segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Ponto de situação

(onde se mostra igual satisfação nos alunos e na escola)



Os rapazes estiveram esta semana de férias. Uma pausa lectiva um bocadinho estranha… “Férias de Todos os Santos”, diz-se por aqui. Com direito a boletim de avaliações, como não podia deixar de ser. Este ano, estava curiosa para saber as notas intercalares. No caso do Vasco, como mudou para uma escola mais exigente, queria saber como se estava a sair. No caso do Diogo, a quem dei total autonomia nos estudos pela primeira vez, estava desejosa de ver o resultado.

Admito que sou daquelas mães que exige bons resultados escolares. O que não implica apenas ter boas notas. As boas notas devem ser o reflexo de toda uma atitude perante a escola e o ensino. Por isso, exijo um comportamento irrepreensível para com colegas, professores e funcionários da escola. Exijo boa educação e respeito. Civismo. Companheirismo. Exijo esforço. E estudo. Mas também espero que a escola fomente a curiosidade e o interesse dos meus filhos. Que seja capaz de se adaptar às suas personalidades. Que seja mesmo uma segunda casa, onde se sintam bem e felizes. Acompanhados. Onde aprender também possa ser um prazer. Onde acreditem neles e nas suas capacidades. Onde fazer amigos seja tão importante como ter boas notas. Acho que sou igualmente exigente com ambos os lados da barricada.

Dois meses de aulas e um boletim de avaliações depois, estou convencida de que estão os dois em escolas feitas à sua medida. Pela primeira vez na nossa vida, finalmente. O Diogo passou esta semana a contar os dias que faltavam para recomeçar as aulas, o que mostra bem o amor que tem aos bancos do Sacré-Coeur. E o Vasco diz que já tem saudades dos novos amigos de Saint-Joseph.

Ler os boletins dos meus filhos foi um verdadeiro prazer. E não teve nada a ver com as boas notas. Até porque o boletim do Diogo é meramente informativo. Mas todos os professores escreveram comentários sobre o seu desempenho que mostram que o conhecem bem, que o admiram e que acreditam nele. E isto é fundamental para se aprender o que quer que seja. Dou apenas alguns exemplos, que são um excelente espelho do ensino no Sacré-Coeur:

“Dou-te os meus parabéns pela tua participação activa na sala de aula! Bravo!”
“Excelente início de ano, Diogo. O teu trabalho é regular e sério.”
“Vais demasiado depressa, és capaz de fazer melhor.”
“A tua curiosidade intelectual em relação à matéria leccionada é de uma qualidade preciosa.”
“O teu nível actual está abaixo das tuas reais capacidades.”
“Estás sempre atento a todos os detalhes. Continua assim!”
“És interessado e não deixas nada ao acaso.”
“Cuidado com a tua letra que é cada vez mais difícil de decifrar!”

Depois de ler isto, só posso ficar descansada. Dei-lhe liberdade para estudar como quisesse, quando quisesse. Achei que, no oitavo ano, já merecia ter autonomia para gerir como achasse melhor o estudo aqui em casa. Pela primeira vez, não controlei horas de estudo, resumos para os testes, cadernos, nem o “journal de classe” (uma espécie de agenda onde escrevem os sumários, TPC’s, comentários dos profs., etc.). Pelos testes que fui vendo, as notas do Diogo baixaram ligeiramente e, sobretudo, não têm sido tão regulares como no ano passado. Mas se os professores estão contentes e acreditam que ele consegue melhorar, eu também fico satisfeita. É um miúdo respeitador, interessado, esforçado. Muitíssimo responsável. Faz tudo a despachar e tem uma letra hieroglífica, é certo. Mas o essencial está lá. Fiquei orgulhosa. No meu filho grande e na escola onde ele tem o prazer de andar. Porque a questão é mesmo essa: o Diogo adora a escola dele. Os professores gostam sinceramente do miúdo e vice-versa. Tem imensos amigos na turma, que gosta de trazer cá a casa. Dá-se muito bem com vários colegas de anos mais avançados. E tudo isto junto é meio caminho andado para o sucesso escolar.

