(a
certeza das palavras)
Quando
entrei para a Faculdade de Letras, há vinte anos atrás, o meu objectivo era ser
professora de Português e Francês. A dificuldade nas colocações não me
assustava, queria instalar-me algures numa terriola perdida no Alentejo. E por
ali ficar, a dar aulas e a ter filhos, numa vida bucólica completamente
idealizada. Enfim, não se pode dizer que aos 18 anos as minhas ambições fossem
grandes…
Felizmente,
tive a oportunidade de dar aulas durante o último ano da licenciatura e percebi
que aquilo não era bem o que eu tinha imaginado. Nem teve a ver com o facto de
ter calhado numa escola problemática, na Brandoa. Adorei lidar com a miudagem
revoltada, mas detestei o “sistema”, por assim dizer, que a condenava tão
precocemente. E que me condenaria certamente a uma vida de insatisfação. Nunca
me ocorreu pôr em causa a minha escolha inicial, estava no curso certo. E na
faculdade certa, diga-se de passagem. O meu mundo sempre girou à volta das
palavras. Decidi, então, fazer um mestrado. Literatura Comparada, uma paixão
que perdura até hoje. Estava convencida de que havia um leque de possibilidades
à minha espera: crítica literária, revisora, bibliotecária, editora… A tradução
era a única área que recusava terminantemente por me parecer desenxabida, para tristeza
da minha mãe que achava a tradução literária o máximo. Mas acho que se pode
dizer que aos 22 anos as minhas ambições já eram bastante maiores.
Durante
os dois anos de seminários, fiz várias coisas. Não que precisasse, que sempre
fui um bocadinho menina do papá. Dei aulas no ensino recorrente, trabalhei numa
editora, num “call center” de dúvidas
da língua portuguesa e numa livraria. Nada daquilo me satisfazia plenamente. O
que eu queria mesmo experimentar era a revisão. Atraía-me a ideia de trabalhar
a palavra, no sentido mais técnico do termo, de a polir. Uma das minhas colegas
de mestrado editava numa pequena editora e eu pedi-lhe para me arranjar um
manuscrito para rever à experiência. Experiência gratuita, obviamente. Qual não
é o meu espanto, quando percebi que o livro que era suposto rever tinha ficado
inacabado… Como o tempo urgia, ofereci-me para desenrascar o editor que tinha
sido apanhado desprevenido. Esse trabalho foi bastante elogiado e acabou por
ser pago, por insistência da editora. E nunca mais parei de fazer traduções.
Não me canso de dizer que não fui eu que escolhi esta profissão, foi ela que me
escolheu a mim, a contragosto. Tornei-me tradutora porque fui a pessoa errada,
no local errado, à hora errada. E ainda bem que assim foi.
Aos
24 anos, achava que tinha o mundo a meus pés. Engravidei do Diogo na fase final
do mestrado. Como era trabalhadora independente, não tinha direito a subsídio
de maternidade. Fiz um esforço nos últimos meses para traduzir toda uma
colecção que me daria o suficiente para me dedicar em exclusivo à redacção da tese
e ao bebé nos primeiros meses. E foi aqui que a vida me trocou as voltas e me
colocou na dependência de alguém durante os 10 anos seguintes. Por várias
vezes, tentei escapar mas acabava sempre por voltar à casa da partida. Este
foi o primeiro de muitos erros que cometi no passado.
E é nestes casos, como muitos noutros, que somos recordadas que isso da igualdade de género ainda é uma bela miragem.
ResponderEliminarTodos os dias me bato por essa utopia ao educar os meus filhos. Vamos lá ver se a sementeira germina...
ResponderEliminarNão esse não foi o primeiro erro dessa fase. O primeiro erro foi a escolha do pai do filho. Vai lá abaixo e lê o que escreveste sobre o "fanfarrão e o gordo" (salvo erro era este o título, não fui verificar). E mesmo aí não se tratava bem de "fanfarronice", mas de bullying, quando tal termo nem era ainda usado. Talvez o fanfarrão tenha sido o primeiro "bullying-ista" do sistema de ensino português...
ResponderEliminarNão posso concordar contigo, pai. Acho que só se pode falar de "erro" quando uma pessoa tem os dados todos na mão e, mesmo assim, escolhe a opção que sabe não ser a certa. Ou seja, quando se tem consciência de que se fez a escolha errada e se insiste no erro por pura estupidez. Nesse sentido, ficar completamente dependente de alguém foi um erro que eu admito ter cometido (contra todos os vossos conselhos, diga-se em abono da verdade). O pai que escolhi para o Diogo não foi um erro, foi um logro.
ResponderEliminarEu que não percebo ainda nada da vida, digo que há coisas pelas quais temos de passar para nos conhecermos um pouco melhor.
ResponderEliminarAdmitir erros é sem dúvida um bom começo! Se daí retiramos a lição...
Se podíamos sofrer um bocadinho menos ao passar pelas coisas?! Dava jeito... mas nem sempre podemos escolher isso!
A título de curiosidade, nunca na vida pensei que um dia iria trabalhar na construção civil e foi lá que fui parar e andei durante 8 anos...
Na construção civil, Naná?! Isso é que é inusitado... :)
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