(onde nos damos conta de que desperdiçámos um bocadinho a vida)
Dei-me
conta de que devo ter sido uma mãe absolutamente insuportável, nos
primeiros meses dos meus filhos. Vá… sejamos honestos, nos primeiros anos dos
meus filhos. Não conheço termo melhor do que “mãe-galinha”, mas cheira-me que
devo ter ido muito para além disso.
Na
primeira noite que ficámos em casa do meu irmão, achei por bem oferecer-me para
ficar com o bebé para eles poderem espairecer um bocadinho. Perguntei por delicadeza,
tipo pergunta retórica. Nunca pensei que aceitassem. Eu sei que não teria
aceitado. Mas eles aceitaram, para minha grande surpresa.
Antes
de sair, a mulher do meu irmão explicou-me tudo direitinho. As rotinas e os
biberons. O bebé dormia tranquilamente, só devia comer dali a umas horas. A
verdade é que não prestei muita atenção. Nunca pensei que eles demorassem tanto
tempo. Eu sei que não teria demorado.
O
meu amor estava meio abananado com os anti-histamínicos que tinha tomado e
foi-se deitar. Eu fiquei por ali, a ler. As horas passaram. Às tantas, o bebé
acordou. Esfomeado. Levantei-me calmamente para ir fazer um biberon. Não me
lembrava de nada do que a Elke tinha dito, mas pensei que a embalagem do leite
em pó devia ter instruções. Esqueci-me de um pequeno detalhe… as instruções
estavam, obviamente, em holandês. Os pais, fora. O bebé chorava. O Belga
dormia. Comecei a ver a minha vida a andar para trás. Os últimos biberons que
fiz para um bebé tão pequenino remontam a 2001. O Vasco mamou até passar para
uns leites tetra-pack. Bom, números são números e, bem vistas as coisas, eu só
precisava de saber as quantidades. Quantos quilos, quantos mililitros de leite,
quantas colheres de leite em pó. Safei-me. Não sei se por ser mãe, se por ser
tradutora-adivinhadeira de línguas estranhas, se por ser desenrascada.
O
meu sobrinho é um amor de bebé. Riu-se muito, enquanto bebia o biberon, meio
sonolento. E, quando a crise tinha passado, chegaram os pais. Fez-lhes bem a
noitada, vinham bem-dispostos. E eu pensei que, afinal de contas, bem podia ter
saído mais vezes, quando os meus filhos eram pequenos.
Na
manhã seguinte, sugeri ao meu irmão e à mulher levar o Luca a passear no
carrinho. Eles podiam ir à vidinha deles, que nós tratávamos de tudo. Nunca
pensei que eles aceitassem, claro. Uma coisa é tomar conta de um bebé à noite,
outra coisa é durante o dia. Eu sei que não teria aceitado. Mas eles são muito
mais espertos do que eu era. Aceitaram de imediato de sorriso aberto.
Eis-me,
então, na rua com um bebé e o Belga em pânico, porque íamos com um bebé. Passado
pouco tempo, estávamos os três em pânico. O Luca porque decidiu que, já que os
tios o tinham levado a passear, tinha estoicamente de aguentar acordado.
Acordado e a chorar, como não podia deixar de ser. O Belga porque achou que o
miúdo estava claramente em sofrimento e decidiu ser empático. Em menos de um
nada, estavam os dois em sofrimento. E eu a ter um ataque de nervos, sem saber
para onde me virar. Decidi pegar no bebé e continuar o passeio com ele ao colo.
O Belga ficou para trás, a olhar para o carrinho sem saber o que fazer. “É só
empurrar”, disse-lhe meigamente. E ele lá foi, a empurrar com a ponta dos dedos
de uma só mão, não fosse o carrinho ser radioactivo.
