(é
que às vezes ainda me custa a acreditar)
Há
muito tempo que não escrevo sobre o meu amor. E é injusto. Porque ele faz-me
imensamente feliz.
Porque
nos apaixonámos há quase dois anos e eu ainda coro quando ele olha fixamente para
mim. E todos os dias agradeço a sorte que tive por as nossas vidas improváveis
se terem cruzado.
Porque
ele regressou de Itália para me ajudar a atravessar uma fase mais turbulenta da
minha vida e, seis meses depois, ainda não se foi embora. Não sei como.
Porque
ele partilhou muitos barcos, muitas viagens, muitas aventuras, mas nunca tinha
lançado âncora. E, agora, atracou num porto onde a bonança tarda.
Porque
aceita que eu não quero conhecer família, nem amigos. Compreende que a
passarinho ferido, não vale a pena pedir para voar.
Porque
continua a abrir os braços todas as noites para eu me aninhar. E deixei de
ter pesadelos pela primeira vez na vida.
Porque
ainda gostamos muito de fazer aquelas coisas que os adultos fazem em privado.
E, pelo sim, pelo não, continuamos sem cama, a dormir no chão.
Porque
ele é a minha armadura. O meu escudo, a minha espada. Às vezes, o meu braço,
quando a força me falha. Recebe sempre o embate inicial de tudo o que de mal me
acontece. Toma como seus os meus inimigos. Indigna-se mais do que eu. Procura
soluções, mas primeiro dá-me muitos beijos. E chama os bois com nomes que me dão
sempre vontade de rir.
Porque
se levanta para dar festinhas ao D. Fuas sempre que o vê a abanar o rabo, a
olhar docemente para ele.
Porque
fala cada vez melhor português, com um sotaque que me derrete. Porque conhece o
país, a história, a política. A triste economia. Pede para ouvir Toquinho e
Vinícius. Cita Pessoa de cor. Devora bolo-rei, ovos escalfados com ervilhas,
açorda de camarão e feijoada. Só é pena gostar tanto de farinheira como nós.
Porque
ele roubou o coração do meu filho pequenino. E construiu um mundo só deles.
Porque faz questão de assistir às aulas de ballet e de violino. Faz-lhe
chocolate-quente às escondidas. Leva-o ao médico. Diz orgulhoso que a directora
da escola o trata pelo nome. Porque inventa ditados palermas e ensina os
números negativos. Fica horas a ver vídeos antigos no Youtube. Porque dá três
nós nos atacadores. E ri quando o Vasco dá puns no colo dele.
Porque
quando estou de folga, ele levanta-se sempre num ápice para levar o Vasco à
escola. Enquanto eu durmo mais um bocadinho, combina roupas, faz lanches,
verifica dentes lavados, sacos de ginástica e ajuda a escolher os melhores “Gogos” para
combater nesse dia no recreio.
Porque
é o melhor exemplo que o meu filho grande podia ter. Um porto seguro no meio da
tempestade típica da adolescência. Que sabe levantar a voz e zangar-se a sério.
Mas que não se importa de mostrar as suas fraquezas. Porque gosta de o ouvir
tocar trompete, mesmo quando toca mal. Porque o ouve pacientemente discorrer
sobre tudo o que se passou na escola, do primeiro ao último toque. Porque o defende
sempre que recebe um mau resultado ou tem um ataque de preguiça e foge às
tarefas diárias. Ou quando se recusa a vestir o casaco, apesar de estar um frio
de rachar. Porque se lembra de lhe lavar as calças preferidas. E nunca se
esquece de mentir quando o Diogo lhe pergunta se tem o cabelo espetado. Porque
lhe cede sempre o último pedaço de carne. E sabe o nome de todos os seus
amigos.
Porque
se levanta de manhã e nos prepara pequenos-almoços de telenovela. Aqueles
pequenos-almoços de hotel que ninguém come. Excepto nós. E quando vai ao pão ao
fim-de-semana traz sempre um mimo para cada um: gaufre de alperce para mim,
chocolate branco para o Diogo e chupa-chupa de chocolate de leite para o Vasco.
Porque
adora passear sozinho comigo, de mão dada, à volta do lago ao entardecer. Ou à
noite, para vermos as estrelas.
Porque
faz compras, cozinha, limpa, aspira, lava, engoma e cose em perfeito pé de
igualdade. Porque nunca discutimos sobre dinheiro. Ou sobre a falta dele. Sobre
quem faz-mais-o-quê. Porque a rotina estabeleceu-se espontaneamente, sem nunca
termos pensado muito sobre isso. E é tão natural que quase me esqueço que é uma
raridade.
Porque
não resmunga quando volto dos nossos passeios com paus ou pedras para fazer
qualquer coisa em casa. E guarda com o maior dos carinhos tudo o que faço.
Porque
passado este tempo todo, ainda nos vamos deitar às 2 da manhã, porque estivemos
a noite toda à conversa. E às vezes continuamos no escuro até adormecermos.
Porque também somos amigos.
Porque
trocamos mensagens e telefonemas para não dizer coisa nenhuma. E no fim ele diz
“Beijinhos” e eu rio-me. Porque ele ainda me chama “Raposinha” e “Petit Coeur”.
Porque
cada vez que ele está concentrado a trabalhar e eu passo por trás, não consigo
deixar de lhe dar um beijo no pescoço. E um abraço.
Porque
adoro mimá-lo. E ele adora surpreender-me com novos passeios.
Porque
gostamos muito de fazer programas a quatro, mas também adoramos enroscar-nos no
sofá a ver uma série. Ou um daqueles filmes antigos de que ele tanto gosta.
Porque
as minhas colegas todas o adoram e estão sempre a dizer: “Esse homem ama-te
mesmo. Olha só como ele cuida dos teus filhos…”. E eu fico toda orgulhosa,
porque sei que é verdade. É isso e muito mais.
Porque
ele cuida de mim. E eu cuido dele. Sem nenhuma obrigação, apenas porque queremos.
Porque gostamos de cuidar um do outro. Porque nos amamos.
Afinal isto de falar de amor é uma piroseira pegada, mas de vez em quando
também é preciso. Apaixonarmo-nos por uma pessoa é algo que acontece. Amá-la
é uma decisão que tomamos, conscientemente. Todos os dias, uma e outra vez. Nós
tivemos a sorte de nos apaixonarmos, mas depois decidimos amar-nos. Numa espécie
de alinhamento perfeito de toda uma série de factores encadeados, que nos
esforçamos por manter vivos. Por cuidar.