(e um só desejo)
Há muito que precisava
de um mês como este, que já me deu tantas lições, apesar de ainda ir só a meio.
Não foi um mês de férias, longe disso. Mas foi um mês em que estive ocupada a
olhar para dentro. Para o essencial. Às vezes, esqueço-me de cultivar o
essencial. Mas a vida arranja sempre maneira de mo recordar.
O essencial é ter o meu
filho Vasco com saúde. Mesmo que fique para sempre a minha coisa pequena. Literalmente
pequena. Passei estes últimos dois anos a correr para o endocrinologista, numa
tentativa vã de perceber o que o impedia de crescer (para além da genética
evidente). Mas, depois, quando finalmente se encontra o culpado, o mundo desaba
porque afinal a explicação não é tão simples quanto eu desejava. O tratamento
ainda menos. E nesse momento – nesse preciso momento – percebemos o quanto nos
afastámos do essencial. Percebemos como fomos fúteis e estúpidos. Quem ditou o cânone
estético? Quem decretou que o tamanho era uma característica essencial?
O meu filho Vasco é
pequeno. E será sempre pequeno. Resquícios do povo mongol que povoa a minha
genética longínqua. Mas tem uma alegria de vida imensa. Uma inteligência sagaz,
que é coisa rara. Uma sede de conhecimento inesgotável. O meu filho Vasco tem
música na alma. E dança no corpo. Não recua perante nada, tem uma coragem
espantosa. Uma absoluta ausência de medo. Excepto de alturas, que contraria com
uma tenacidade feroz. Tem uma tendência natural para contornar convenções e regras
e restrições e normas e proibições. O meu filho Vasco é uma pessoa de pessoas.
Tem um charme natural. Uma luzinha que brilha. Uma capacidade de ir ao encontro
do outro, seja ele quem for. É de gargalhada fácil. E de lágrima ainda mais
fácil. Vive com o coração fora do peito, sempre pronto a comover-se com as mais
pequenas coisas que escapam ao comum dos mortais. O meu filho Vasco é um
coca-bichinhos do detalhe. Um guardião de lendas, de histórias, de mitos. Um
acumulador de memórias infinitas, que narra com uma precisão espantosa. O
mundo, aos olhos do Vasco, é uma fonte inesgotável de surpresas. Cada amanhecer
traz consigo um manancial de novas aventuras. Por isso, vive depressa. Adormece
tarde e acorda muito cedo. Há tanto para viver! O espaço e o tempo são conceitos
abstractos, subjectivos, que domina com mestria. Está aqui, mas não está. Está
algures, num mundo próprio. Incomensuravelmente mais vasto e rico do que o nosso.
Porque o meu filho Vasco, como dizia Caeiro, é do tamanho daquilo que vê, não
do tamanho da sua altura. E será sempre muito grande, independentemente dos
valores ditados pelas normas comezinhas.
Se neste momento
pudesse pedir um desejo. Um único desejo. Se neste momento tivesse a quem
rezar. A quem fazer um só pedido. Pedia que o Vasco tivesse saúde. Sei que nada
mais lhe falta. A este meu pequeno grande filho.
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