Quanto ao Vasco, a questão era diferente. A minha coisa pequena mudou de escola. Passou da escolinha de Malempré, onde podia fazer o que queria como um selvagem porque todos lhe achavam piada, para um colégio católico bastante rígido. Aprendeu a controlar-se nas aulas, a estar concentrado. Continua a estragar material escolar a uma velocidade alucinante. Continua a rasgar as calças e a esfarrapar os ténis. E ainda bem. Quer dizer que continua a ser o meu terrorista, mas um pouco mais calmo. Mais civilizado. Ninguém o quebrou, só o vergaram um bocadinho. O que, bem vistas as coisas, era uma necessidade premente, dado que está prestes a fazer oito anos e já está no terceiro ano.

Devo dizer que tive algum receio do catolicismo daquela escola. Tal como na escola do Diogo, disseram-me que não eram “muito fixados em Jesus”. Avisei-os de que eramos todos ateus há várias gerações e que assim tencionávamos continuar, graças a Deus. No início, o Vasco dizia que, afinal, era fácil rezar. Bastava dizer muito depressa: “Qualquer coisa, qualquer coisa. Qualquer coisa, qualquer coisa. Ámen.” Perguntei o que era a “qualquer coisa”. Explicou-me que não era importante. O importante era benzer-se no fim sem trocar as voltas. E que isso, ele já sabia fazer. Atar os sapatos é que ainda não. Passadas umas semanas, também já sabia o que eram os Testamentos. O velho, o novo e o assim-a-assim. Foi pela primeira vez rezar à igreja e achou-a fria. Mas gostou. Descobriu que uma das professoras é cristã e a outra ateia. Tal como nós. Continua a adorar a mitologia grega. E a achar que todas as histórias são igualmente bonitas. Quer queiramos, quer não, vivemos numa sociedade judaico-cristã, pelo que este conjunto eclético de conhecimentos de pendor religioso só poderá contribuir para uma boa cultura geral.

Para além da Matemática e do Francês, o Vasco também foi avaliado a Ciências, História, Geografia, Inglês, Religião, Ginástica e Natação. Mas o mais curioso, na minha opinião, são as notas atribuídas em pé de igualdade à Escrita/Cuidado na apresentação, ao Comportamento face ao trabalho e ao Comportamento face aos outros. O resultado de todas estas avaliações deu origem a uma média global de 85,6%. Como não podia deixar de ser, fiquei orgulhosa na minha coisa pequena, que se fartou de trabalhar para acompanhar o ritmo da nova escola. E fiquei absolutamente deliciada com este colégio, que põe o estudo da Matemática ao mesmo nível do Comportamento face aos outros. Um justo equilíbrio, parece-me.

O próprio boletim tem uma curiosa introdução dirigida ao aluno, que penso ser interessante traduzir:

Acabaste de receber o teu boletim. Tem bastante cuidado com ele, pois de certo modo é o teu diário de bordo durante este ano escolar. Será testemunha dos teus esforços, progressos e sucessos, mas talvez também das tuas dificuldades.

Neste dossier, encontrarás igualmente diferentes documentos:
- Uma página reservada às notas que obtiveste nas diversas avaliações
- Uma página onde poderás ler os comentários e apreciações que faço sobre o teu trabalho
- A página seguinte, onde deverás avaliar o teu próprio comportamento face ao trabalho e à tua atitude perante os outros: os teus colegas e os adultos. Vais ter de fazer um esforço de reflexão para analisar as situações propostas e eu sei que isso não será propriamente fácil. Nesta mesma página, eu também vou escrever o que penso do teu comportamento face a estas proposições.

O meu desejo é ajudar-te graças aos meus encorajamentos e opiniões. Quero que saibas que podes contar comigo se sentires dificuldades, tentarei estar disponível para ti. Em contrapartida, espero que estejas atento, que faças o melhor que és capaz, quaisquer que sejam os resultados que obtenhas. Não te esqueças de que a tua profissão actual é: estudante. Portanto, dá o teu melhor, trabalha regularmente, não te contentes com o mínimo, de modo a que este boletim de avaliação seja uma enorme fonte de satisfação pessoal.

Acho que está tudo aqui. Ou quase, quase. Tudo o que eu espero da escola. O respeito pelo aluno, a sua responsabilização, a difícil mas necessária auto-avaliação, o encorajamento, a exigência de que cada um dê o máximo de si e a ideia de que o resultado escolar, em todas as suas vertentes académicas e sociais, deve ser uma fonte de satisfação para o próprio (não para os pais).

Às vezes é difícil levar o barco a bom porto. A minha vida tem momentos muito complicados. Mas, caramba, quando leio estas coisas sinto que estou no sítio certo. Este é o ensino com que sonhei para os meus filhos. A 100 e a 900 metros de minha casa. A custo zero. I rest my case.

