terça-feira, 9 de junho de 2015

Toda uma aventura

(onde nos damos conta de que desperdiçámos um bocadinho a vida)


 

Dei-me conta de que devo ter sido uma mãe absolutamente insuportável, nos primeiros meses dos meus filhos. Vá… sejamos honestos, nos primeiros anos dos meus filhos. Não conheço termo melhor do que “mãe-galinha”, mas cheira-me que devo ter ido muito para além disso.

Na primeira noite que ficámos em casa do meu irmão, achei por bem oferecer-me para ficar com o bebé para eles poderem espairecer um bocadinho. Perguntei por delicadeza, tipo pergunta retórica. Nunca pensei que aceitassem. Eu sei que não teria aceitado. Mas eles aceitaram, para minha grande surpresa.

Antes de sair, a mulher do meu irmão explicou-me tudo direitinho. As rotinas e os biberons. O bebé dormia tranquilamente, só devia comer dali a umas horas. A verdade é que não prestei muita atenção. Nunca pensei que eles demorassem tanto tempo. Eu sei que não teria demorado.

O meu amor estava meio abananado com os anti-histamínicos que tinha tomado e foi-se deitar. Eu fiquei por ali, a ler. As horas passaram. Às tantas, o bebé acordou. Esfomeado. Levantei-me calmamente para ir fazer um biberon. Não me lembrava de nada do que a Elke tinha dito, mas pensei que a embalagem do leite em pó devia ter instruções. Esqueci-me de um pequeno detalhe… as instruções estavam, obviamente, em holandês. Os pais, fora. O bebé chorava. O Belga dormia. Comecei a ver a minha vida a andar para trás. Os últimos biberons que fiz para um bebé tão pequenino remontam a 2001. O Vasco mamou até passar para uns leites tetra-pack. Bom, números são números e, bem vistas as coisas, eu só precisava de saber as quantidades. Quantos quilos, quantos mililitros de leite, quantas colheres de leite em pó. Safei-me. Não sei se por ser mãe, se por ser tradutora-adivinhadeira de línguas estranhas, se por ser desenrascada.

O meu sobrinho é um amor de bebé. Riu-se muito, enquanto bebia o biberon, meio sonolento. E, quando a crise tinha passado, chegaram os pais. Fez-lhes bem a noitada, vinham bem-dispostos. E eu pensei que, afinal de contas, bem podia ter saído mais vezes, quando os meus filhos eram pequenos.

Na manhã seguinte, sugeri ao meu irmão e à mulher levar o Luca a passear no carrinho. Eles podiam ir à vidinha deles, que nós tratávamos de tudo. Nunca pensei que eles aceitassem, claro. Uma coisa é tomar conta de um bebé à noite, outra coisa é durante o dia. Eu sei que não teria aceitado. Mas eles são muito mais espertos do que eu era. Aceitaram de imediato de sorriso aberto.

Eis-me, então, na rua com um bebé e o Belga em pânico, porque íamos com um bebé. Passado pouco tempo, estávamos os três em pânico. O Luca porque decidiu que, já que os tios o tinham levado a passear, tinha estoicamente de aguentar acordado. Acordado e a chorar, como não podia deixar de ser. O Belga porque achou que o miúdo estava claramente em sofrimento e decidiu ser empático. Em menos de um nada, estavam os dois em sofrimento. E eu a ter um ataque de nervos, sem saber para onde me virar. Decidi pegar no bebé e continuar o passeio com ele ao colo. O Belga ficou para trás, a olhar para o carrinho sem saber o que fazer. “É só empurrar”, disse-lhe meigamente. E ele lá foi, a empurrar com a ponta dos dedos de uma só mão, não fosse o carrinho ser radioactivo.

Embalado, o bebé adormeceu num instante. O Belga ia tão concentrado na sua missão de empurrar aquele mastodonte contagioso apenas com o poder da mente, que se esqueceu das alergias. Aproveitei a acalmia dos espirros para tentar pôr o Luca de volta no carrinho. Deparei-me com um problema. Ele tinha adormecido agarrado à fralda que eu tinha usado para o proteger do sol. Adormeceu tal e qual como o pai dele, quando era bebé. Portanto, deitei-o assim mesmo. E, com a outra ponta da fralda, tapei-lhe o toutiço careca. Mas o Belga entrou outra vez em pânico. Que na cabeça se usavam chapéus e não fraldas. Que o bebé ia sufocar com aquilo na cara. Que mais valia tê-lo aos gritos do que moribundo. Decidi procurar debaixo do carrinho por um ó-ó e um chapéu para o bebé, antes que o homem tivesse uma apoplexia nervosa. Lembro-me que, quando saía com os meus filhos bebés (e já não tão bebés…), levava sempre a casa atrás. Tinha tudo em duplicado: mudas de roupa, fraldas, chuchas, toalhetes, chapéus, brinquedos, comida, etc. Mas debaixo daquele carrinho não havia nada. Nada de nada. Percebi por que diabo de razão os carrinhos dos meus bebés eram muitooo mais pesados do que aquele…

