(onde
descobrimos uma cidade labiríntica)
Depois
da experiência com a camioneta, decidimos mudar de transporte público, na
esperança de que as seis horas de viagem entre El Jadida e Fez fossem mais
agradáveis. Rapidamente percebemos que andar de comboio em Marrocos também é
toda uma aventura. Éramos oito num compartimento minúsculo, sem ar
condicionado. Mais uma bebé. O problema é que as nossas companheiras de viagem
eram todas muito avantajadas e sentavam-se... como dizer? Vá... sentavam-se
muito à-vontade nos bancos estreitos. O Diogo e eu, como íamos do lado da
janela, ainda nos safámos. Bom, o Diogo não se safou lá muito bem. Parece que
os únicos três dentes amarelos da senhora muito vetusta o impressionaram
bastante. O meu amor e o Vasco foram uns corajosos. Nunca os ouvi reclamar,
embora o meu amor quase levasse a velhota desdentada ao colo e o Vasco
estivesse sempre a cair do banco abaixo, empurrado pelas largas ancas da mãe da
bebé. Já agora é de referir que esta criatura simpatiquíssima correu os colos
todos do compartimento apinhado e acabou por seguir viagem repimpada na mesinha
que estava colada à janela. O único problema é que a bebé não devia ter mais de
sete meses e, de vez em quando, lá se deixava cair para trás. Era isso e os
solavancos frequentes do comboio, que provocavam gritos aflitos no mulherio que
corria a deitar a mão à criatura. Acho que não houve ninguém ali dentro que não
tenha apanhado a miúda em queda-livre umas cinco vezes. Foi completamente
impossível dormir, porque estávamos sempre a ser acordados por esta gritaria. E
pela conversa bem-disposta das quatro senhoras que, embora tivessem acabado de
se conhecer, falaram durante seis horas sem parar como se fossem velhas amigas.
Chegámos
a Fez no final do dia exaustos. O calor era sufocante. Tinham estado 46 graus e
o chão ainda parecia arder debaixo dos nossos pés. Apanhámos um táxi para a
parte velha da cidade, que nos deixou numa das treze portas. A cidadela é tão
labiríntica, com ruelas tão estreitinhas e escuras, que é impossível entrarem
lá carros. Tivemos de pagar a um rapaz para nos mostrar o caminho até ao hotel.
Para nos mostrar o caminho, é como quem diz... fomos totalmente incapazes de o
reproduzir depois, quando nos decidimos aventurar sozinhos ao cair da noite,
para desmoer o jantar copioso. Subimos, descemos. Virámos à direita e à
esquerda. E à direita outra vez. Percorremos ruelas que nos pareciam todas
iguais. Um verdadeiro labirinto que, confesso, me assustou um bocadinho. Talvez
o facto de estarem constantemente a aparecer indivíduos de aspecto duvidoso não
tenha ajudado. Ofereceram droga ao meu amor um cento de vezes, apesar de ele
levar a nossa coisa pequena firmemente pela mão.
Na
manhã seguinte, decidimos não arriscar. Pela primeira vez, contratámos um guia
oficial para nos mostrar a parte antiga de Fez. Valeu cada dihram que lhe
pagámos. O homem destilava história. Em três horas, vimos museus e souks
e mesquitas e madrasas (acho que é assim que se chamam em português as antigas
escolas para aprender o Corão). Uma arquitectura lindíssima. Bebemos litros de
água, como sempre. Mas devemos ter transpirado o dobro, não sei como. Voltámos
para o hotel à tarde como se tivéssemos apanhado uma sova, estafados. E de lá
já não saímos até ao dia seguinte. Valeu-nos a simpatia dos empregados, o
jantar delicioso que nos prepararam, o terraço com uma vista de tirar o fôlego
sobre Fez. Os miúdos deitaram-se cedo. Nós acabámos a noite a namorar naquele
terraço, a ver estrelas cadentes. Foi um momento mágico.