Embalado,
o bebé adormeceu num instante. O Belga ia tão concentrado na sua missão de
empurrar aquele mastodonte contagioso apenas com o poder da mente, que se
esqueceu das alergias. Aproveitei a acalmia dos espirros para tentar pôr o Luca
de volta no carrinho. Deparei-me com um problema. Ele tinha adormecido agarrado
à fralda que eu tinha usado para o proteger do sol. Adormeceu tal e qual como o
pai dele, quando era bebé. Portanto, deitei-o assim mesmo. E, com a outra ponta
da fralda, tapei-lhe o toutiço careca. Mas o Belga entrou outra vez em pânico. Que
na cabeça se usavam chapéus e não fraldas. Que o bebé ia sufocar com aquilo na
cara. Que mais valia tê-lo aos gritos do que moribundo. Decidi procurar debaixo
do carrinho por um ó-ó e um chapéu para o bebé, antes que o homem tivesse uma apoplexia
nervosa. Lembro-me que, quando saía com os meus filhos bebés (e já não tão
bebés…), levava sempre a casa atrás. Tinha tudo em duplicado: mudas de roupa,
fraldas, chuchas, toalhetes, chapéus, brinquedos, comida, etc. Mas debaixo
daquele carrinho não havia nada. Nada de nada. Percebi por que diabo de razão
os carrinhos dos meus bebés eram muitooo
mais pesados do que aquele…
O
dia estava lindo, quente e ensolarado. Amesterdão em peso parecia ter saído à
rua. Começámos finalmente a apreciar o passeio. O meu amor lá acabou por se
distrair, com a beleza dos canais. Volta e meia espreitava o Luca no carrinho,
mas nunca ousou tirar-lhe a fralda da cara. Como toda a gente sabe, pior do que
um carrinho radioactivo, só mesmo uma criança radioactiva. Ri-me interiormente.
Parecia mesmo uma cena tirada do Monsters
Inc..
Decidimos
atravessar um canal, para irmos beber um café numa esplanada toda hippiecoiso que parecia ser gerida por umas
tias de Cascais. Comemos o melhor bolo de tangerina e os cafés mais merdosos do
mundo. Mas soube-nos pela vida, apesar de o serviço ser de uma lentidão nunca
antes vista. Decidi mandar uma mensagem à minha cunhada, só para lhe dizer que
estava tudo bem. E para lhe dar os parabéns por ainda não me ter telefonado mil
vezes a perguntar se o bebé estava bem. Eu sei que o teria feito. Ehhh… isto se tivesse deixado alguém ir
passear com os meus bebés, coisa que obviamente nunca teria acontecido.
Depressa
percebi que me tinha esquecido do telemóvel em casa. O que explicava
perfeitamente a ausência de sms da Elke. Decidimos voltar para trás, não fosse
a rapariga estar naturalmente em pânico por termos desaparecido tanto tempo. Eu
sei que estaria. Ou, pior, no caso de o Luca acordar com fome.
No
meio do stress do bebé que não dormia, que chorava, que queria colo, que dormia
com uma fralda… andámos muito mais do que era suposto. Voltámos para casa a
toque de caixa, quase a correr. O Belga até se esqueceu da radioactividade e
deu uma ajuda a empurrar o carrinho. Chegámos a casa do meu irmão meia hora
depois, completamente esbaforidos. Mas a casa estava vazia. Fui a correr para o
meu telemóvel… zero mensagens. Já o bebé estava a dormitar no berço há imenso e
nós repousadíssimos da corrida, quando eles chegaram. Quando contei a nossa
aventura, a Elke respondeu-me a rir que não estava nada preocupada porque sabia
que eu era uma pessoa experiente. E é a mais pura das verdades. Em todas as
situações, mais ou menos stressantes, eu soube sempre como me desenrascar. Por
mais que o tempo passe, há coisas que não se esquecem. Há, principalmente, segurança.
Bom senso feito de muitos anos de experiência. O que nunca houve foi esta
maneira descontraída e feliz de viver a maternidade, infelizmente. E a minha
cunhada, acabada de ser mãe, ensinou-me uma lição. Já vai tarde, mas não faz
mal. Não deixa de ser engraçado olhar para trás e ver que também eu cresci,
enquanto mãe.
[
Também não deixa de ser engraçado passar uns dias a mimar um bebé, a sentir
aquele cheirinho bom e a ouvir aqueles barulhinhos deliciosos, e ficarmos
felizes por nos virmos embora. Aliviados por pensar que ainda bem que não somos
nós. Que aquela fase da vida em que vivemos as 24 horas do dia em prol de um
pequeno ser já passou definitivamente. ]
Estou desejosa de ter sobrinhos para poder experimentar isso mas o meu irmão não está para aí virado.
ResponderEliminarQuanto à descontracção, essa nunca me faltou, graças a Deus :) Excepto quando me faltou, também graças a Deus. Fez-se o melhor que se soube.
Bem sei o que é essa espera, Gralha... foram anos e anos a pedir um sobrinho! E, quando finalmente fui tia, estava prestes a ter o Vasco. Acho que nem sequer gozei bem a coisa, infelizmente. Agora, a ver se me vingo! :)
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