(porque já entrámos na recta final,
mas não sabemos muito bem onde fica a meta)
Passamos
tantos anos a impor limites aos nossos filhos que temos tendência para esquecer
os nossos próprios limites. Ultimamente, tenho reflectido muito sobre esta
questão. Porque quando um filho entra na adolescência é normal que comece a
proteger ferozmente as fronteiras do seu mundo. Interior e exterior. O respeito
total pelo universo interior do adolescente parece-me uma evidência. E, pelo
menos no nosso caso, tem sido bastante fácil. Até porque é um processo que se constrói
desde a mais tenra infância. Obviamente, à medida que a criança cresce, torna-se
mais complexo, mais secreto, mais intrigante… mais perigoso. Mas, lá está, faz
parte da sua intimidade e está-nos naturalmente vedado. Acho importante deixar
livre curso aos meus filhos, nesse terreno. Não espero que sejam um livro
aberto. Não quero que me contem a sua vida toda ao pormenor. O que pensam, o
que sentem, o que dizem, o que ouvem, o que anseiam. Cada um dos seus passos.
Cada minuto do seu dia. Confio plenamente neles e respeito-os. Penso que só
assim poderei esperar que tenham confiança para recorrer a mim, quando
precisam. E a verdade é que mesmo o adolescente ainda precisa muitoooo.
Sou
uma mãe bastante liberal, creio eu. Pelo menos, esforço-me por isso. E
repreendo-me a mim mesma, quando não consigo ser na prática aquilo que defendo
na teoria. Quando educamos os nossos filhos para se tornarem autónomos o mais
cedo possível, depois temos de ser coerentes e dar-lhes rédea. Mas isto não
quer dizer que lhes demos rédea solta. Para nos mantermos nas metáforas
equestres… quando saltamos, o cavalo tem sempre de olhar para baixo para
avaliar o obstáculo que tem pela frente antes de se lançar. Precisa de rédea
curta, mas suficientemente larga para baixar a cabeça à vontade. Se o cavaleiro
não souber usar as pernas vai cair na certa… Nos saltos de obstáculos, a rédea
serve para muito pouco. Acredito que educar um adolescente seja isso mesmo:
chega um momento em que a rédea se faz discreta, o controlo quase invisível
faz-se por outros meios. Sendo que o melhor meio – com cavalos e com filhos –
será sempre a confiança mútua. Cada um deve saber o que tem a fazer e confiar
no outro. Caso contrário, o trambolhão é iminente.
O
problema diz respeito ao mundo exterior, como é evidente. Aqui, digamos que
surgem alguns “conflitos de interesses” materno-filiais. Porque se torna extremamente
difícil gerir o comprimento das rédeas. Quando devemos impor a nossa vontade? Quando
devemos respeitar os limites que os filhos nos tentam impor? Onde está o
equilíbrio saudável? É inegável que há decisões que terão repercussões irremediáveis
no futuro dos nossos filhos. Tal como é incontestável que a idade nem sempre
lhes permite tomar as decisões mais esclarecidas e maduras. Nesses casos,
cabe-nos a nós evitar o disparate. Explicar. Argumentar. E, em último caso, até
mesmo impor determinada vontade. Castigar, se preciso for. Mas não me parece
que seja muito produtivo dar castigos meramente punitivos a um adolescente. Do
tipo, “não fizeste o trabalho de casa, ficas sem o computador”. Nestas idades,
vale mais responsabilizá-los e motivar uma mudança de atitude. Se tal não
suceder, creio que é melhor retirar a rede de protecção e deixá-los arcar com
as consequências. A aprendizagem faz-se sempre por tentativa e erro. Embora
seja difícil deixá-los cometer erros “menores” para que, um dia mais tarde, não
comentam erros mais graves. E isto não é apenas válido no caso dos adolescentes.
No outro dia, o Vasco esqueceu-se do saco da Natação e eu fui levar-lho à sala
de aula. Apanhei um raspanete da directora… muitíssimo justo diga-se de
passagem, porque ele voltou a esquecer-se, na semana seguinte. Ou seja, eu
cheguei atrasada ao trabalho e ele não aprendeu rigorosamente nada.
