(reflexões que provêm de muitas horas de trabalho
num salão dedicado às famílias)
Olho
à minha volta. O zunzum é ensurdecedor. Bandos de casais com crianças a
reboque. Muitas crianças. Demasiadas crianças, que os belgas são gente que
gosta de procriar. Os filhos únicos, aqui, são uma raridade. Na verdade, são uma
raridade tão rara, que eu nunca vi nenhum. A maioria dos casais que conheço
tem, no mínimo, três filhos. Quatro, cinco, seis… Começam bastante cedo e
têm-nos todos seguidos. Três anos de intervalo parece ser a média nacional
consensualmente defendida.
E
eu, que sonhava com uma prole numerosa e me derretia à visão de um bebé, sinto-me
de repente enjoada. Enfastiada. Este é um sentimento deveras estranho e novo
para mim. Mas a realidade é que olho agora para estes casalinhos todos com uma
imensidão de filhos – filhos vários, filhos cópia-conforme, filhos em fila,
filhos a choramingar nos slings, a
esbracejar nos carrinhos, a correr bamboleantes à frente ou a arrastar os pés
atrás – e já não me revejo nesta imagem. Sinto mesmo uma certa repulsa.
Que
sociedade é esta em que dois jovens apaixonados (ou nem por isso) têm como sonho
supremo criar uma família? Em que as pessoas justificam a sua existência
através de uma imagem consensual de família? Uma família que, depois, vive anos
a fio exclusivamente em função destes filhos? Cujo dia-a-dia se esgota na sua
função parental? Em que um mais um não dá dois, mas obrigatoriamente muitos?
Estou
feliz com os dois filhos que tenho, são perfeitos. Chegam-me bem.
Sinto-me plenamente realizada. Sinceramente, pergunto-me como diabo pude um dia
desejar ter mais filhos? A certeza de que essa parte da minha existência está
definitivamente encerrada e resolvida, dá-me uma paz imensa que nunca antes tinha
sentido.
Foi
preciso muito trabalho interior para eu perceber finalmente que os meus filhos
são a coisa mais importante do meu mundo, mas que há mais vida para além daqueles
dois seres. Que respeitá-los é continuar a evoluir como pessoa. Trilhar o meu
caminho individual. Que amá-los é também ter vida própria. Que nós os dois, o
meu amor e eu, formamos uma entidade de per
se. Onde os meus rapazes são uma parte central, são a maior parte. Mas não
são tudo, longe disso. Gostamos de viver um para o outro, num amor que se quer
exclusivo. Namorar é um verbo que se conjuga apenas na primeira e na segunda
pessoa do singular. E é exactamente por isso que seremos eternamente namorados.
[
No meu trabalho há seis colegas grávidas. Muito grávidas. Obviamente, os filhos
são um tema recorrente. Toda a gente conhece o meu amor e lhe gaba o amor
imenso que tem pelo Diogo e pelo Vasco. Volta e meia, lá vem a pergunta da
praxe: “Quando é que vocês têm um filho?” “Ehhh… Nunca? Ele nunca quis ter
filhos e eu não quero mais.”, respondo inflexível. Por vezes, perguntam-me se não
tenho pena de não ter um filho só nosso, de não ver o meu amor ser pai. A
questão é que eu vejo o meu amor ser pai todos os dias. Pela primeira vez,
tenho alguém ao meu lado com quem divido tudo. Quando estão doentes, ele está
lá. Sempre. Quando é preciso fazer os lanches para levar para a escola. Ou o
chocolate quente com pepitas de chocolate que o Vasco adora. Quando é preciso
levar às aulas de música ou rever a matéria que sai no teste. Quando é preciso secar
lágrimas e ouvir segredos. Por isso, não. Não sinto falta nenhuma de ter mais
um filho para sermos uma família como todas as outras. A família que nós somos
deixa-me plenamente feliz. ]
Fiz o mesmo percurso emocional. Acredito que há muitas famílias para quem ter muitos filhos é o ideal mas ainda bem que percebi que esse não é o nosso caso antes de perder a cabeça e ir para o terceiro, quarto, etc. Cada família tem o seu equilíbrio e ninguém de fora tem nada a ver com isso, ponto.
ResponderEliminarAdorei este post!
ResponderEliminarSim... acho que se trata mesmo de um percurso emocional, Gralha. De percebermos onde é que nos situamos e o que queremos da vida a longo prazo.
ResponderEliminarObrigada, Mel! Eu continuo à espera da continuação da história do nascimento do teu irmão... :)