprendemos a ser, eu quero que os meus filhos aprendam
connosco a não serem perfeitos. Quero que aprendam o reverso da medalha, o lado
mais sombrio. Que aprendam a estar tristes, a terem de
controlar a fome, a estarem doentes. Quero que aprendam a zangar-se e a
discutir. A dizerem o que sentem, mesmo que isso magoe. Melhor ainda se
aprenderem a dizer o que sentem sem magoar ninguém. Quero que aprendam a chorar
e a pedir desculpa pelos erros. Que errem bastante. Que aprendam a andar
descalços e sujos. Muito sujos. E a fazer disparates. Quero que aprendam a
esperar por uma prenda no final do mês. Ou no mês seguinte. Que aprendam a
desejar. A lutar. Quero, principalmente, que aprendam que a nossa família não é
perfeita, mas que os aceita tal como eles são. Que é em família que se ensaia o
lado negro, porque há espaço para exprimir sentimentos negativos. Para os
integrar. Para os ultrapassar. Ninguém é perfeito, não há vidas perfeitas. Muito menos famílias perfeitas.
Já leio este blog há algum tempo, mas nunca comentei... Também estou farto da imagem das "Famílias Perfeitas" que se vê na blogosfera. Por isso gosto tanto de vos ler.
ResponderEliminarObrigada, Paco! :) A "Família Perfeita blogosférica" que deu origem a este post tem um cão tão branco como as roupas imaculadas das crianças. E posa para as fotografias! O meu parece um rato do esgoto e foge mesmo com trela... ;)
ResponderEliminarTalvez que por analogia com o “Discurso” do Alberto Pimenta (em que, nos últimos meses - vá-se lá saber porquê - tenho tido alguma dificuldade em deixar de pensar), que faz distinção, no seu “objecto de estudo” (●), entre as classes dos “pequenos” e dos “grandes” exemplares de tal objecto, dei comigo a pensar que também as “famílias perfeitas” se dividem em duas classes: “as pequenas famílias perfeitas” e as “grandes famílias perfeitas”. As “pequenas famílias perfeitas” compram imensos gadjets, fazem férias no Algarve com a família, deslocam-se nos carros de serviço do empregador (público ou privado) e divulgam notícias e “fotos felizes” no Facebook ou no Twitter; as “grandes famílias felizes” (a que as pequenas sempre aspiram, ao mesmo tempo que as servem e que as invejam) compram Ferrari, aviões e iates, viajam com motorista num dos muitos carros da família, fazem férias nas Bahamas, na Côte d’ Azur, num cruzeiro de luxo no Mediterrâneo ou num Safari em África, com outras famílias felizes como as suas e, ou mostram recatadamente as fotos de férias em privado, entre um pequeno e selecto grupo de amigos que se encontram no palácio de algum deles, ou levam com eles os reporters que depois publicarão notícias sobre o tema nos media que possuem ou em que têm influência – ou são vítimas dos paparazzi... As pequenas famílias felizes são provincianas, sem perspectivas interculturais, falam bem apenas a sua língua nativa e têm horror à cultura e estão sempre cheios de certezas; as grandes famílias felizes são cosmopolitas e poliglotas e aprenderam a cultura, pelo exemplo, desde que nasceram, ao passarem pela (grande) Biblioteca ou pela sala de Música da casa da família, e sabem que tudo flui, pois recordam a história da família, por muitas gerações no passado…Ah, e de vez em quando compram um banco e/ou empresas com as quais fazem uns negócios (uns claros e outros escuros), que depois levam à falência (as empresas, não eles - que entretanto já meteram o que conseguiram numa conta numerada de um qualquer paraíso fiscal) falência essa a ser evitada pelos impostos do "povoléu desprezível" (mas isso já é outra história)...
ResponderEliminarPor outro lado, as famílias felizes e perfeitas têm um grande problema: como têm de ser perfeitas (ou fingir que o são, que é, como se percebe, o que acontece na maior parte das vezes) não podem cometer erros. E, quem não comete erros, nunca aprende.