As
relações afectivas e a sexualidade dos jovens costumam levantar uma série de
problemas. Provavelmente, porque poderão ter consequências futuras mais ou
menos irreparáveis. Conheço casais que não deixam que o namorado/a vá a casa
deles na sua ausência. Também há aquela variante de pais que não deixam que os
filhos fiquem sozinhos com o namorado/a no quarto. Ou que pensam que “essas
coisas” só acontecem na calada da noite. Por aqui, temos tentado arranjar
estratégias que não traiam os nossos princípios. Os amigos e namoradas são
sempre bem-vindos a nossa casa, estejamos presentes ou não. Só pedimos para ser
avisados, por uma questão de respeito. E achamos normalíssimo que os jovens
queiram ficar restritos ao seu espaço, no último andar, onde podem estar mais à
vontade. OK… à vontade não quer dizer
“à vontadinha”. A regra é que a porta do quarto deve ficar aberta. Mas não vamos
lá confirmar. Aliás, eu nem sequer subo as escadas. Se precisar de falar com o
Diogo, mando um grito cá de baixo. Ou um SMS, que é sempre daquelas coisas que
diverte as visitas (antes de perceberem que é um bocado cansativo estar a subir
três andares só para dar um recado…). Ou seja, confio no meu filho. Com quase
16 anos, o Diogo tem as informações todas de que precisa. E sabe exactamente o
que nós pensamos sobre esse assunto. Não sei se estaremos a fazer o mais
correcto, mas tenho a certeza de que a proibição nunca será a solução. Por isso, é confiar e deixar andar...
Neste
momento, a minha maior dúvida prende-se com a escolaridade. O Diogo é um
excelente aluno, que tem uma paixão assolapada pelo seu colégio. O problema é
que, sendo uma escola de “proximidade”, como se diz por aqui, é bastante
pequena. É uma espécie de microcosmos que está muito distante da realidade que
o espera na universidade, daqui por pouco tempo. No primeiro ano, começam com
dez turmas. Seis anos depois, restam apenas duas. Ou seja, as opções são
forçosamente bastante reduzidas. Para nosso azar, é uma escola de pendor
científico. E o filho crescido é mais versado nas ciências sociais e humanas.
Se fizer os dois anos que lhe restam no Sacré-Coeur, ficará com um furo no
horário. Não o estou a ver a ter seis horas de Matemática, mais seis horas de
Ciências… Na realidade, não vem mal ao mundo, mas penso que poderia aproveitar
esse tempo para aprender mais uma língua, por exemplo. Ou para estudar música.
Ou outra coisa qualquer. Por outro lado, sei que a protecção que este colégio oferecia
foi muito benéfica para o Diogo, que era uma criança com alguns problemas de
sociabilização. Hoje, a história é outra. Trata-se de um miúdo bastante bem enturmado
e popular. Talvez esteja na altura de levantar voo e abandonar este mundo tão
protegido, onde os professores têm demasiada tendência a adaptar-se aos desejos
e vontades do Diogo. O assunto tem sido largamente debatido, lá em casa. Já
repeti inúmeras vezes os meus argumentos. E até já arranjei novos argumentos
para o convencer a ir para uma escola em Liège. O meu amor também está farto de
tentar. Até agora, a recusa foi categórica.
Hoje, jogo a minha última cartada.
Vamos à “journée portes ouvertes”, no final do dia.
O Diogo, a namorada e eu. A coisa pequena vem atrelada, porque também gostava que viesse
para esta escola no sétimo ano (e o argumentário funcionou, no caso dele). Espero que a escola em si convença o filho crescido. Ou o
estúdio de música, sei lá. Os professores. As actividades. Os alunos. Estou por tudo, admito. Custa-me muito deixá-lo tomar
decisões que vão completamente contra o que julgo ser o melhor para ele. Até
mesmo porque o meu amor pensa que devíamos obrigá-lo a mudar de escola e ponto
final. É a primeira vez que não estamos de acordo quanto à educação dos miúdos.
Mas quero ser fiel a mim mesma. Trata-se da vida do Diogo, a decisão
cabe-lhe exclusivamente a ele. Provavelmente, será o primeiro grande erro que
vou deixá-lo cometer. Mas ser mãe também é saber quando retirar a rede de
protecção.
Sem comentários:
Enviar um comentário