7 comentários:

  1. E muitos parabéns a ti :)
    De facto, só por haver esse cuidado no feedback dado aos alunos/pais já dá para perceber que estás a falar de instituições de valor.

    Se me permites um comentário à parte, não deixa de custar-me um bocadinho isso do rezar "qualquer coisa, qualquer coisa, amen". Eles obrigam-no a rezar? É que isso não é nada para o Vasco e também se afasta do propósito da oração, para quem acredita que significa alguma coisa. É pena.

    ResponderEliminar
  2. Concordo contigo, Gralha. Mas eles têm de fazer uma curta oração no final do dia... felizmente, parece que o Vasco já aprendeu a rezar entretanto. :)

    ResponderEliminar
  3. É este o tipo de escola que procuro para os meus filhos.
    Apesar de acreditar muito na escola pública, acho que cá no nosso portugalinho, a coisa anda pelas ruas da amargura... e professores desmotivados dão péssimos mestres, por muito que amem a sua profissão e por muito que tenham vocação. E isso custa-me, porque tenho a exacta noção do impacto que isso terá na vida do meu filho, não só a nível académico, mas a nível emocional e pessoal. Porque os professores também são "exemplos a seguir", logo depois dos pais e amigos.

    E tu tens mesmo muitos bons motivos de orgulho :)

    ResponderEliminar
  4. É triste, Naná. Uma boa escola devia ser um direito básico de qualquer criança. Não basta dizer que o ensino é gratuito... o ensino de qualidade devia ser gratuito e um dado adquirido.

    ResponderEliminar
  5. Penso que os resultados são muito bons para ambos. E que estarem bem integrados, qualquer deles, na nova escola, revela que estão equilibrados emocionalmente. Que tenham melhores notas a francês do que muitos alunos de francofonia materna também ajuda à integração deles e à forma como são tratados pelos professores.

    No caso do Diogo, a sua boa integração na nova escola significa que na soma das chantagens que foram feitas sobre ele e das mentiras que lhe foram ditas (sobre processos já metidos, mas afinal inexistentes) com a qualidade da escola e dos professores e a boa relação com os colegas o bom senso e as qualidades intelectuais dele levaram a melhor. E ainda bem, pois, como já foi aqui dito, o ensino em Portugal anda pelas ruas da amargura. Culpa do liberalismo e da austeridade (pois quem recebe desde 2012 bem menos que em 2011, e com cortes crescentes de ano para ano, mesmo que bem intencionado, não pode estar minamamente motivado, e de um MEC cada vez mais "sem direcção" e com exigências irresponsáveis sobre os docentes.
    Quanto ao Vasco, com a mudança de escola e de exigência, a sua integração também revela maturação. No entanto, acho que a questão da religião poderia ser melhor equacionada pela escola. Falaremos disso outra ocasião.
    Em suma: dá os meus parabéns aos dois! E também estão de parabéns os dois adultos que os têm acompanhado/orientado nesse processo
    .
    Fogo: conseguiste sacar-me um elogio - o que é mais difícil do ganhar ao King (uma vez, e sem direito a desforra posterior) :-)

    ResponderEliminar
  6. Ah, esqueci-me de uma coisa: a má letra do Diogo. Diz-lhe que ele tem MESMO de melhorar isso, pois os professores têm de entender o que ele escreve, para o poderem avaliar.
    Ele que não queira correr o risco de lhe acontecer o mesmo que a mim, quando fiz o (antigo) 7º ano do liceu, em Moçambique, e um professor de Filosofia (que ainda não me conhecia e se veio a tornar um grande amigo meu) se recusou a classificar o primeiro teste que lhe entreguei, com 8 páginas escritas, alegando que não tinha conseguido perceber nada... Ou passar pela vergonha de, já na IBM, ter de ir pedir à minha secretária que me ajudasse a decifrar um texto que eu tinha escrito, pois ela percebia a minha letra melhor do que eu...
    A comunicação faz-se para um receptor. se o receptor não percebe, e/ou fica chateado, a culpa é sempre do emissor. SEMPRE. E se a comunicação é manuscrita, a letra tem de ser legível pelo receptor...

    ResponderEliminar
  7. É pá... um elogio, Arturzinho?! Duplo e tudo?! É que vou imprimir esta página e emoldurá-la. Ah, e pô-la ao lado desse histórico resultado do King! ;)

    ResponderEliminar