(porque há
ideias tão geniais que deviam patenteá-las)
Fui
à reunião da escola do Vasco. A medo, como de costume. Porque as notas são
sempre boas, já se sabe. O pior é o resto. Por isso, já vou à espera daquela
parte: “Sim, sim… bem, em relação aos resultados escolares, não há nada a
dizer. É um excelente aluno. Não sei como, mas é. O pior é o resto…” E segue-se
uma lista interminável de disparates. Disparates que a criatura faz, bem
entendido. Uma lista onde se exalta o facto de o Vasco ser absolutamente
incapaz de estar quieto. Personificação do bicho-carpinteiro. De cair
constantemente da cadeira abaixo. Ou de mandar a cadeira abaixo e ficar
milagrosamente de pé. Ou de cair primeiro e, depois, ainda apanhar com a
cadeira em cima. Todo um mundo de variantes, onde a única constante é o facto
de cair. Ele e a cadeira. Ah… e o estrondo assustador que isso provoca. Segue-se
a ladainha habitual de que a coisa pequena perturba o bom funcionamento das
aulas.
Pois
que, desta vez, eu estava ainda com mais medo. A nova escola é rigorosa. Até eu
tremo um bocadinho quando olho directamente para a directora. Fico sempre com a
sensação de que devo ter feito um disparate qualquer. Mas, pronto, enchi-me de
coragem e lá fui, preparada para defender a cria com argumentos altamente
imaginativos. Tinha uma lista deles preparados. Mas, para minha grande
surpresa, não precisei de usar nenhum. Nem um.
As
professoras elogiaram muito o Vasco. Que era um prazer tê-lo na turma. Que
tinha uma curiosidade insaciável. Um miúdo ávido de conhecimento. E com uma cultura
geral fora do comum. Falador, mas muito respeitador. Amigo de todos. Que gostava
muito de estar à conversa com os adultos, da empregada da limpeza à directora.
Que se tinha integrado na perfeição. Ninguém diria que só falava francês há
dois anos, que tinha um desenvolvimento linguístico bastante superior à maior
parte dos colegas. Que transbordava de felicidade. Um miúdo reguila, mas muito
meiguinho. Obediente. Excelente aluno. Que se via que tentava fazer um esforço
para melhorar a letra e ser mais cuidadoso com o seu trabalho. Rigoroso.
Disseram que o Vasco era rigoroso no que fazia. E bom colega.
Eu
estava assim a modos que apalermada. Sempre à espera do “mas…” que iria iniciar
a já conhecida história do diabo no corpo e da disputa com a cadeira, centro de
toda a discórdia na antiga escola de Malempré. No final da conversa, já as
senhoras estavam de mão estendida para se despedirem, perguntei se o Vasco era
muito irrequieto, se ficava sossegado na cadeira… Vá, atirei assim a ideia para
o ar, como quem não quer a coisa. Disseram-me que não. Que se via que era uma
criança cheia de vida, mas que se mantinha sossegado no lugar. “Então… e a
cadeira? Ele nunca cai da cadeira?”, perguntei, desconfiada. Não. Explicaram-me
que, quando viram o tipo de miúdo que tinham pela frente, optaram por sentá-lo
numa secretária que tem a cadeira aparafusada ao chão. Achei a ideia tão, mas
tão genial, que não me contive nos elogios. E insisti para ver com os meus
próprios olhos essa invenção extraordinária. Fartei-me de rir. Afinal, a solução era
tão simples. Estou desconfiada que devem ter ficado impressionadas pela minha preocupação
com o mobiliário escolar, mas pronto… Sai de lá com a certeza absoluta de que o
meu bicho-carpinteiro está no lugar certo. E isso é coisa para deixar qualquer
mãe de coração mais levezinho.
Já sabia que a fita-cola resolvia muitos problemas mas essa dos parafusos também faz todo o sentido :)
ResponderEliminarA fita-cola dá para tirar, Gralha... os parafusos, não! ;)
ResponderEliminarGenial ! Mas uma cadeira, é uma cadeira. E quedas todos os miúdos dão...
ResponderEliminarAgora isto é que é extraordinário: "Que tinha uma curiosidade insaciável. Um miúdo ávido de conhecimento. E com uma cultura geral fora do comum. Falador, mas muito respeitador. Amigo de todos. Que gostava muito de estar à conversa com os adultos, da empregada da limpeza à directora. Que se tinha integrado na perfeição. Ninguém diria que só falava francês há dois anos, que tinha um desenvolvimento linguístico bastante superior à maior parte dos colegas. Que transbordava de felicidade. Um miúdo reguila, mas muito meiguinho. Obediente. Excelente aluno. Que se via que tentava fazer um esforço para melhorar a letra e ser mais cuidadoso com o seu trabalho. Rigoroso. Disseram que o Vasco era rigoroso no que fazia. E bom colega."
Parabéns ao Vasco!
Olá. Cheguei aqui agorinha mesmo, mas acho que fico mais um pouco...
ResponderEliminarAcredite que fartei-me de rir, não às custas do Vasco, mas de seus "problemas" com as cadeiras da sala de aula, e mais ainda, da maneira como descreve as peripécias dele com as ditas cadeiras. Amei. E afinal, a cadeira é que não se mantinha "segura" no lugar, concluímos nós.
Parabéns ao Vasco, que afinal, mostra-se um aluno 5*, essa é que é.
bjos
Obrigada pelo elogio, Maria Grinheiro... e pela conclusão tão óbvia de que as cadeiras é que não param quietas no seu devido lugar! :)
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