quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Purgatório dos sonhos que já não temos

(conjuram-se orixás)


Ao longo da vida, vamos coleccionando sonhos vários. Bonecas russas de diferentes tamanhos que se encadeiam até ao infinito. Sonhos inalcançáveis, que servem apenas para nos aquecer o coração. Sonhos que gostaríamos de ver realizados a longo prazo, mesmo que seja difícil, mesmo que seja quase impossível. Mesmo que demore muito tempo. Sonhos que nos vão acompanhando ao longo da vida, metas que estabelecemos no horizonte longínquo e que norteiam o caminho. Sonhos que sabemos que vamos realizar a médio ou a curto prazo. Sonhos comezinhos, que proporcionam alegrias pequeninas quando finalmente os conseguimos alcançar. Balões de oxigénio que nos dão forças para continuar. A avançar e a sonhar, sempre.

Mas, um dia, a vida dá uma reviravolta. E temos a sorte de voltar à casa da partida. Aproveitamos para fazer o ponto da situação. Largar tudo o que já não precisamos para tornar a passada mais ligeira. Aconchegar junto ao coração quem mais amamos e esquecer tranquilamente quem já não nos diz nada. Ajustar a bússola interna. Rever posições. Reformular objectivos. E, claro, adaptar os sonhos. Refazê-los.

Há sonhos que percebemos que já realizámos. Às vezes são sonhos antigos, que ficaram perdidos, mas não esquecidos. E que um dia, sabe-se lá como, se realizaram sem que dessemos por isso. Há sonhos que mantemos. Fazem parte daquilo que somos. São os sonhos quase sempre impossíveis de realizar. Há sonhos que reajustamos à nova realidade. Sonhos que são necessários para conseguirmos concretizar o objectivo maior a que nos propomos. Metas menores que balizam o caminho.

E, depois, há sonhos que são abandonados por completo. Sem apelo nem agravo, sem remorsos, sem tristezas. Já não têm lugar na nova vida. Perderam todo o sentido.

Algures na nossa história de vida, criamos um cemitério de sonhos onde enterramos os mortos. Sonhos cremados, que desapareceram para todo o sempre numa nuvem de fumo. Sonhos enterrados a muitos palmos do chão, que se vão decompondo aos poucos, à medida que fazemos o luto.

O problema é que há sonhos moribundos que continuam a povoar as profundezas da nossa existência. Sonhos fantasmas. Sonhos que decidimos conscientemente abandonar, mas que não nos conseguem abandonar a nós. Que teimam em não se libertar. Sonhos que obstinadamente se recusam a partir para o céu dos sonhos, que vivem no limbo do purgatório. Ainda não descobri o que fazer para que parem de me assombrar. Eu, que os matei, que os enterrei, que os substituí por outros sonhos por estrear a condizer com esta nova vida que criei. No dia em que descobrir a conjuração secreta, estarei um bocadinho mais perto de alcançar a tão desejada paz.

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