quarta-feira, 18 de maio de 2016

Perigos da linguagem metafórica


(porque me tinha esquecido de vos contar esta,

que merece ficar para os anais da história familiar)



Na sexta-feira passada, zanguei-me a sério com o Diogo. Não foi nada de muito grave. A semana tinha sido longa. Tinha trabalhado, dado aulas, traduzido… estava exausta. No Verão, anoitece tarde na Bélgica. Estava um dia bonito e quente. Depois do jantar, propus irmos todos dar a volta ao lago. Normalmente, é o nosso momento a dois. Os nossos 2,5 km de sossego. Mas estava a apetecer-me estar com os miúdos, falar, ouvir os risos deles…
Para não variar, o adolescente reagiu mal à proposta. Resmunga sempre que vamos fazer um programa qualquer, um passeio, uma ida ao cinema ou até mesmo ao restaurante. Raça do miúdo só está bem enfiado em casa! Quando o obrigamos, faz aquele ar de juvenil enfado e arrasta os pés. Aos poucos, vai desanuviando e esquece-se de manter a compostura. Deve dar uma trabalheira desgraçada fingir aborrecimento e obrigação durante muito tempo. Acaba sempre a rir, divertido. E, no fim, agradece invariavelmente e admite que fizemos bem em forçá-lo a vir connosco. Já há muito que deixámos de ligar ao arranque tumultuoso, preferindo concentrar-nos na chegada entusiasta.
Na sexta-feira passada, ao anúncio do passeio, seguiu-se o fado habitual. Como não podia deixar de ser. Só que eu estava demasiado cansada para conseguir reagir com a fleuma necessária. E o Diogo arriscou a bater o pezinho no chão, como um miúdo birrento. Foi a gota de água. Gritei-lhe que estava farta daquela atitude malcriada e que já não queria a sua presença no passeio familiar, que se pretendia aprazível para todos. Mandei-o para o quarto de castigo. E acrescentei que, já que só parecia sentir-se bem ali, não podia sair do quarto até terça-feira de manhã, quando voltasse para a escola.
No sábado, foi cada um à sua vida. O Diogo dormia. O meu amor saiu cedo para ir “dronar”. Eu fui com o Vasco ao ballet. Depois, fomos comprar um novo par de ténis… coisa pequena não cresce para cima, mas está a ficar com umas patorras enormes. Entretanto, deu-nos a fome. Cometemos a loucura do mês e fomos comer umas frites, que nos souberam pela vida. Apeteceu-nos ir ao cinema. Fomos espreitar as sessões de Malmedy, nada. Fomos até Stavelot, nada. Desiludidos, decidimos voltar para casa. Chegámos por volta das quatro da tarde. Não se ouvia vivalma. Enfiei os fones e fui traduzir. O Vasco foi brincar lá para cima com o irmão. Perto das seis, veio perguntar-me se podia levar-lhe o DVD do Criminal Minds. E comida… Hein?! Lá me explicou que, como o irmão estava de castigo no quarto até terça-feira, queria ajudá-lo a sentir-se melhor.
Mandei chamar o queixoso para ouvir de sua justiça. Pediu-me desculpa pela malcriação da noite anterior. E explicou-me que tinha levado o castigo muito a sério. Ainda só tinha saído do quarto para comer qualquer coisa à pressa de manhã. “E o almoço?!”  “Não almocei.”  “E foste à casa de banho?!”  “Muito depressa, só quando saí de manhã para comer.”  “Mas és parvo ou quê?!”  “Disseste que não podia sair do quarto até terça-feira…”  “Já ouviste falar em linguagem metafórica?!”  “Não percebi.”  “Queria dizer que ias ficar em casa de castigo durante o fim-de-semana prolongado, porque não voltava a obrigar-te a sair. Estou farta das tuas cenas!”  “Ahhh… mas isso não é bem um castigo, pois não?”  “E tu não achaste que o outro castigo era um bocadinho excessivo?!”  “Mais ou menos.”    “Por acaso ando a educar-te para aceitares as maiores idiotices sem argumentar, mesmo vindas de mim?”  “Não podia argumentar sem sair do quarto…”
Ia morrendo, a sério. Não sabia se havia de rir ou chorar. Este palerma vai fazer 15 anos, mas por vezes mais parecem 5. Se o irmão não decidisse salvá-lo, era capaz de morrer até terça-feira para não desobedecer ao castigo. Nunca vi um espírito contestatário tão mal aplicado, benza-o Deus!




5 comentários:

  1. " Por acaso ando a educar-te para aceitares as maiores idiotices sem argumentar, mesmo vindas de mim?": muito bom!!! Mas é muita dialética para a cabeça de um adolescente...Devia ser por isso que, no antigamente, se dava uma chapada e não havia cá conversa! Também ninguém era educado para refutar as decisões dos mais velhos...Bom fim de semana, Rita! Beijinhos

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    1. No outro dia, também se virou para mim e disse:"Mas porque é que não me dás um estalo e acabas com isto?!" Por "isto" subentenda-se o sermão... ih, ih, ih! ;)

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  2. Lá está a "carga" de muitas gerações que ficaram lá para trás mas que estão na genética do Diogo : a mãe quer ser moderna, mudar a o tipo de relação com os infantes e vai o primogénito preferir o movimento da mão em detrimento de uma conversa pedagógica...Lol, como se dizia há uns tempos!

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