(às
vezes é mais fácil criticar do que compreender)
Agosto
chega, arrastando uma vaga de emigrantes que regressam a Portugal nas férias. É
a época dos carrões de matrícula francesa a voarem por esse país afora. Das
festas nas aldeolas perdidas de Norte a Sul. Da música pimba e das idas
espalhafatosas à praia. Dos gritos numa miscelânea de português e francês que provocam
risos trocistas à volta. Porque onde uns vêem um regresso a casa, outros vêem um
motivo de gozo.
A
nossa emigração mudou muito nos últimos anos, mas o preconceito manteve-se. É
como se continuássemos a ser portugueses de segunda, desprovidos de
nacionalidade em prol de uma outra identidade que nos colaram à pele.
Emigrantes! Nem carne, nem peixe. Terra de ninguém. Estereótipo da criatura
ridícula e risível que poupou o ano inteiro para se armar em novo-rico no
Verão. Que ri e fala muito alto, misturando duas línguas para se armar aos
cucos. Que ralha com os filhos em francês, mas que ameaça em português quando a
coisa descamba.
Para
quem está de fora, esta é a principal característica do emigrante: saltita
entre duas línguas. Tal como, dentro de si, saltita entre dois mundos. Dois países,
duas vidas. Duas culturas que não se misturam. Uma existência no limbo, feita de
concessões. Um país que o viu nascer e o forçou a partir. Outro país que
o acolheu mas que não é o seu. Saudade e gratidão. E algures no meio disto,
viver. Aprender a ser feliz na dualidade. Educar os filhos na dualidade.
Falar
português ao acordar, francês enquanto trabalhamos. Falar português quando nos
reencontramos, francês enquanto fazemos os trabalhos de casa. A lista das
compras está em português, a lista das coisas a fazer em francês. Ouvimos música em português, lemos livros em francês. A televisão é francesa,
mas os nossos comentários são em português. Falamos português ao telefone e
francês ao telemóvel. Ao jantar falamos francês, que as crianças ainda estão a
crescer e precisam de aprender a linguagem dos afectos que a escola não ensina.
Mas “tira os cotovelos da mesa” e “come!” saem em português. Porque resvalamos sempre
para a nossa língua para ralhar e mimar. Para amar. Mas, quando a luz se apaga,
falamos francês…
“Primeiro
estranha-se, depois entranha-se”, dizia Pessoa (que também saltitava entre duas
línguas e várias personalidades). Mas cansa. E ajudava tanto se em vez do gozo,
à nossa volta houvesse compreensão. Humildade para respeitar uma estranha forma
de vida completamente desconhecida.
A nossa emigração mudou mesmo muito certamente :-)
ResponderEliminarUma perspectiva muito Boa, esta que aqui descreves!
Obrigada, Naná. Nem sempre é evidente perceber, quando se está de fora. :p
ResponderEliminarConfesso que só quando fui emigrante percebi que o alternar entre duas línguas não é uma "mania" mas uma consequência quase inevitável de viver entre ambas. Quando dei por mim a dizer que estava a trabalhar "à volta do relógio", capitulei :)
ResponderEliminarMuito mais triste é quando os emigrantes optam por abandonar a língua de origem. Nestas férias, havia uma família luso-francesa muito simpática ao nosso lado no condomínio. Os nossos rapazes lá aprenderam a dizer "jouer", "oui", "non", "mon petit ballon"; as meninas deles não pronunciaram nem uma palavra de português.
Eu tenho uma teoria (meramente hipotética) para esse "abandonar da língua materna" de que falas, Gralha. Os emigrantes que não têm um sólido conhecimento linguístico da sua própria língua não conseguem saltitar entre as duas línguas. Por uma questão de segurança e facilitismo, acabam por optar apenas por uma... que, no caso de terem filhos em idade escolar, terá de ser a língua do país onde vivem. :(
ResponderEliminarHá também o caso das famílias "mistas", como a nossa, onde normalmente também se acaba por optar pela língua do país onde se vive. Temos de admitir que o português é uma língua difícil... :p
No nosso caso, é a barafunda total! Falamos ambas as línguas com a mesma frequência. Mas eu tive a sorte de conhecer uma pessoa visionária que, anos antes de se apaixonar por mim, tinha tido aulas de português! Agora, já percebe praticamente tudo o que lhe dizemos. E o meu cão também já é praticamente bilingue... desobedece da mesma maneira em ambas as línguas. Já o Diogo insiste no português e o Vasco tende sempre para o francês. Eu cá gosto particularmente dos dias em que traduzo textos em inglês no trabalho, falo francês e português em casa e, à noite, vou dar aulas de espanhol... :p