(onde se relatam outros pequenos hábitos que vêm com o frio)
A
saga do atraso crónico na troca de pneus não é, infelizmente, o único clássico
com que inauguramos o nosso ano. Há pior. Bastante pior.
A
água do bebedouro do Peanuts fica totalmente congelada, obrigando-nos a
trazê-lo para dentro. E lá começa a ronda de noites sem dormir com aquele
coelho demoníaco a atirar-se contra as grades da gaiola. A caixa é grande como
um sarcófago, juro. E ele até passa imenso tempo a saltitar pelo quarto do
Vasco. Mas à noite, sabe-se lá porquê, o tipo quer à força sair. É um fadário,
acreditem.
Depois,
temos o friorento D. Fuas. Com a chegada do Inverno, o nosso cão entra em
negação profunda (tal como a dona) e recusa-se a fazer as necessidades lá fora
(não se preocupem que eu continuo a ir ao local habitual, embora mais
depressinha, que a casa de banho do palacete não é aquecida). O D. Fuas ainda
chega a espreitar pela porta… mas volta logo para dentro, mal põe as reais
patas na neve. E toca de fazer as necessidades urgentes à frente do aquecedor
da sala. Ninguém duvida que é muito mais agradável do que pespegar o
traseiro na neve. Infelizmente, a casa aquecida é habitada por humanos que
prezam a salubridade. Pequeno detalhe que o digníssimo cão tenta ao máximo
ignorar. Até um de nós de passar e o atirar para cima de um monte de neve. Os
primeiros dias são sempre mais difíceis para o D. Fuas. Uma vez português, para
sempre português.
Excepção
feita para os meus queridos filhos, que se belgificaram
há muito e insistem em levar-me ao desespero. Este ano, só consegui convencer o
grande a usar luvas e Kispo. Gorro e cachecol são coisas de criança. Consta que
não dá estilo. E mesmo o Kispo tem de discreto. Discretíssimo. Na realidade,
trata-se de um simples blusão preto ao qual decidimos tacitamente chamar ‘Kispo’
a bem da sanidade materna. A minha, portanto. Sei perfeitamente que não muda
nada. O Diogo não fica mais quente por isso, mas sinto-me mais descansada. Como
é evidente, no que toca ao filho pequeno, as coisas piam mais fino. Durante 5
minutos seguidos, se tanto. Ainda consigo obrigá-lo a usar a artilharia toda
antes de sair de casa: botas da neve, Kispo, gorro, luvas e um lenço polar a
tapar o pescoço. Também já não gosta de cachecóis. Jura a pés juntos que o
estrafegam. O problema é que, se me distraio, fica tudo no carro. Diz que tem
calor. Estão -11º. Mas a pobre criança sofre com o calor. A caminho da escola,
despe-se todo a uma velocidade contrariamente proporcional ao tempo infinito
que demora a vestir-se de manhã. E fá-lo de mansinho, para ver se escapa. Às 7h30
ainda estou meia a dormir e enregelada, pelo que acaba por escapar quase sempre.
Quando espreito pelo retrovisor para me assegurar de que entrou na escola (parece
que não sou a única maluca a ter esta mania: no outro dia, o meu amor admitiu envergonhado
que também só conseguia arrancar depois de ver o portão fechar), já só
vislumbro um Vasco saltitante de Kispo aberto. O resto ficou no carro, claro.
Esforço-me por pensar que eles nunca estão doentes. Que nunca estão
constipados. Nem ranhosos. Há séculos que não sei o que é um espirro, uma
febre, uma tosse. Não há bicheza que sobreviva a este frio glaciar. Todos os
anos tento ver com optimismo o copo meio cheio. Não consigo. Só vislumbro água
congelada.
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