terça-feira, 12 de agosto de 2014

Saudades da coisa pequena

(amo de um amor exactamente igual ambos os meus filhos,

mas à medida que o mais velho ganha asas

o coração de mãe também se vai adaptando)


Tenho saudades da minha coisa pequena. Umas saudades que me impedem de respirar profundamente, porque me dói o coração. É como se faltasse uma função vital do meu corpo. Falta-me o cheiro dele, os braços sempre à volta da minha cintura. O peso da sua cabeça contra a minha barriga. Morada primeira que diz não esquecer. Aquela voz que ri. Não sei explicar, mas o meu Vasco tem uma voz que ri. Uma felicidade natural. Pozinhos mágicos que espalha à sua passagem. E uma imaginação prodigiosa que nos transporta para outros mundos. Sinto saudades de tudo isso. Da presença física e da personalidade repleta de fantasia.

Às vezes dou por mim a espreitar pela janela, para ver se o vejo a brincar no quintal. Uma espada. Um pau. E o mundo à nossa volta transforma-se numa fracção de segundo. É preciso estar atento. Estamos debaixo de fogo inimigo. Criaturas selvagens saltam de onde menos se espera. Cuidado, atrás do arbusto mais insuspeito escondem-se seres vindos de outro mundo que nos querem apanhar. Por isso, o Vasco corre sem baixar a guarda. Ora à frente, ora atrás. Numa espécie de movimento intrínseco e constante.

Dou por mim a tentar ouvir a vozinha dele no meio do silêncio que me rodeia. Porque o meu Vasco passa a vida a cantar. Onde quer que esteja, ele canta. Ou cantarola, numa espécie de ruído de fundo que me embala. Umas vezes são canções inteiras, que narram aventuras e desventuras. Outras vezes, canções patetas, pirosas, que o divertem. Basta-lhe ouvir uma canção uma única vez para a saber cantar na perfeição, com uma voz cristalina e doce que comove.

Dou por mim à espera da próxima pergunta, curiosidade constante de quem quer engolir o mundo inteiro. Catapulta de interrogações, moinho de vento de pensamentos vários. O meu Vasco obriga-me a olhar com outros olhos para o que nos rodeia. Olhar inaugural de poeta. Mundo interior do qual só tenho vislumbres quando me faz perguntas, numa tentativa feroz de tudo compreender.

E o carinho… Dou por mim à espera de sentir aquelas mãos de mansinho nas minhas costas. Os abraços apertados. Os beijinhos sempre lambuzados. As declarações de amor inesperadas. E originais. O Vasco raramente diz “amo-te”, mas faz as declarações de amor mais perfeitas. Principezinho que cuida da sua rosa.

Espero que o tempo passe depressa. Já sei que não passa, mas tenho sempre esperança. Até lá vou vivendo em apneia. A ter vislumbres da presença mágica da coisa pequena pela casa. A montar aos poucos um enorme barco de Lego que comprei numa venda de garagem. A embelezar o poleiro que irá acolher o passarinho que o meu amor lhe prometeu. A escolher cuidadosamente o material para a escola, sabendo bem que a régua estará partida antes do final de Setembro. Os lápis perdidos e a borracha roída. Provas materiais de que a cabeça vive na lua.

 





[ Desde que pôs o aparelho para alargar o palato, o Vasco é absolutamente incapaz de fechar a boca nas fotografias. Porque o seu sentido de estética apurado manda que o omnipresente aparelho vermelho-sangue fique guardado para a posterioridade. ]

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