sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Vergonha alheia

(onde o tempo que passa e a consciência que daí advém

acaba por nos pacificar)


 

Há cerca de um ano atrás, escrevi este post. Algo mudou entretanto, o tribunal decretou que os meus filhos tinham direito a receber uma pensão de alimentos. Não tenho pudor em dizer os valores: 150 euros mensais por criança. Porém, o nome é enganador… Os “alimentos” abrangem comida, roupa, calçado, agasalhos, todas as despesas escolares e as actividades extra-curiculares. Já para não falar no aluguer da casa, electricidade, água, mazout… Tudo isto são “alimentos”, como é evidente.

Infelizmente, no nosso caso específico, na categoria altamente abrangente de “alimentos” estão ainda incluídas à força as chamadas “despesas extraordinárias”: consultas médicas, medicamentos, actividades desportivas e despesas escolares extraordinárias que extravasem o normal (as despesas relativas ao regresso às aulas ou os manuais escolares, por exemplo). Não por ordem do tribunal, obviamente, mas por falta de pagamento de quem tem um entendimento muito particular da lei.

Há cinco meses atrás, o filho crescido decidiu que a pensão de alimentos não lhe dizia respeito e que seria justo receber também uma mesada do outro lado. Afinal, está no 9º ano e já tem as suas despesas. Dois meses depois, a quantia continuava por determinar. Parece que a escola em Portugal ainda não tinha começado. E que era preciso haver equidade entre cá e . Quando o Diogo iniciou a segunda semana de aulas, o meu amor decidiu tomar uma atitude. Entregou-me um envelope com um ano de mesadas para depositar na conta do Diogo, assegurando assim o outro lado. Estranhamente, quando o filho crescido anunciou a novidade, a verba foi desbloqueada: 15 euros para cada filho. Três meses depois, nem sombra do dinheiro. Problemas vários, segundo parece. O meu pai e a mulher decidiram, então, começar a dar uma mesada aos dois rapazes. Uma semana depois, este dinheiro estava nas contas… sem quaisquer problemas. Ao Diogo apenas foi dito “que agora estava rico”. Quanto a mim, aconselhei-o a poupar parte do que recebia e, em nome do seu amor-próprio, não voltar a insistir.

Mas o filho crescido é teimoso. E tem aquela esperteza típica do adolescente, para quem ganhar uma discussão é mais importante do que o tal do amor-próprio. Portanto, decidiu mudar de estratégia. Em vez de mesadas, pediu para comprar o novo jogo do Star Wars para a Xbox, cuja data limite para a pré-venda estava a terminar. O dinheiro apareceu de imediato na minha conta. Mas foi-lhe dito que, provavelmente, pouco mais receberia no Natal. E isto doeu-lhe. Doeu mais do que andar cinco meses a pedinchar uma ninharia que nunca chegou a receber. Desde que vive na Bélgica, o filho grande só tem recebido prendas exorbitantes: um portátil da Sony, uma sofisticada máquina fotográfica, uma Playstation 4, um iPod, um iPhone… Na sua opinião desiludida, o alargamento do núcleo familiar impôs restrições necessárias, a bem da equidade fictícia que tanto lhe querem vender.

A minha visão das coisas é mais cínica. Não vale a pena insistir em tentar comprar um miúdo que abriu os olhos, que já disse que não quer voltar para Portugal, que está feliz com sua nova existência. O problema é que, embora haja consciência de que os meus filhos não estão a soldo, não há capacidade para contribuir para o bem-estar deles neste país. Capacidade emocional, não financeira. Longe disso. Daí as despesas extraordinárias ficarem sempre por pagar, daí os miúdos nem sequer terem direito a receber uma simples mesada. Porque isso são âncoras. E, quando se quer que um barco ande à deriva, rouba-se a âncora, rasgam-se as velas, destroem-se os remos.

Se um ano depois daquele post continuo a ter raiva? Não, já passou. Neste momento, sinto vergonha alheia. E desprezo pela pequenez das atitudes. Às vezes, até já consigo dar umas boas gargalhadas. Como quando me pedem uma mala com roupa e um nécessaire de toilette para passar um fim-de-semana com os rapazes, quando nem sequer o aluguer de uma cadeira de rodas se dignaram a pagar. Ou um lápis. Ou um par de meias. Ou um xarope para a tosse. Acusam-me de ser beligerante, mas tenho a consciência tranquila. Deixei de exigir justiça a todo o custo, porque a minha paz de espírito não tem preço. Agora, não me peçam é para ser parva…

4 comentários:

  1. Eu quase que sinto como é....tenho um processo em tribunal e neste caso estão 3 crianças no meio disto tudo. Estou à espera de julgamento...e ver o que é decidido, mas isto é revoltante por tanto tempo que se demora. Ficou estipulado provisoriamente 300eur pelos 3...enfim...

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    1. Aqui, também demorou imenso tempo. E a espera é horrível, bem sei. Ainda por cima por quantias irrisórias... :(

      Na Bélgica, os abonos de família aumentam exponencialmente a partir do 3º filho, para além do suplemento no caso de famílias monoparentais. Estamos a falar de cerca de 700 euros mensais... A questão é que o Estado já parte do pressuposto que as pensões de alimentos não cobrem, nem de perto, nem de longe, as despesas totais com 3 filhos. Não consigo sequer imaginar como se consegue sobreviver dignamente em Portugal nesse caso...

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  2. Hoje não consigo escrever nada: pelas memórias que tenho de um pai excepcional, pelo que tenho visto acontecer na minha casa desde que nasceu a nossa filha, diria apenas que há homens que deram o seu contributo para que nascesse uma criança mas PAI(s) é que nunca serão...Um abraço para uma mãe pequenina mas tão, tão grande!

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    1. Como diria o Stromae, um célebre cantor belga, há pais e há progenitores. Não é exactamente a mesma coisa.

      Eu prefiro concentrar-me igualmente na imagem do pai fantástico que tenho e no pai-sem-filhos que cruzou o nosso caminho.

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