E muito menos pode ensinar os filhos - ou a tal (pseudo-)assimilados - a “aprender a aprender”. Ora, num mundo em mudança acelerada, quem não aprende, não muda; e acontece que, um dia, o céu lhes cai em cima da cabeça, pois o mundo mudou e eles nem deram conta (como aconteceu a tantas “famílias felizes” - grandes e pequenas – “do antigamente”, no imediato pós 25 de Abril, para dar só um exemplo).
Em verdade, a única perfeição que consigo entender é a de perceber que a perfeição é inatingível e que só aprendendo sempre, sabendo pôr em causa as suas próprias perspectivas – e mudá-las quando erradas ou obsoletas – se pode tender (assintoticamente) para a perfeição e a felicidade.
Em suma: lancem papagaios, gente, lancem papagaios... E continuem a aprender sempre! E a acreditar, com o princepezinho, que “o essencial é invisível para os olhos”; e portanto não aparece em fotografias, nem em gestos fingidos de amor ou carinho, nem em liberdades (ou liberalidades) exageradas. Evidencia-se antes no verdadeiro amor, no qual há horas melhores e outras piores, as chatices do estudo e de quem nos educa com amor verdadeiro e não postiço - porque não pensa principalmente n(a imagem d)o hoje, mas no longo prazo dos filhos.
Conclusão do post anterior que parece que era demasiado longo… Havia lá uma nota marcada como (●) que agora se transcreve:
ResponderEliminar(●) Vale a pena dizer que o Alberto Pimenta é hoje um homem de certa idade e, quando escreveu o livro, as pessoas ainda sabiam que ao dizer-se “portugueses” isso incluía as portuguesas e equivalia ao actual politicamente corrrecto: “portuguesas e portugueses”; que quando se dizia “o homem” isso significava “o género humano”; e, portanto, quando ele fala de “o” entenda-se que se refere a o(s) e a(s), pois também as há, e bem perigosas algumas.
(leia-se em bold o texto ntre o sinais…): vou tentar que o anterior seja o meu último comentário neste blog. Como quase tudo me interessa, teria sempre imenso a comentar ou completar. Mas, a dado passo, isto tornava-se um blog “a duas mãos” e, nem tal me foi pedido, nem faria sentido no contexto deste blog. (E se o narrador do blog quiser ter um “meta-narrador”, que comente e critique – que crie um ;-). Mas, precisamente porque há aqui muitos temas e cenas que me interessam, e sobre os quais tenho opiniões e dados que faltam à narradora (pois, nalguns casos, nem existia ainda…) vou arranjar um forma diferente de coligir essas notas, num contexto diferente. Mas não me comprometo a não voltar…
Ah, e o texto entre os sinais dizia: "Nota Final". E os sinais eram uma brincadeira, ou seja, eram os códigos HTML para definir início de bold e fim de bold. Mas os códigos não são interpretados no blogspot (o que eu já esperava), nem aceites (o que eu não esperava :(
ResponderEliminarE, agora sim, é o fim do longo post...
Bolas, Arturzinho, desta vez excedeste-te! :)
ResponderEliminarMas atenção: não confundir as "Famílias Perfeitas" com as famílias felizes. Não tenho nada contra as famílias felizes, imperfeitas, barulhentas, respondonas... é pá, parece que estou a reconhecer alguém. :p
E que imperfeitos sejam perfeitamente felizes!!
ResponderEliminarExacto, Naná! É esse o objectivo... :)
ResponderEliminarSim, excedi-me. Sorry... [Mas viste que, no meu excesso, me controlei e nem disse o título do livro, nem nada! Não quis roubar aos teus leitores a alegria da pesquisa...]
ResponderEliminarQuanto às famílias felizes, eu falei sempre de "famílias felizes". E não é preciso um mestrado em literatura para perceber que felizes e "felizes" não querem dizer a mesma coisa...