(amo de um amor exactamente igual ambos os meus filhos,
mas à medida que o mais velho ganha asas
o coração de mãe também se vai adaptando)
Tenho
saudades da minha coisa pequena. Umas saudades que me impedem de respirar
profundamente, porque me dói o coração. É como se faltasse uma função vital do
meu corpo. Falta-me o cheiro dele, os braços sempre à volta da minha cintura. O
peso da sua cabeça contra a minha barriga. Morada primeira que diz não esquecer.
Aquela voz que ri. Não sei explicar, mas o meu Vasco tem uma voz que ri. Uma
felicidade natural. Pozinhos mágicos que espalha à sua passagem. E uma
imaginação prodigiosa que nos transporta para outros mundos. Sinto saudades de
tudo isso. Da presença física e da personalidade repleta de fantasia.
Às
vezes dou por mim a espreitar pela janela, para ver se o vejo a brincar no
quintal. Uma espada. Um pau. E o mundo à nossa volta transforma-se numa fracção
de segundo. É preciso estar atento. Estamos debaixo de fogo inimigo. Criaturas selvagens
saltam de onde menos se espera. Cuidado, atrás do arbusto mais insuspeito
escondem-se seres vindos de outro mundo que nos querem apanhar. Por isso, o
Vasco corre sem baixar a guarda. Ora à frente, ora atrás. Numa espécie de
movimento intrínseco e constante.
Dou
por mim a tentar ouvir a vozinha dele no meio do silêncio que me rodeia. Porque
o meu Vasco passa a vida a cantar. Onde quer que esteja, ele canta. Ou
cantarola, numa espécie de ruído de fundo que me embala. Umas vezes são canções
inteiras, que narram aventuras e desventuras. Outras vezes, canções patetas,
pirosas, que o divertem. Basta-lhe ouvir uma canção uma única vez para a saber
cantar na perfeição, com uma voz cristalina e doce que comove.
Dou
por mim à espera da próxima pergunta, curiosidade constante de quem quer engolir
o mundo inteiro. Catapulta de interrogações, moinho de vento de pensamentos
vários. O meu Vasco obriga-me a olhar com outros olhos para o que nos rodeia. Olhar
inaugural de poeta. Mundo interior do qual só tenho vislumbres quando me faz
perguntas, numa tentativa feroz de tudo compreender.
E
o carinho… Dou por mim à espera de sentir aquelas mãos de mansinho nas minhas
costas. Os abraços apertados. Os beijinhos sempre lambuzados. As declarações de
amor inesperadas. E originais. O Vasco raramente diz “amo-te”, mas faz as
declarações de amor mais perfeitas. Principezinho que cuida da sua rosa.
Espero
que o tempo passe depressa. Já sei que não passa, mas tenho sempre esperança.
Até lá vou vivendo em apneia. A ter vislumbres da presença mágica da coisa
pequena pela casa. A montar aos poucos um enorme barco de Lego que comprei
numa venda de garagem. A embelezar o poleiro que irá acolher o passarinho que o
meu amor lhe prometeu. A escolher cuidadosamente o material para a escola,
sabendo bem que a régua estará partida antes do final de Setembro. Os lápis
perdidos e a borracha roída. Provas materiais de que a cabeça vive na lua.
[
Desde que pôs o aparelho para alargar o palato, o Vasco é absolutamente incapaz
de fechar a boca nas fotografias. Porque o seu sentido de estética apurado
manda que o omnipresente aparelho vermelho-sangue fique guardado para a posterioridade.
]
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