(porque as relações não têm de ser todas iguais)
Andava
eu a trocar e-mails com uma amiga que
se prepara para emigrar, quando fui surpreendida por um post scriptum algo despropositado, que rezava assim: Perdoa-me a curiosidade, mas pela leitura do
teu blog depreendo que entre o Pascal e o Vasco há uma verdadeira história de
amor… E o Diogo? Nunca falas na relação deles. Dão-se bem?
A
resposta é sim. Obviamente que sim. O meu amor e o Diogo dão-se muitíssimo bem.
Talvez não fale tanto neles, justamente porque não há nada de especial a dizer.
Mas se calhar até há e eu é que estou errada, pois não dou o devido valor.
Apesar
de em nossa casa não usarmos a palavra “padrasto”, o Diogo usa-a ostensivamente
(o Vasco, não). Com imenso orgulho na voz, é preciso que se diga. Creio que
esse foi o papel que o meu filho mais velho lhe decidiu atribuir, há quatro
anos atrás. Por mais que nos desagrade e que tentemos contrariá-lo, pois
gostamos pouco de etiquetas convencionais. Mas o Diogo impôs a sua vontade
férrea. O meu filho crescido é algo conservador e obsessivo na organização dos
seus afectos. Cada pessoa tem o seu lugar próprio. E não há cá desvios, nem
atalhos. O meu amor não tem as funções de pai, nem de amigo. Muito menos de
amigalhaço. O meu amor não é um tio. Nem sequer um companheiro. Para o Diogo, é
“O padrasto”… que não teve outra solução, senão conformar-se com o papel imposto.
Para ser honesta, não deve ter sido fácil. Até mesmo porque o meu amor não
estava preparado para assumir de imediato um cargo de tamanha responsabilidade e
era profundamente nórdico na expressão dos seus sentimentos. Mas o filho
crescido é um miúdo bastante melado. No início, os abraços e declarações de
amor nunca eram correspondidos. Depois, começou a retribuir, mas via-se que era
uma resposta maquinal e esforçada. Agora, são uma constante. Contrariamente ao
que se possa pensar, quem adoçou o nosso Belga não fui eu, nem o Vasco. Foi o
Diogo.
Hoje
têm uma relação que não é tão liberal, nem igualitária quanto o meu amor teria
inicialmente desejado. Porque um é “padrasto”, o outro é “enteado”. Um educa, o
outro é educado. É uma relação feita de amor incondicional e respeito mútuo. Aceitação sem
reservas. Presença constante. Ajuda inquestionável. Quando se trata de elogiar os rapazes, o meu amor perde-se pelo
Diogo. Quando se trata de pensar no futuro dos rapazes, o meu amor preocupa-se
é com o Diogo. Quando se trata de engendrar surpresas e viagens mirabolantes, a
prioridade do meu amor é sempre o Diogo. Quando o filho grande partiu na visita
de estudo a Oxford, o meu amor levantou-se às 5h da manhã para se despedir e
dar as últimas recomendações. No lusco-fusco, estendeu-lhe dinheiro. O Diogo
recusou de imediato, dizendo: “Obrigado, não é preciso. A mãe já me deu.” E o
meu amor continuava com as notas amarrotadas na mão (para eu não ver quanto era)
e insistia: “Eu sei, eu sei… mas quero que leves mais isto, nunca se sabe.
Podes sempre precisar. Se não gastares, pões na tua conta”. É um cuidado constante, sem falhas.
A principal
característica da relação do meu amor com o filho mais velho é secundar-me.
Neste sentido, funcionamos como uma dupla de adultos que tenta educar em
conjunto um adolescente. Porque ele diz que o Diogo é o adolescente mais
perfeito que algum dia lhe foi dado a conhecer. E já se sabe que todos os
adolescentes são parvos por natureza. Excepto o Diogo. Este ano fizemos uma
espécie de “inquéritos”, quando entrámos em 2017. Na página onde apontámos o que gostaríamos
que o outro mudasse (aka página dos
defeitos com uma designação construtiva…), o Diogo escreveu simplesmente: “Pascal est parfait”.
Posto
isto, o binómio é único. O meu amor tem de facto uma relação especial com o
Vasco. Mas, contrariamente ao irmão, não creio que possa ser qualificada como uma relação de “padrasto-enteado”.
Nenhum deles precisa de etiquetas ou convenções. O que se passa é que
aqueles dois não se conheceram, reconheceram-se. Se eu acreditasse em
reencarnação, diria que o binómio se tinha apenas voltado a encontrar, segundo
uma ordem natural qualquer que me transcende. OK… eu não acredito em reencarnação, mas tenho a certeza de que aqueles
dois são uma espécie trasvestida de almas gémeas. Entre o meu amor e o Vasco não
há “uma verdadeira história de amor”, para usar as palavras da minha amiga.
Entre o meu amor e o Vasco há uma história de coincidência de personalidades.
Em francês há uma expressão que os define na perfeição: “ils ont des atomes crochus”.
Têm átomos enlaçados. Porque há algo que, efectivamente, vai para além do
palpável e que invade o plano metafísico. Onde não sou tida, nem achada. Nesse
sentido, a relação do meu amor com o Vasco é independente de mim, pelo que acabamos por ficar em perfeito pé de igualdade na educação do filho pequeno.
Se
acho esquisito os meus dois filhos terem relações tão diferentes com o meu
namorado? Não, de todo. Eles são pessoas muito diferentes, por que razão
haveriam obrigatoriamente de ter uma relação idêntica? Não tenho dúvidas de que
o amor é igual. E isso é a única coisa verdadeiramente importante .