O dia estava lindo, quente e ensolarado. Amesterdão em peso parecia ter saído à rua. Começámos finalmente a apreciar o passeio. O meu amor lá acabou por se distrair, com a beleza dos canais. Volta e meia espreitava o Luca no carrinho, mas nunca ousou tirar-lhe a fralda da cara. Como toda a gente sabe, pior do que um carrinho radioactivo, só mesmo uma criança radioactiva. Ri-me interiormente. Parecia mesmo uma cena tirada do Monsters Inc..

Decidimos atravessar um canal, para irmos beber um café numa esplanada toda hippiecoiso que parecia ser gerida por umas tias de Cascais. Comemos o melhor bolo de tangerina e os cafés mais merdosos do mundo. Mas soube-nos pela vida, apesar de o serviço ser de uma lentidão nunca antes vista. Decidi mandar uma mensagem à minha cunhada, só para lhe dizer que estava tudo bem. E para lhe dar os parabéns por ainda não me ter telefonado mil vezes a perguntar se o bebé estava bem. Eu sei que o teria feito. Ehhh… isto se tivesse deixado alguém ir passear com os meus bebés, coisa que obviamente nunca teria acontecido.

Depressa percebi que me tinha esquecido do telemóvel em casa. O que explicava perfeitamente a ausência de sms da Elke. Decidimos voltar para trás, não fosse a rapariga estar naturalmente em pânico por termos desaparecido tanto tempo. Eu sei que estaria. Ou, pior, no caso de o Luca acordar com fome.

No meio do stress do bebé que não dormia, que chorava, que queria colo, que dormia com uma fralda… andámos muito mais do que era suposto. Voltámos para casa a toque de caixa, quase a correr. O Belga até se esqueceu da radioactividade e deu uma ajuda a empurrar o carrinho. Chegámos a casa do meu irmão meia hora depois, completamente esbaforidos. Mas a casa estava vazia. Fui a correr para o meu telemóvel… zero mensagens. Já o bebé estava a dormitar no berço há imenso e nós repousadíssimos da corrida, quando eles chegaram. Quando contei a nossa aventura, a Elke respondeu-me a rir que não estava nada preocupada porque sabia que eu era uma pessoa experiente. E é a mais pura das verdades. Em todas as situações, mais ou menos stressantes, eu soube sempre como me desenrascar. Por mais que o tempo passe, há coisas que não se esquecem. Há, principalmente, segurança. Bom senso feito de muitos anos de experiência. O que nunca houve foi esta maneira descontraída e feliz de viver a maternidade, infelizmente. E a minha cunhada, acabada de ser mãe, ensinou-me uma lição. Já vai tarde, mas não faz mal. Não deixa de ser engraçado olhar para trás e ver que também eu cresci, enquanto mãe.

 

[ Também não deixa de ser engraçado passar uns dias a mimar um bebé, a sentir aquele cheirinho bom e a ouvir aqueles barulhinhos deliciosos, e ficarmos felizes por nos virmos embora. Aliviados por pensar que ainda bem que não somos nós. Que aquela fase da vida em que vivemos as 24 horas do dia em prol de um pequeno ser já passou definitivamente. ]

2 comentários:

  1. Estou desejosa de ter sobrinhos para poder experimentar isso mas o meu irmão não está para aí virado.
    Quanto à descontracção, essa nunca me faltou, graças a Deus :) Excepto quando me faltou, também graças a Deus. Fez-se o melhor que se soube.

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  2. Bem sei o que é essa espera, Gralha... foram anos e anos a pedir um sobrinho! E, quando finalmente fui tia, estava prestes a ter o Vasco. Acho que nem sequer gozei bem a coisa, infelizmente. Agora, a ver se me vingo! :)

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