(ou
as limitações do saber enciclopédico)
O
Vasco ainda não manifestou qualquer interesse pelo sexo oposto. Melhor dizendo,
o Vasco ainda não tem consciência de que “o sexo oposto” existe. Tem tantos
amigos como amigas, de todas as idades, brincando com uns e com outros, indiscriminadamente. Por vezes, à saída da escola, entrega-me papelinhos muito
bem dobrados com declarações de amor inflamadas e pedidos de namoro reiterados.
Papelinhos rabiscados de várias cores, cheios de corações. Acho que não sabe
bem o que fazer com eles, mas custa-lhe mandar aquilo para o lixo. A mim
também, tenho uma caixa cheiinha deles. E lá vai andando, esquivando-se o
melhor que pode às investidas femininas. Se há pessoa que aprecia a
popularidade e que se esforça ao máximo por agradar a todos, é o meu filho Vasco.
Desde que a sua colecção de Gogos ultrapassou as várias centenas, todos os dias
leva Gogos velhos para a escola para dar aos colegas que não têm nenhum. Em
especial, aos meninos mais pequeninos do jardim-de-infância. Adora que o
bajulem, que o venerem. Adora ser conhecido. Fica todo ufano quando as mães lhe
agradecem e comentam que é um rapaz muito simpático. “Gosto de ser amável.
Simpatia gera simpatia”, diz-me o meu pequeno filósofo de trazer por casa.
Isto
para explicar que o Vasco ainda está na fase dos afectos. Olho para ele e tenho
imensa dificuldade em acreditar que já vai para o 4º ano. É um miúdo muito
meiguinho, algo imaturo para determinadas coisas. Se calhar não é bem
imaturidade, é mesmo uma certa alienação consciente de tudo o
que fuja aos seus centros de interesse: música, ciências, astronomia, animais,
geografia, história (em especial, o Egipto antigo). E a literatura, claro. O
Vasco anda sempre com um livro qualquer atrás. Quando um assunto lhe interessa,
tenta adquirir o máximo de conhecimentos possível. Se não lhe interessa, ignora
completamente. Nunca se interessou por aqueles temas “tipicamente de rapazes”,
como os dinossauros ou os carros, por exemplo. Ou o futebol, que abomina. A
sexualidade também nunca pareceu interessar-lhe. Os “factos da vida”, a
reprodução, não lhe suscitam a mínima curiosidade. Eu limito-me a acompanhar
estas paixões, não tento introduzir novos temas. Contrariamente ao meu amor que
tem sempre algo na manga. Agora, são os filmes antigos, na tentativa de
combater a paixão familiar e secular pelo Star Wars. Já tentei explicar-lhe que
é inglório, mas ele insiste.
No outro dia, quando estivemos no Centre Européen do Cheval, tive de lhe dar umas explicações rápidas sobre reprodução animal. Sobre reprodução, tout court. Mas aquele não era nem o
momento, nem o local mais adequado. Quando tentei voltar ao assunto mais tarde,
porque percebi que o Vasco não tinha percebido bem a coisa, ele desviou a
conversa. Não sei se por falta de interesse, se por pudor. Decidi não insistir
e mudar de abordagem. Fui sozinha à biblioteca buscar uns livros sobre
sexualidade… humana, não animal, obviamente. Tive alguma dificuldade em
escolher, admito. A oferta era muita, bastante variada. Por outro lado, os
livros iam dos 5 aos 8 e, depois, dos 9 aos 12. Ou seja, tive de escolher se
queria um livro mais infantil ou já mais crescido… e explícito. Os primeiros
pareceram-me demasiado simples, trouxe dois dos outros. Quando cheguei a casa,
deixei-os em cima da cama do Vasco. E disse-lhe, assim, como quem não quer a
coisa, que tinha trazido uns livros para ele sobre sexualidade. “Sexo?!”,
perguntou-me, todo corado. Respondi-lhe com ligeireza, sem o encarar olhos nos
olhos: “Exacto. Acho que ficaram algumas coisas por explicar, depois do que
vimos. Se quiseres ler os livros, estão aí... Depois, se tiveres dúvidas, podes
falar connosco.”
Passou
esse fim-de-semana a ler os livros. No quarto, no carro, à mesa, na casa de
banho, enquanto andava. Leu os dois de uma ponta à outra, sem parar. Observou
atentamente as ilustrações. Nós não ligámos muito, deixámo-lo estar. No
primeiro dia, apareceu-me aqui, em baixo, de repente. Perguntou se o irmão já
tinha entrado na puberdade. Respondi-lhe que sim e ele foi a correr para o
quarto do Diogo. “A mãe disse que já tinhas entrado na puberdade…” Quando o
irmão confirmou, atirou-se nos braços dele, emocionado. “Ohhh… estás a transformar-te
num homem!!!” O Diogo largou a rir. No segundo dia, veio dizer-me que já tinha
lido tudo. Que podia devolver os livros à biblioteca. “Tens alguma pergunta que
queiras fazer?”. Disse-me que não, que tinha percebido tudo. Até tinha
percebido que eu já tinha feito sexo duas vezes. “Duas vezes?!”, perguntei-lhe
espantada. “Duas vezes, claro! Então, tu não tens dois filhos?!”
Algo
me diz que vamos ter de voltar a este assunto, um dia destes. Aparentemente, o saber enciclopédico tem as suas lacunas. Por enquanto,
acho melhor esperarmos mais um bocadinho…
Como só tive uma filha, um dia disse-me que sabia que eu só tinha "feito o amor" uma vez...
ResponderEliminarPronto... foi só uma vez mas, pelo menos, foi romântico! :)
EliminarDuas vezes... E já gozas! :P
ResponderEliminarAqui há tempos vimo-nos naquela situação terrível de sermos apanhados e é tão, tão desconfortável. Pelo que, para o mais velho, já fizemos três vezes ;) Felizmente já tinha havido "a conversa" antes. Eles interessam-se sobre a questão mas de uma forma muito simples.
Acho que pior do que ser apanhado, só mesmo quando eles chegam àquela idade em que percebem por que eternizamos as manhãs... ;)
EliminarOh pá...
ResponderEliminarSabes que o meu diz que quer ser pai. Há dias percebi que ele pensa que pode sê-lo sem um elemento do sexo oposto....
Na volta, o teu filho é um visionário, Naná! Quem sabe, um dia? ;)
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