(a
vergonha ou a falta dela)
Pois
que este mês a escola onde dou aulas voltou a não me pagar. A equivalência dos
meus diplomas continua atravessada numa encruzilhada burocrática.
Pois
que a caixa de previdência do ensino que gere os abonos de família, como me
cortaram o salário, decidiu passar-me para a caixa de previdência geral. E não
me pagou os abonos este mês, nem se lembrou de me avisar.
Pois
que a tradução do livro que entreguei em Agosto continua sem data de pagamento à
vista.
Pois
que a justiça tarda, tarda, tarda. O meu processo kafkiano já se arrasta há oito
meses e os meus filhos continuam sem pensão de alimentos, nem coisa nenhuma.
Pois
que o Vasco além do nosso médico de família, do endocrinologista, do dentista e
do ortodontista, agora também tem de ser seguido por um otorrino e um terapeuta
da fala. Nunca vi uma criatura que vende saúde ser vista por tanto especialista
em tão curto espaço de tempo.
Pois
que o Inverno chegou em força e está quase na altura de ligar o aquecimento
central. Encher a cisterna custa a módica quantia de 1600 euros. Felizmente, o
fornecedor é simpático e aceita deslocar-se por 500 litros... 411 euros, mais
coisa, menos coisa.
Pois
que não tenho vergonha nenhuma de expor a minha situação. Acumulo vários
empregos, todos eles qualificados e honestos. Faço o melhor que posso para
educar os meus rapazes. Ficar na pátria-mãe exige coragem e fé, mas emigrar é o
percurso do combatente. E isto é bom que se diga, que se saiba, que se comente.
Para que quem o faz tenha perfeita consciência do caminho que o espera.
O
que eu tenho vergonha de dizer é que, ontem, o meu filho Diogo recebeu uma generosa
transferência de Portugal de 20 euros para comprar cinco pacotes de gomas, que anda
a vender para patrocinar a viagem a Paris com a escola. Sendo que o benefício
desta fantástica venda são 13,50 euros, o problema parece estar solucionado.
Estou a pensar seriamente propor ao tribunal começar a receber a pensão de
alimentos em gomas…
Enfim, uma pessoa nem sabe bem o que comentar quanto às gomas...
ResponderEliminarO que vale é que a tua coragem não se alimenta de guloseimas. Que assim continue e, caraças, já agora que te paguem o que devem.
Acho que não deve haver coisas pior na vida do que trabalhar honestamente e não receber por isso...
ResponderEliminarMas valha-nos o negócio das gomas!
:)
ResponderEliminarSobre a questão das equivalências: a burocracia belga está entender mal os acordos e o significado de Bolonha e dos ECTS (European Credit Transfer and Accumulation System - em que o "transfer" deve ser entendido como "entre países da UE"). Acho que isso exige uma exposição séria ao ministério da educação belga. Sobre isto escrever-te-ei mais tarde.
ResponderEliminarQuanto às gomas, bem como ao sistemático não pagamento de metade das despesas médicas e escolares extraordinárias (de que tens provas documentais), mostra o mais execrável e baixo nível a que se pode descer, quando se quer chatear um adulto, "usando" os filhos como peças de xadrez, e revelando o mais completo desprezo pelo bem estar, saúde e equilíbrio emocional dos mesmos e a mais completa irresponsabilidade face a essa questão. Mas esse problema não se resolve aqui, mas na justiça. E, por outro lado, os filhos, mesmo quando sujeitos a chantagens emocionais e a tentativas de lavagem ao cérebro, inevitavelmente crescem, e acabarão por perceber tudo, quando começarem a conseguir pensar com independência. O que pode levar mais ou menos tempo, mas inevitavelmente acontece.
A Justiça acabará por pôr as coisas nos devidos locais, pai. Mais cedo ou mais tarde. E o Diogo acabará também por perceber o que se está a passar. Aliás, penso que essa mudança já começou...
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